Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Proteção com sabor brasileiro

Universidades do país desenvolvem antissépticos bucais a partir do alecrim-do-campo e do bacupari, fruta abundante na Região Norte

Pesquisas de diferentes universidades descobrem em plantas nativas do Brasil a capacidade de evitar o desenvolvimento de cáries e placas nos dentes, o que tem levado à produção de novas alternativas de enxaguantes bucais, produtos que têm o uso cada vez mais difundido entre os brasileiros, mas que, com o uso indevido, podem causar problemas como o aparecimento de manchas e até mesmo intoxicação.

Um desses estudos foi desenvolvido na Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, ligada à Universidade de São Paulo (USP), onde os cientistas criaram um antisséptico bucal feito a partir da espécie Baccharis dracunculifolia, popularmente conhecida como alecrim-do-campo ou vassourinha. A planta apresenta várias características que conferem ao produto algumas vantagens em relação às marcas disponíveis atualmente no mercado, como sabor menos forte, baixa toxicidade e ausência de efeitos como adormecimento da língua e ardência na boca. A invenção teve a patente registrada no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) e está pronta para ser produzida em escala industrial.

De acordo com um dos responsáveis pelo projeto, o farmacêutico Mateus Freire Leite, que desenvolveu o enxaguante em sua pesquisa de doutorado e atualmente é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o produto tem a vantagem de ser totalmente natural. ;Desenvolvemos algo inovador. O enxaguatório bucal apresentou baixa toxicidade e mostrou-se ativo contra o Streptococcus mutans, um dos principais microrganismos responsáveis pela formação das cáries;, revela.

Um dos problemas dos líquidos para esse fim disponíveis no mercado está no fato de que seu uso diário e prolongado pode causar manchas nos dentes. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Norberto Francisco Lubiana, o uso do produto deve ser controlado. ;Existe uma série de problemas relacionados ao seu uso indiscriminado, desde reações alérgicas a danos às mucosas bucais. Assim, o paciente deve sempre pedir a orientação de um dentista na hora de optar pelo uso do produto;, explica.

Problemas que, segundo Leite, não ocorrem com o uso do alecrim-do-campo. ;Trata-se de uma substância que não possui toxinas, além de atenuar os problemas da halitose (mau hálito);, conta. ;O produto passou também por análise sensorial, apresentando sabor agradável, com refrescância, sem provocar ardor ou sensações de dormência na língua;, completa. Para o pesquisador, essa característica pode facilitar o uso por parte das crianças.

Amazônia
Outra pesquisa que promete melhorar a qualidade dos antissépticos bucais vem da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP em Piracicaba, e da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), ligada à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um estudo das duas entidades ; que contou ainda com pesquisadores da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e da University of Rochester (EUA) ; concluiu que uma planta conhecida como bacupari, abundante na Amazônia, também pode resultar, no futuro, em um líquido que ajude no combate às cáries.

Os cientistas descobriram que a planta é rica em uma substância denominada 7-epiclusianona, que impede o crescimento de bactérias que atacam os dentes. Segundo o professor da Unifal Marcelo dos Santos, a resistência dos frutos de bacupari à ação de agentes externos, mesmo depois de caírem das árvores, foi um dos sinais que levaram os cientistas a estudarem melhor a planta. ;A fruta fica conservada um bom tempo depois de cair no chão. Isso pode indicar substâncias antibacterianas na casca;, explica. ;Há também relatos de pessoas que usam o extrato do fruto para tratar a afta;, completa.

Testes laboratoriais em ratos comprovaram que a 7-epiclusianona é capaz de evitar o desenvolvimento de bactérias bucais. Uma das vantagens da planta está na alta concentração da substância. Segundo Santos, a maioria das substâncias que pode virar remédio está em baixíssimas concentrações nas plantas ; média de 50mg para cada quilo da planta seca. ;Em muitos casos, isso inviabiliza o uso direto como fármacos. Mas, no bacupari, essa quantidade é pelo menos 500 vezes maior;, comemora.






Para saber mais


Uso deve ser moderado

Os antissépticos bucais são produtos auxiliares à escovação que previnem problemas como cáries, infecções nas gengivas e na língua e formação de placas e tártaro. No entanto, a alta concentração de substâncias corrosivas e álcool pode prejudicar a flora e a mucosa bucais, além de afetar o esmalte dos dentes e causar o surgimento de manchas.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Norberto Francisco Lubiana, seu uso não deve ser diário. ;A menos que seja um paciente que acabou de passar por uma cirurgia bucal e por isso não consegue passar a escova em algumas áreas da boca, o seu uso deve ser no máximo em dias alternados;, explica.

Outro alerta dos dentistas é quanto a não utilizar esses produtos em substituição à escovação e ao uso do fio dental nem no tratamento de mau hálito. ;Eles devem ser usados para a obtenção de uma proteção extra, jamais para substituir o uso da escova. Em casos de mau hálito, ele oferece apenas um efeito refrescante imediato, já que não limpa totalmente a boca, deixando restos de alimentos que causam o cheiro desagradável e as cáries;, completa Lubiana.