Aos 16 anos, Fábio Luiz Araújo Silva descobriu que tinha diabetes juvenil e hipertensão. Todos os cuidados médicos foram direcionados ao controle das duas doenças. Depois de emagrecer impressionantes 50kg e começar a fazer exercícios, a saúde do jovem parecia sob controle. Porém, aos 22, faltando seis meses para terminar o curso de radiologia, Fábio perdeu a visão como consequência da diabetes. Foi o oftalmologista ; e não o endocrinologista que o acompanhava ; que fez o alerta: além de cego, ele poderia perder a função renal por causa da doença.
;Meu médico nunca tinha falado sobre isso;, comenta o morador de São Paulo, hoje com 25 anos. Quando procurou um especialista, já era tarde. Os rins já estavam completamente comprometidos. Três vezes por semana, Fábio precisa ficar quatro horas no hospital, fazendo hemodiálise. Teve de largar os estudos e, devido à complexidade do tratamento, não pode viajar por mais de dois dias. O caso do ex-estudante não é isolado. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, a pedido da Fundação Pró-Renal Brasil, mostrou que os brasileiros desconhecem as doenças que comprometem os rins. Somente três em cada 10 entrevistados souberam dizer que males poderiam lesionar o órgão, apesar de 500 milhões de pessoas em todo o mundo sofrerem do mal.
;Ninguém sabe sequer o que é nefrologista;, comenta o médico Hugo Abensur, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). De fato, a pesquisa indicou que somente 5% da população procuraria esse especialista caso precisasse cuidar dos rins. ;E o problema é que a doença renal crônica está virando uma epidemia, porque as suas duas principais causas, diabetes e pressão alta, são as doenças da vida moderna;, observa o nefrologista, que trabalha no setor de diálise do hospital. No Brasil, 90 mil pessoas fazem esse tratamento, que consome 10% do orçamento da saúde no país. E esse percentual tem aumentado 8% ao ano, de acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia.
Segundo Abensur, juntas, diabetes e hipertensão chegam a responder por 70% dos casos de doença renal crônica registrados no mundo. Obesidade, estresse, má alimentação e sedentarismo, comportamentos cada vez mais comuns na vida moderna, costumam ser o gatilho para esses males. Ainda assim, observa o nefrologista, poucas pessoas são informadas dos riscos que correm. ;Nem os médicos avisam que 30% dos diabéticos podem perder a função renal;, lamenta.
Descoberta tardia
O nefrologista Miguel Riella, presidente da Pró-Renal Brasil conta que a pesquisa revelou um dado preocupante: a população não sabe que a doença renal não tem sintoma. ;Isso é um grande erro;, diz. O rim, observa Hugo Abensur, só dói em duas ocasiões: infecção urinária grave e pedra. Nesse último caso, a dor não é propriamente no órgão, mas na bexiga, quando a pedrinha cai. Como a doença é assintomática, quando descobre o comprometimento do órgão, geralmente o paciente já perdeu cerca de 75% da função renal. Nesse caso, apenas a hemodiálise ou um transplante podem salvá-lo.
Foi o que aconteceu com Cassimiro Oliveira Lima, 48 anos. Portador de hipertensão há 15 anos, ele conta que jamais foi alertado sobre a relação da doença com problemas renais. ;Os médicos só dizem para ter cuidado com AVC (acidente vascular cerebral) e parada cardíaca;, reclama. ;Só vim a saber disso quando fui internado no Hran (Hospital Regional da Asa Norte), em agosto do ano passado. Já era irreversível. Oitenta e cinco por cento dos meus rins não funcionavam mais;, diz. ;Você fica preso, não pode mais fazer nada. Eu trabalhava como autônomo e hoje estou parado, tentando o auxílio da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social);, diz.
Presidente da Associação dos Renais Crônicos de Brasília, Carlos Alberto Rosa lamenta o desconhecimento da população, principalmente de pessoas mais carentes, que chegam do Entorno do DF para se tratar já em estado gravíssimo. ;Essas pessoas sequer sabem o que é hemodiálise. E tem ainda o problema que, em Brasília, são cerca de 1,1 mil doentes renais, sendo que 900 fazem o tratamento. Os outros esperam por uma máquina. É triste ver os pacientes chegando, querendo saber quando vão sarar e poder ir para casa. E você sabe que eles já estão em estado terminal;, comenta.
Para Miguel Riella, todo esse sofrimento poderia ser evitado se os médicos costumassem prescrever ; e interpretar corretamente ; dois exames extremamente simples, oferecidos pela rede pública e cobertos por todos os planos de saúde: o hemograma e a coleta da urina. No exame de sangue, é possível observar se a creatinina, substância derivada do metabolismo muscular, está elevada. Quando o rim filtra mal o sangue, os níveis da molécula aumentam. Já na urina, o médico detecta se a proteína albumina está acima de 10mg. ;Mas é preciso saber interpretar os exames. Mulheres com menos músculos ou idosos terão menos concentração de albumina, por isso é preciso levar em consideração o gênero e a idade para estimar a taxa normal de filtração;, diz.
Poucos profissionais
Como no Brasil há poucos nefrologistas ; são 3.152 profissionais para uma população de 190 milhões ;, Riella defende que os clínicos gerais e médicos de outras especialidades fiquem mais atentos ao problema. ;Hoje, o paciente já pede para fazer exame de colesterol. Tem de pedir também os exames de avaliação da função renal;, concorda Hugo Abensur.
Os médicos alertam que pessoas do grupo de risco ; além de diabéticos e hipertensos, incluem-se obesos, pacientes com histórico familiar de doenças cardiovasculares ou renais e maiores de 65 anos ; devem exigir de seus médicos a análise dos exames de sangue e urina. Eles também recomendam maior cuidado com a saúde do órgão. Embora 70% dos entrevistados tenham afirmado que tomam atitudes diárias para preservar os rins, eles desconhecem a principal delas. O item mais citado foi a ingestão de água (63%). Porém, na realidade, o mais importante é reduzir a ingestão de sal para, no máximo, 3g por dia, o equivalente a uma colher de chá. Não extrapolar no peso e fazer exercícios também é fundamental, de acordo com os nefrologistas.
Indicadores preocupantes
O Instituto Datafolha ouviu 2.556 pessoas, com 16 anos ou mais, de 180 municípios brasileiros, entre 26 e 28 de maio deste ano. A média de idade da amostragem foi de 38 anos, e a distribuição por sexo foi equivalente entre homens e mulheres. Leia alguns resultados:
54% não sabem qual profissional procurar para tratar de problemas renais ; 11% citaram urologistas, 25% procurariam clínicos gerais e apenas 5% sabem que a especialidade é a nefrologia
70% dizem que tomam alguma atitude cotidiana para preservar a saúde dos rins, sendo que 63% apontaram a ingestão de água como medida principal
42% afirmaram que problemas renais não podem se agravar e causar anemia
62% conhecem algum sintoma de problema renal, sendo que os mais citados foram dificuldade de urinar (24%) e dores abdominais (24%)
30% das pessoas sabem quais doenças geram lesões nos rins
Fonte: Instituto Datafolha