» Cristiana Andrade
Enviada especial
Copenhague - Um acordo fechado ontem entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para monitoramento de florestas na Bacia do Congo (composta por 20 países equatoriais) coloca o Brasil numa posição privilegiada diante das negociações que ocorrem em Copenhague, na Dinamarca, durante a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP-15). O país não vai cobrar por esse serviço, mas compartilhar a tecnologia com outras nações, um dos mecanismos de cooperação previstos no acordo que todos esperam assinar na próxima semana.
"Ao se oferecer para disponibilizar sua tecnologia, o país sai à frente, numa atitude totalmente proativa", comentou o diretor-geral do Inpe, Gilberto Câmara. Para ele, a situação dos Estados Unidos ficou mais complicada, já que, por ser uma economia em desenvolvimento, o Brasil não tem obrigação de compartilhar tecnologia, ao contrário das nações ricas, que devem se comprometer com isso. "Foi uma atitude corajosa do Brasil", elogiou.
O acordo entre o Brasil e a FAO ocorreu no mesmo dia em que a organização apresentou quatro modelos para garantir a segurança alimentar às populações famintas. Atualmente, cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem em situação de fome crônica, mas o tema está praticamente escondido nos debates, e não parece sensibilizar os negociadores mundiais que buscam um acordo sobre as mudanças climáticas e o corte de emissões dos gases de efeito estufa no planeta.
No cenário com alta segurança alimentar e alto sequestro do carbono, a proposta da FAO é recuperar áreas degradadas, expandir a irrigação que usa baixa energia, adotar opções agroflorestais para incrementar a produção de alimentos, incentivar o manejo de nutrientes no solo e fazer uma melhor administração dos resíduos, para aproveitá-los na própria lavoura. Além disso, a autora do estudo, a economista norte-americana Leslie Lipper, cita a rotação de culturas, como fundamental para o manejo adequado das terras.
"Num cenário de potencial baixo para a segurança alimentar, mas com altas chances de sequestrar o carbono, podemos trabalhar com o reflorestamento, a recuperação de solo degradado, a expansão da produção de biocombustíveis, opções agroflorestais para fomentarmos os benefícios de produção de alimentos no campo e uma série de outras ações. Há um projeto apoiado pelo Banco Mundial no Quênia, que está melhorando a produção de café, já afetada pela seca causada pelas mudanças climáticas. Ainda assim, há poucos projetos voltados para a agricultura, sob o ponto de vista da fome mundial", diz a economista.
O terceiro cenário da FAO, que tem como modelo segurança alimentar alta, mas baixo sequestro de carbono, os países expandiriam a lavoura para áreas marginais, aumentariam a irrigação em larga escala e fariam crescer os sistemas mecanizados que usam intensa energia. No cenário em que ambos os itens são baixos, haveria poucas opções de rotatividade das lavouras, mantendo o cultivo de uma cultura única e aumento de área para pastagem.
A estimativa da FAO é que existam 9,1 bilhões de pessoas no mundo em 2050, e o percentual de famintos será proporcional ao crescimento da população. Recentemente, a organização fez um cálculo de que a agricultura em países em desenvolvimento precisará de investimentos da ordem de US$ 200 bilhões por ano para alimentar todo o mundo em 40 anos. O cálculo assume 11% de diminuição calórica per capita e a ameaça de insegurança alimentar de no mínimo a 4% das pessoas de todo o mundo. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, o preço global usado hoje de US$ 20 por tonelada de carbono e gases equivalentes e a implantação de ações de mitigação na agricultura poderiam gerar anualmente negócios de US$ 30 bilhões.
A culpa é do boi
Um estudo divulgado ontem, e que será apresentado no próximo dia 12 em Copenhague, mostrou que a atividade é responsável por 50% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. A pesquisa, coordenada pela Universidade de Brasília, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e pela organização Amigos da Terra, mostrou que, entre 2003 e 2008, a pecuária lançou na atmosfera entre 813 milhões de toneladas (valor do ano passado) e 1,090 gigatoneladas (o maior registrado, em 2004), nos biomas da Amazônia e do Cerrado.
» Entrevista // Paulo Cruvinel
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura tem um estudo que diz que atualmente 1 bilhão de pessoas no mundo passa fome, mas que há projetos de melhorias na agricultura que podem ajudar a fixar o carbono no solo e promover a segurança alimentar. Como o senhor vê essa questão?
Temos a questão da segurança alimentar, de atender a demanda da população, e a segurança do alimento, que é a questão da qualidade da comida em si. Acredito que pesquisas como esta da FAO e as que temos desenvolvido no Brasil são significativas para mostrar novos caminhos. Hoje, temos muitos projetos em que aumentamos a produtividade na terra, com uma área ocupada bem menor. É a técnica conversando com a sustentabilidade e incluindo aí os cursos d%u2019água, a qualidade do solo, tudo numa visão sistêmica.
Para o Brasil, como se dá esse processo de repensar a forma de fazer agricultura?
É um paradigma desenvolver pesquisas que auxiliem a agricultura e minimizem a fome. E esse tipo de projeto não está apenas nos nossos escritórios no Brasil. A Embrapa está com escritórios virtuais na África, na Europa, na Coreia e na América Latina. A ideia é termos essa capilaridade de transferência de tecnologia. A agricultura, pensada dessa forma mais sustentável, é vista de maneira mais ampla, envolvendo energia e fibras, por exemplo.
O senhor pode dar exemplos de como a Embrapa tem feito projetos para agricultura sustentável?
Há uma visão de como recuperar áreas degradadas, técnicas de plantio direto, e essa visão de aumentar a produtividade sem expandir a área. Esse é um processo de multi-institucional não só da Embrapa, mas das empresas agropecuárias dos estados, de sustentabilidade para tentarmos diminuir a pobreza no mundo e melhorar o processo alimentar. Acho que ela associa essas ações com a questão da cooperação. E aí, podemos ir além e incluir também a educação. Acho que o Brasil tem muito a contribuir, não só com tecnologia e práticas positivas, mas também de forma coerente, organizada e com resultado de pesquisas que vem desenvolvendo, de produção de conhecimento. Acho que trabalhando o conhecimento, você consegue desenhar políticas melhores e de caráter mundial, construindo um caminho coletivo.
Paulo Cruvinel é pesquisador da Embrapa