Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

A era dos crocodilos

Dupla de paleontólogos descobre no Saara cinco espécies de répteis que viveram há 100 milhões de anos

Gondwana, uma massa continental formada por América do Sul, África, Madagascar, Antártica, Índia e partes do Sul da Ásia e da Austrália. Os pântanos eram cobertos por rios caudalosos, que serpenteavam em meio a uma flora abundante. Em uma parte dessa região, onde hoje é o Deserto do Saara, crocodilos de até 6,1m de comprimento trucidavam e comiam dinossauros com seus enormes caninos, cerca de 100 milhões de anos atrás.

O focinho reforçado com uma armadura óssea aumentava o poder destrutivo do animal, apelidado de CrocJavali. Essa e outras quatro espécies ; cujos focinhos se assemelhavam aos de cães e ao bico de patos, ou cujos dentes lembravam os de ratos (veja o quadro) ; foram revelados pela ciência depois que os paleontólogos Paul Sereno, da Universidade de Chicago, e Hans Larsson, da Universidade McGill (em Montreal), desenterraram os fósseis no Níger e no Marrocos.

;Esses crocodilos trouxeram uma nova visão sobre o mundo desses répteis;, afirmou o canadense Larsson ao Correio, em entrevista por e-mail. Os dois cientistas batizaram os fósseis segundo suas peculiaridades. ;O CrocCão parecia ser onívoro (que se alimenta de carne e vegetais) e tinha uma dieta baseada mais em plantas do que em carne, além de um focinho igual ao de um cachorro. O CrocPato provavelmente comia invertebrados de corpo mole e pequenos vertebrados, e tinha garras para cavar. O CrocRato possuía incisivos frontais que também podiam ser usados para cavar. Já o CrocPanqueca era dotado de mandíbulas no formato de argolas, preenchidas com dentes pequenos e triangulares ; semelhantes a lâminas ;, bons para comer peixes;, acrescentou.

Larsson teve a atenção especialmente voltada para o CrocJavali, por sua aparência bizarra. ;Os dentes dele são únicos, mas o resto do crânio é muito diferente do de outros fósseis de crocodilos;, descreveu. Ele próprio foi o responsável direto por encontrar um espécime de CrocJavali e de CrocPanqueca. ;São fósseis belos, com grande preservação;, assegurou. O canadense também cita a grande diversidade de tamanho das espécies. ;Enquanto o CrocCão, o CrocRato e o CrocPato tinham menos de um metro de comprimento, o CrocJavali e o CrocPanqueca possuíam mais de 6m. Temos esqueletos relativamente completos apenas do CrocCão e do CrocPato. Dos outros animais, a única pista é o crânio;, disse.

Os cientistas já haviam encontrado fósseis de 100 milhões de anos no Brasil, na Argentina e no Uruguai. Mas jamais com uma diversidade tão grande como na África. Alguns dos crocodilos pré-históricos caminhavam como os mamíferos de hoje, sem que sua barriga tocasse o chão. ;O Saara é maior que o Brasil e muitos locais são repletos de rochas do tempo dos dinossauros, que estão bem expostas;, contou ao Correio o norte-americano Paul Sereno, ao admitir que fósseis surpreendentes provavelmente emergeriam daquele solo. A descoberta foi detalhada em artigos publicados pela revista científica ZooKeys e pela National Geographic.

Evolução
De acordo com Sereno, no passado, os crocodilos passaram por uma grande fase evolucionária. ;Alguns deles comiam dinossauros, alguns comiam plantas, muitos caminhavam e corriam como se fossem cães. A história longínqua desses animais ajudou-nos a entender por que eles sobreviveram por tanto tempo. Eles são criaturas anfíbias únicas, altamente adaptadas à vida na terra e na água;, lembrou o lendário paleontólogo, que acumula um vasto currículo de descobertas impressionantes.

Depois do trabalho de campo ; que exigiu o uso de martelos, cinzéis, gesso e caminhões para retirar a terra ;, a equipe liderada por Sereno e Larsson aplicou ferramentas de odontologia e colas especiais nos fósseis. ;Os espécimes foram submetidos a uma tomografia computadorizada. Então, reconstruí os espaços que antes abrigavam os cérebros dos animais. Os dados de imagens em 3D foram usados para descrever o tamanho e o formato dos órgãos. A maior parte dos trabalhos envolveu equipamentos de baixa tecnologia, mão de obra e paciência;, observou Larsson.