postado em 19/10/2009 08:00
A aposentada Eliete Silva Rodrigues, 53 anos, não sabe mais o que é viver sem sentir dor. Vítima de uma cirurgia malsucedida na coluna, ela passou a sofrer de dor crônica. O tormento e a sensação de ardência a acompanham 24 horas por dia. ;É como se algo me dilacerasse por dentro. Em momentos de crise, um toque, por mais leve que seja, provoca uma dor insuportável. Fui vítima de um erro médico que me obrigou a passar por mais de 15 operações. O incidente acabou afetando minhas pernas e braços. Fiquei quatro meses imóvel em cima de uma cama, passei seis dias em coma e aprendi a conviver com os desprazeres relacionados a dor. Insônia, depressão, incapacidade para o trabalho, dependência do meu marido e filhos, ansiedade e medo são alguns deles;, conta. Eliete não está sozinha. Embora não existam estudos que revelem a prevalência do transtorno entre os brasileiros, a Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que 30% da população mundial sofre de dor crônica. ;A dor, seja ela aguda ou permanente, é a principal causa dos atendimentos nos serviços de emergência no Brasil. Teoricamente, a crônica afeta mais as mulheres, maiores vítimas da fibromialgia, enxaqueca, artrite reumatoide e outras doenças que aumentam a percepção da dor, mas os homens também são atingidos, ainda que procurem menos o socorro médico;, diz a fisiatra Ana Paola Gadelha. ()
A dor crônica é definida como uma experiência sensitiva desagradável que pode estar relacionada a danos nos tecidos do corpo, estejam eles cicatrizados ou não, que persiste por mais de três meses. ;Ela não tem mais a função protetora de alarme, característica importante da dor aguda, e deixa de ser um sintoma para tornar-se o próprio mal. A desprazerosa sensação acompanha o indivíduo sem trégua e pode estar associada a outros problemas;, esclarece. ;A dor neuropática, por exemplo, causada por uma lesão ou disfunção do sistema nervoso central, pode ser desencadeada por enfermidades como diabetes, acidente vascular cerebral, males metabólicos, autoimunes e até virais;, observa.
Sem alívio
Pacientes afetados pela dor crônica tem a qualidade de vida muito comprometida. ;Tudo incomoda, e a pessoa não consegue encontrar alívio para o desconforto. O vento ou a própria roupa, quando em contato com o corpo, passam a ser uma agressão. Muitos sentem queimação, pontadas e formigamentos generalizados. Alterações de sono, do apetite, indisposição para realizar tarefas diárias, falta de energia e depressão são consequências da doença;, relata Ana Paola. O eletrotécnico aposentado Milton Confessor, 53 anos, confirma: a vida mudou totalmente depois que a dor passou a ser uma companheira diária. ;Fui atingido por quatro tiros durante um assalto. As balas comprometeram diversos órgãos. Sobrevivi, mas a dor crônica me acompanha desde então. Em alguns dias, não consigo levantar da cama. Ninguém consegue suportar tanta dor. Por isso, os portadores desse problema passam a sofrer de outros males, como a tristeza e o desânimo;, admite.
Enquanto não é possível curar o transtorno, médicos especialistas em dor, fisioterapeutas, psicólogos e psiquiatras se empenham em aliviar os sintomas da doença. Eles são unânimes: para tratar a dor crônica é fundamental avaliar o paciente cuidadosamente. ;Uma investigação criteriosa é o primeiro passo para encontrarmos a causa da dor que persiste. " />Parte dos pacientes se valem do tratamento multidisciplinar, com medicação específica, que inclui opioides, antidepressivos e anticonvulsivantes, para agir no controle da disfunção;, diz o neurocirurgião Luiz Cláudio Modesto. ;Cerca de 10% deles, no entanto, não respondem a tratamentos ambulatoriais e precisam de intervenções cirúrgicas;, garante.
Marca-passo
Uma das alternativas cirúrgicas consiste no implante de um marca-passo da dor. ;Colocamos eletrodos em um nervo na proximidade da medula espinhal ou no próprio cérebro. Eles são ligados ao marca-passo, que promove pequenas descargas elétricas, ajudando o tecido nervoso a combater a dor, que é substituída por uma sensação de vibração;, explica Luiz Cláudio. Com esse aparato, a aposentada Eliete tem conseguido suportar as dores que a atormentam. ;Tenho dois marca-passos implantados na região da coluna. Eles trouxeram alívio. O único problema é que não posso passar por portas eletrônicas que o aparelho desliga. E então, tenho que correr para o consultório, pois nem os controles remotos que ficam comigo conseguem reverter o contratempo;, aponta.
O neurocirurgião observa que alguns pacientes optam e se adaptam bem ao implante de um cateter ligado a uma bomba de morfina, para injetar o medicamento no local lesionado. ;Em casos mais específicos, a intervenção consiste na interrupção de feixes de fibras nervosas por meio de pequenas lesões. Essa alternativa interrompe um circuito que está com defeito e causa a dor severa. Cada caso é específico e não existe tratamento único para todos os pacientes. É preciso identificar o que se adequa melhor a cada perfil e às particularidades da doença em cada um;, lembra o especialista.
As terapias complementares como fisioterapia, hidroterapia e acupuntura também são importantes para a reabilitação. ;Como a dor traz uma sensação de queimação, costumo comparar essas terapias a copos d;água que refrescam o incômodo. Confesso que já tive vontade da acabar com a minha própria vida. Mas decidi levantar a cabeça, seguir em frente. Virei uma pesquisadora do problema. Hoje, até participo de congressos médicos. Foi a forma que encontrei para me ajudar e ajudar ao próximo;, diz Eliete, fundadora da Associação de Portadores da Dor Crônica do DF.
Ouça entrevista com a fisiatra Ana Paola Gadelha