Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Comunidade internacional volta as atenções para os Estados Unidos, maiores emissores de carbono do mundo

Presença de Barack Obama é considerada fundamental para o sucesso da COP-15, em dezembro

Barcelona ; Todos querem Barack Obama. No último dia da reunião informal que antecede a 15; Conferência das Partes das Nações Unidas (COP-15), cresceu a pressão para que o presidente norte-americano compareça no encontro de Copenhague, entre 7 e 18 de dezembro, para negociar o texto final do encontro. De acordo com a delegação da Indonésia, 40 chefes de Estado, incluindo o primeiro ministro inglês, George Brown, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, já confirmaram presença.

Para o secretário executivo da Cúpula das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, Yvo de Boer, a presença de Obama é essencial para destravar questões que ainda complicam os avanços das negociações, principalmente em relação a cortes de emissão de carbono e financiamento dos países em desenvolvimento. ;Será muito importante se Obama trouxer um número (de corte de emissão) e se comprometa a lutar contra as mudanças climáticas. Creio que ele fará isso;, disse.

Na última coletiva de imprensa, de Boer confirmou o que todos já sabiam: será impossível fechar, na Dinamarca, um acordo legal que suceda a primeira fase do Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. ;Espero que Copenhague forneça os elementos para um futuro tratado internacional. O processo não terminará lá. Copenhague não conseguirá incluir todos os temas de discussão nem será a última conferência mundial contra as mudanças climáticas;, disse.

Mais uma vez, o secretário-executivo cobrou metas claras e ;ousadas; dos países desenvolvidos e disse que aguarda planos ;robustos; das nações em desenvolvimento. ;Precisamos de movimentação dos governos para trazer comprometimentos claros. Um acordo em Copenhague deve incluir metas individuais de limitação das emissões de carbono, apoio financeiro dos ricos para os países em desenvolvimento e transferência de tecnologia;, disse.

Em relação ao Brasil, de Boer afirmou que as intenções do país, assim como da China, Índia e África do Sul, os três integrantes mais fortes do G-77, são ambiciosos, mas ainda faltam detalhes. ;Esses países estão trabalhando muito para ver fortalecer as ações que já iniciaram para chegar a um compromisso ambicioso. O que temos é fabuloso, mas precisamos mais clareza.;

Boas intenções
O negociador da União Europeia Anders Turesson também cobrou a apresentação de um cálculo por parte de Obama. ;Nós entendemos que existe um processo doméstico;, disse, referindo-se ao fato de que a lei ambiental precisa ser votada pelo Parlamento dos Estados Unidos, que não está disposto a cortar emissões na linha do que defende as Nações Unidas. ;Para a União Europeia também não foi fácil, pois representamos vários países. No entanto, os Estados Unidos estão muito atrasados no debate;, disse.

O bloco europeu, novamente, vinculou o corte de emissões à participação norte-americana. ;Nós gostaríamos de chegar à meta de 30%. Mas, para isso, outros países desenvolvidos deveriam ter metas em médio prazo mais ambiciosas;, disse Turesson. Ele reiterou a necessidade de se firmar, em Copenhague, um acordo legal e não apenas político. Embora Yvo de Boer tenha dito que desconhece o termo ;acordo político;, todos sabem ao que Turesson se refere: um tratado de boas intenções, mas sem compromissos legais.

O chefe da delegação norte-americana, Jonathan Pershing, garantiu que, internamente, o país tem se esforçado para elaborar um plano de ações concretas e comprometidas com o combate às mudanças climáticas. Ele ressaltou os investimentos em energia limpa, mas evitou falar em números, mostrando-se bastante irritado quando perguntado sobre metas mensuráveis. ;Temos interesse, estamos estudando metas, mas ainda não tomamos uma decisão;, limitou-se a comentar.

Pershing afirmou que os países mais pobres, pelo posicionamento norte-americano, não precisariam traçar metas numéricas, mas defendeu que as nações que se desenvolvem mais rapidamente deveriam, assim como as industrializadas, serem obrigadas a apresentar números concretos. ;Brasil, China e Índia também deveriam fazer esse esforço doméstico;, disse.

O representante do G-77 mais China, grupo ao qual pertence o Brasil, criticou duramente os países desenvolvidos nas mesas de negociação. ;Eles se recusaram a apresentar metas de redução das emissões. Nenhum progresso oficial foi feito e isso é absolutamente inaceitável, porque estamos discutindo esse assunto há mais de três anos;, afirmou Lummumba Di-Apin.

;A ciência diz que precisamos cortar pelo menos 40% e eles anunciaram índices muito baixos, na faixa de 11% a 18%. Isso é absolutamente perigoso para o planeta;, alertou o diplomata. Para ele, as nações em desenvolvimento demonstraram muito mais comprometimento em Barcelona. ;Nós estamos engajados e muitos países do G-77 mais a China apresentaram seus planos;, disse. Ele ressaltou, no entanto, que, sem financiamento por parte dos industrializados, as ações planejadas pelos países em desenvolvimento poderão ir por água abaixo.

