Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Instituto Brasileiro de Fluência estima que 2 milhões sofrem de gagueira permanente

A gagueira de Orismar Alves Fontenele, percebida pela mãe quando ele tinha apenas 3 anos, veio acompanhada de medo e muita confusão. Hoje, aos 39, o comerciante ainda passa por situações desagradáveis relacionadas aos tropeços nas sílabas e lembra com pesar das inúmeras vezes em que tentou se fazer entender e não conseguiu. ;Todo gago aprende a lidar com as chacotas. Elas fazem parte da história de quem tem o problema. Difícil mesmo, porém, é enfrentar a frustração de tentar se expressar e não ser bem-sucedido;, lamenta. A família de Orismar desconhecia o distúrbio e entendia que ele gaguejava porque queria. ;Minha mãe não tinha noção de que era algo involuntário, e me batia com colher de pau quando eu vacilava nas palavras. Na juventude, perdi as contas de quantas vezes evitei situações para não me expor ao ridículo. Até hoje tenho receios e me fecho em meus pensamentos;, confessa.

Orismar não está sozinho. Dados do Instituto Brasileiro de Fluência revelam que cerca de 2 milhões de brasileiros são gagos ; e pelo menos 9 milhões passam pelo problema momentaneamente. O fator genético é a causa mais conhecida. O mal normalmente atinge mais de uma pessoa na mesma família. ;Trata-se de um distúrbio de fluência. É como se o indivíduo tivesse dificuldade para temporalizar o som das palavras. Pesquisas sugerem que o cérebro do gago tem uma alteração funcional mínima que dificulta o processamento da fala;, esclarece a fonoaudióloga especialista em linguagem Ana Maria de Oliveira.

Além da predisposição genética, a gagueira também pode ser decorrente de dificuldades durante o parto, quando a falta de oxigenação pode lesionar áreas do cérebro relacionadas à fala. ;Ao contrário do que muitos pensam, a gagueira não é psicológica e voluntária, embora elementos emocionais intensifiquem a falha na fluência;, garante a especialista. Em um estudo recente, a fonoaudióloga Maria Teresa de Freitas, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Aquisição de Linguagem do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, reforça que as perturbações da fala realmente não são controláveis.

Segundo a profissional, algumas linhas de tratamento partem do princípio de que o paciente sabe quando será acometido pela gagueira, e não reconhecem os aspectos subjetivos da questão. O mal, esclarece ela, não deve ser visto somente como um distúrbio de fluência. ;Apesar de reconhecer que ele leva à disfluência, é fundamental entender sua relação com o corpo e a linguagem. A gagueira não se restringe a uma falha na emissão de alguns fonemas. Observei clinicamente que, mesmo com muito treino, e ainda que recorrendo a diversas estratégias, não se consegue evitá-la;, pondera.

A pesquisadora reconhece que há situações em que a pessoa gaga antecipa o bloqueio e consegue falar. Isso não significa, entretanto, que o transtorno está resolvido. ;Alguns gagos cantam, rezam, contam alguns fatos passados e representam sem gaguejar, mas, quando precisam assumir a autoria do que é falado, a execução do movimento falha, o corpo se mostra paralisado e fixo em uma posição ; a de ser gago;, aponta Teresa.

Fuga

Além dos prolongamentos e das repetições de sílabas, os gagos esboçam atitudes associadas ao distúrbio. Piscar de olhos, abaixar constantemente a cabeça, bater pernas e braços são movimentos não relacionados diretamente à fala que provocam a falsa impressão de que a pessoa gagueja porque está nervosa. ;Daí o mito de que a gagueira é emocional. A pessoa não é gaga porque é nervosa; ela fica nervosa porque não consegue falar. A dificuldade acaba gerando fuga ou evitação. Muitos gagos são pessoas retraídas e reclusas. Outros recorrem a rotas de fuga, como bocejar, por exemplo;, acrescenta Ana Maria.

O analista de sistemas Elvis de Souza Medeiros, 26 anos, conhece muito bem a frustração e os prejuízos causados pela gagueira. No entanto, aprendeu a superar o constrangimento e as dificuldades. ;Minha mãe é gaga, mas conseguiu driblar os entraves e sempre me apoiou. Ela sabia o que eu enfrentaria. Ouvi chacotas na escola, mas procurei não me abater com elas e acabei me destacando. Fui representante de turma, membro do grêmio estudantil e da União Nacional dos Estudantes (UNE);, conta.

Ainda assim, o jovem lembra com pesar do que deixou de realizar por conta da gagueira. Segundo ele, entrevistas de emprego são sempre um problema. Os entrevistadores julgam que o candidato gagueja por não dominar o assunto. ;É muito triste. A fala tem enorme poder em nossa sociedade. O gago perde espaço social e profissional. Quando era da UNE, eu redigia os discursos, mas quem os pronunciava eram os colegas. O mesmo aconteceu na minha formatura;, lamenta.

Especialistas são unânimes. É importante tratar e buscar terapias que ajudem no enfrentamento do transtorno. Os pais não devem exigir mudanças de atitude da criança, porque a tentativa agrava o problema. É fundamental ter paciência e adotar um padrão mais lento de fala, para que o gago faça o mesmo sem constrangimento. ;Com o adulto, é difícil interferir nos ambientes, então procuramos identificar as situações que deixam o paciente mais tenso. Vítimas da gagueira passam a vida tentando não gaguejar e, na verdade, tudo o que fazem para não tropeçar nas sílabas desencadeia o mal. Quando o paciente tem consciência de recursos que lhe trazem mais fluência, conquista a espontaneidade. E é isso que propomos para amenizar o transtorno;, assegura Ana Maria.

 

Fonaudióloga Ana Maria de Oliveira fala sobre gagueira