Tolerância a pragas, secas e geadas, rapidez no plantio e cultivo, além de alta produtividade de grãos. Fatores como esses fizeram com que as atenções do setor de biocombustíveis se voltassem para o crambe (Crambe abyssinica) - oleaginosa ainda pouco conhecida no Brasil, pertencente à mesma família da couza, da canola e da mostarda. No terceiro dia da série sobre os combustíveis alternativos, o Correio mostra que uma pesquisa desenvolvida pela Fundação MS na cidade de Maracaju, a 180km de Campo Grande (MS), conseguiu extrair um óleo de qualidade, compatível com a produção de um biodiesel de baixo custo e bom rendimento. Em condições ideais, a planta composta por pequeninas flores brancas apresenta produtividade média entre mil e 1,5 mil quilos por hectare. Já o teor de óleo em sua base seca pode variar de 36% a 38%, enquanto a soja, matéria-prima mais usada para a produção do biodiesel, apresenta uma média de 18% no grão.
O custo da produção do crambe resume-se praticamente às operações de dessecagem, plantio, colheita das sementes e uma pequena quantidade de adubo para reposição de nutrientes ao sistema. Segundo um dos pesquisadores da Fundação MS, Renato Roscoe, o crambe possui um ciclo curto (85 a 90 dias) - o da soja chega a 130 dias - e o custo atual por hectare sai por R$ 300, em média. "Por apresentar maior tolerância a deficit hídrico, a cultura mostra-se como uma das alternativas de baixo custo e reduzido risco", destaca o agrônomo. Conforme a entidade, solos do Sudeste e de parte da Região Sul também oferecem condições favoráveis de plantio. "No momento, temos indicação da cultura somente para o Mato Grosso do Sul. Porém, trabalhos em andamento podem estender a recomendação para Mato Grosso, Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Paraná", afirma.
A expectativa dos pesquisadores é que a produção dobre em 2010, passando de 10 mil para 20 mil hectares, a partir da ampliação significativa da oferta para a indústria. Porém, é bom ressaltar que a pesquisa realizada pela fundação não se resumiu apenas ao cultivo do crambe. Depois de colhidos, devidamente armazenados e descascados, os grãos passaram por um processo de extração do óleo bruto. A matéria-prima, então, foi aquecida em cozinhadores próprios e submetida a prensas mecânicas, utilizadas para a extração do óleo, finalmente decantado e filtrado.
Lavagem a seco
O óleo bruto padronizado foi colocado num reator com o etanol e o catalisador (hidróxido de sódio ou potássio), que acelerou o processo de reação. Depois disso, deu-se início à separação do biodiesel e do glicerol, sendo que o produto resultante desse estágio ainda passou por um processo de lavagem para retirada dos resíduos de álcool, catalisador e ácidos graxos que não reagiram. "Esse processo, inicialmente, era feito por sucessivas lavagens com água. Porém, hoje em dia é realizado por meio de lavagem a seco, fazendo uso de resinas específicas", enfatiza Roscoe.
Para o especialista em biodiesel e colunista do portal Biodiesel.br Univaldo Vedana, o crambe é uma das promessas para o setor em 2010. Segundo ele, a planta tem despertado interesse dos produtores de soja, por conta do cultivo mecanizado e das características de cultura de inverno. "Um dos problemas que a produção do biodiesel no Brasil enfrenta é a falta de matéria-prima nova, além dos preços elevados de algumas delas", afirma, lembrando que o país apresenta grande potencial. "Em 2009, o Brasil deverá ser o segundo maior produtor de biodiesel do mundo, atrás apenas da Alemanha", garante.
Pertencente à família das brassicáceas, o crambe ainda é uma planta pouco conhecida para a maioria dos brasileiros. Apesar disso, o Brasil se tornou o precursor nas pesquisas que deram origem ao biodiesel feito da matéria-prima. Países como Rússia, Nova Zelândia e Estados Unidos já realizavam o cultivo da oleaginosa há mais tempo. Porém, as principais indústrias processadoras de óleo de crambe, por exemplo, estão na Europa, onde os grãos são utilizados para a extração de ácido erúcico - componente amplamente empregado na fabricação de polímeros e lubrificantes.
Livre de resíduos
Um estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) está buscando uma forma mais eficiente e ambientalmente correta de transformar os óleos provenientes de matérias-primas como soja, crambe ou mamona em biodiesel. Isso porque, segundo o instituto, a produção do biocombustível acaba enfrentando problemas na fase em que são adicionadas substâncias que aceleram o processo de transformação - os chamados catalisadores homogêneos. O resultado dessa reação química é a formação de resíduos, como o sabão, que dão origem a emulsões que comprometem o rendimento. Além disso, a água utilizada para a remoção das cinzas (processo de lavagem) pode dar origem a depósitos no motor e desgaste de peças do automóvel.
O processo de transesterificação, como é conhecida a transformação do óleo vegetal em biodiesel, faz uso, convencionalmente, de catalisadores alcalinos, como, por exemplo, o hidróxido de sódio (NaOH). Porém, o grupo do Laboratório de Processos Químicos e Tecnologia de Partículas (LPP), do IPT, trabalha no desenvolvimento de um catalisador heterogêneo que não se dissolva na solução e gaste uma quantidade menor de água durante o processo de lavagem do biodiesel. "Por meio da heterogeneização de uma base orgânica, estamos tentando vencer o desafio de desenvolver um catalisador que não produza sabão, não deixe resíduos no biodiesel e não possua metais em sua composição", explica o pesquisador João Guilherme Poço.
De acordo com ele, os ensaios incluem uma síntese de polímeros que têm agrupamentos básicos e podem atuar como catalisadores. Porém, o grande desafio do grupo é conseguir uma substância que, além de não se dissolver no meio reacional, seja regenerável e mantenha-se ativa por mais tempo possível, pois os catalisadores baseados em polímeros têm alto custo e devem ter alta durabilidade. Até o momento, os pesquisadores conseguiram manter o reator produzindo biodiesel com o catalisador desenvolvido no período de uma semana. As próximas fases, que ainda estão em curso, incluem os processos de regeneração e de reprodução do período já alcançado de fabricação.