Que sussurre a primeira palavra quem jamais negligenciou a rouquidão. Embora pareça inofensivo, o transtorno vocal pode ser sintoma tanto de inflamações passageiras quanto do uso impróprio da voz, de infecções graves, distúrbios emocionais, nódulos e até de tumores malignos. Dados da Academia Brasileira de Laringologia e Voz revelam que as lesões vocais acometem até 30% da população brasileira, e que, mesmo diante de uma rouquidão persistente, muitas pessoas nem sequer imaginam que estejam com comprometimento nas pregas ou cordas vocais, como são conhecidas popularmente.
A otorrinolaringologista Luciana Watanabe explica que a rouquidão é uma manifestação caracterizada pela falha ou mudança na voz causada por males que afetam a região da laringe. As causas mais comuns do transtorno são as inflamações agudas e oportunistas nesse órgão, que desempenha funções de aparelho fonador e respiratório. No entanto, em casos mais graves, a disfonia pode ser provocada por pólipos - lesão inflamatória benigna formada também por traumatismo fonatório, calos, nódulos ou mesmo carcinomas. "A rouquidão jamais deve ser negligenciada. Uma simples alteração na voz pode ser o estágio inicial de um problema maior, como o câncer de laringe, que, se diagnosticado e tratado precocemente, tem chances altÃssimas de cura. Já em estágio avançado, a possibilidade de remissão desse câncer fica reduzida", observa.
Quando é provocada por gripes, resfriados e laringites, a rouquidão pode ser tratada com remédios. Em caso de nódulos, que costumam acometer pessoas que usam muito a voz, como professores, cantores e atores, o problema é remediado com a fonoterapia, tratamento feito com fonoaudiólogos. Já com o pólipo, que não desaparece com repouso ou exercÃcios especÃficos, é preciso intervenção cirúrgica para grande parte dos casos. "É um dano comum, que muitas pessoas têm e não sabem. Felizmente, a maioria das lesões é benigna. Mas, quando não cuidadas, podem evoluir para patologias mais complicadas", alerta Luciana.
Fatores de risco
Entre os fatores que contribuem para o aparecimento de doenças na laringe, estão o cigarro, o uso e a impostação inadequada da voz, o álcool, as alergias respiratórias, as doenças cardÃacas, o refluxo e o próprio clima seco de BrasÃlia. Quando a rouquidão persiste por mais de 10 dias, é importante procurar um otorrinolaringologista. "Para confirmar a existência de lesões, é realizada a videolaringoscopia, exame feito em centro cirúrgico com anestesia geral, devido ao incômodo tubo que é passado pela cavidade oral do paciente para avaliação da laringe. No caso do pólipo, o diagnóstico e a retirada podem ocorrer simultaneamente", detalha. O procedimento dispensa cortes externos, e o pós-peratório é praticamente indolor, com um pequeno desconforto na área da garganta. Durante sete dias, o paciente não pode falar, mas se alimenta normalmente. "Como existe um amplo leque de fatores causais para a rouquidão, é fundamental o diagnóstico preciso e ágil", reforça a otorrinolaringologista.
A agilidade a que se refere a médica provavelmente salvou a vida do corretor de seguros Ciro Goulart, 64 anos, diagnosticado com câncer de laringe há pouco mais de um ano. A rouquidão chegou gradativamente, sem dor ou qualquer outro sintoma, a não ser o transtorno na voz, sempre usada como um instrumento de trabalho por ele. "Negligenciei a rouquidão. Ela me afetou por três meses antes que eu tomasse a iniciativa de procurar um especialista. A minha sorte é que o carcinoma ainda estava no começo quando recebi o diagnóstico. Parei de fumar há 10 anos, mas os danos provocados pelo cigarro, associados ao uso incorreto da voz - não sou cantor, mas sou muito falante e falava alto -, apresentaram a fatura do descuido", lamenta Ciro.
Para se livrar do carcinoma na laringe, o corretor enfrentou 40 sessões de radioterapia. Em maio passado, depois de uma nova videolaringoscopia, os médicos confirmaram que o câncer estava vencido. "Venho fazendo constantes revisões. Restou uma secreção, natural de quem recebe radioterapia nessa região do corpo, mas vou resolver com fisioterapia", garante. A rouquidão ainda aparece quando Ciro fala muito. "Também começo, em breve, terapia com um fonoaudiólogo para aprender usar a voz corretamente", revela.
» Palavra de especialista
Menosprezo equivocado
As pessoas tendem a negligenciar a rouquidão, por considerá-la um problema relativamente corriqueiro e comum provocado por infecções da laringe, quadro classificado como agudo que tende a desaparecer rapidamente. Muitas vezes é isso que acontece, mas nem sempre é assim. Há casos de rouquidão que podem surgir de forma suave e ir se agravando, como o Edema de Reinke. Ele acomete principalmente mulheres fumantes, provocando alteração de voz, fenômeno considerado normal por elas e pelos ouvintes. Noto também que há uma certa glamorização da voz rouca. Algumas vÃtimas do problema acham que a rouquidão é um charme, sem perceber que ela é um sinal que aponta danos na laringe.
Ana Maria de Oliveira é fonoaudióloga
Para saber mais
Como a voz é produzida
Tudo começa com o ar saindo dos pulmões. Ele passa pela laringe, onde estão localizadas as cordas vocais, e, no momento da expiração, aproximam-se e vibram, produzindo o som. De inÃcio, o som é baixo e fraco, sendo ampliado pelas cavidades de ressonância (que são a faringe, a boca e o nariz). Após a amplificação, o som será articulado na cavidade oral, por meio dos lábios, bochechas, lÃngua, palato e mandÃbula.