Protestos
O último dia do encontro em Barcelona foi marcado por protestos e críticas por parte de movimentos sociais. Na entrada do Centro de Convenções, homens e mulheres vestidos de marcianos pediam aos participantes para fazerem sua parte e ;salvarem o planeta;. Às 10h30, teve início uma greve de fome de ativistas que vai durar até 18 de dezembro, quando termina a conferência de Copenhague. Sete pessoas ; duas em Barcelona ; aderiram ao protesto.

Em um comunicado distribuído à imprensa, 43 organizações não governamentais, incluindo a brasileira Instituto Socioambiental, denunciaram que os países ricos estão tentando ;matar; o Protocolo de Kyoto com manobras políticas. ;Nós, organizações globais da sociedade civil de países desenvolvidos e em desenvolvimento, condenamos todos os esforços dos industrializados para acabar com Kyoto;, afirmaram, no texto. A organização internacional WWF também fez circular um manifesto, no qual lamenta os fracos avanços em Barcelona.

A repórter viajou a convite da organização da COP-15

; Lula convoca líderes

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu aos demais líderes mundiais que não deixem de participar da COP-15, marcada para dezembro em Copenhague. Segundo Lula, a presença das principais lideranças é fundamental para desbloquear as discussões e superar as várias divergências que se apresentam atualmente. As declarações foram dadas ao jornal econômico britânico Financial Times. Na reportagem publicada ontem, o presidente brasileiro voltou a dizer que pretende conversar com o colega norte-americano, Barack Obama, para convencê-lo a comparecer ao encontro.

;Podemos não chegar a um acordo por falta de liderança;, declarou Lula. ;As discussões estão a cargo dos assessores, mas é melhor que os primeiros-ministros e presidentes digam sim ou não;, acrescentou. O presidente, que finalizou uma visita de dois dias a Londres, assinalou que na próxima semana falará com Obama para incentivá-lo a viajar à capital dinamarquesa para os dois últimos dias da conferência que a ONU realizará de 7 a 18 de dezembro.

Além de Obama, Lula considera essencial a participação dos líderes da China e da Índia, os dois países que, com o Brasil e a Rússia, formam o Bric. O brasileiro, porém, ainda não garantiu sua presença, condicionada à confirmação de outros líderes mundiais. Falta ao país ainda apresentar sua proposta de combate ao aquecimento global. Segundo o governo, o Brasil terá um projeto fechado antes do encontro em Copenhague.

; Ameaça ignorada

Os cientistas estão cansados de avisar, mas ainda há quem tape os ouvidos para os alertas sobre as mudanças climáticas. Uma pesquisa recentemente publicada nos Estados Unidos mostrou que a proporção de norte-americanos convencidos de que o homem é responsável por boa parte do aquecimento global despencou 40% desde o ano passado. O resultado motivou pesquisadores da Columbia University a tentar entender por que, mesmo sabendo dos riscos ao planeta, algumas pessoas não conseguem processar essa informação. A pesquisa foi feita com base em enquetes realizadas em grupos tão diversos como fazendeiros africanos e eleitores conservadores dos Estados Unidos.

As principais autoras do estudo, Debika Shome e Sabine Marx, concluíram que, para os leigos, as questões climáticas parecem confusas, opressivas e ligadas a negociações políticas. Boa parte da culpa, apontam as pesquisadoras, está na forma como a mídia trata o tema. Para elas, é preciso aproximar o aquecimento global da realidade do público.

;Os psicólogos estão cientes das dificuldades que indivíduos e grupos têm em processar e responder efetivamente às informações que envolvem complexos desafios sociais e de longo prazo;, dizem as pesquisadoras, no estudo. ;O público precisa ser capaz de interpretar e apresentar respostas aos avisos da ciência;, afirmam. Nova-iorquinos, por exemplo, certamente se importarão muito mais com o fato de o aumento do nível do mar ameaçar inundar as estações de metrô do que saber que em Bangladesh a população corre riscos graves.

Elas explicam que, tanto aqueles que acreditam no poder devastador do aquecimento global quanto os céticos costumam interpretar variações eventuais de temperatura como uma evidência contra ou a favor da teoria das mudanças no clima. ;Ambos vão ignorar fatos que contradizem com o modelo mental que possuem sobre mudanças climáticas;, diz o estudo. Dessa forma, deixam de compreender que não é uma chuva fora de época ou um aumento de temperatura que evidenciam o aquecimento global, algo muito mais complexo e com consequências em longo prazo.

;A boa notícia é que modelos mentais não são estáticos. As pessoas podem mudar suas convicções ao receber informações corretas e sólidas;, avisam as pesquisadoras. ;Por exemplo, quando os comunicadores falam às pessoas, eles podem influenciá-las a procurar formas eficientes de energia porque, assim, elas pagarão contas mais baixas no futuro;, recomendam.