Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Vida agitada e estresse podem causar doença da pressa

Você acorda um pouco mais tarde, toma café da manhã correndo, um banho apressado, e percebe que mesmo assim está atrasado para o trabalho. Na empresa, muita pressão para entregar um relatório que era para estar pronto há alguns minutos. Na hora do almoço, mal dá tempo de se alimentar. Isso sem falar do resto do dia... Com tanta coisa, é possível desenvolver um novo problema: a chamada Doença da Pressa.

Essa é mais uma das tão faladas "doenças da vida moderna". Segundo uma pesquisa feita pela Stress Management Association Brasil (ISMA-BR) em 2006, 30% da população economicamente ativa do país sofre com esse mal (veja outros dados sobre a pesquisa no fim da reportagem). Os sintomas são claros. Irritabilidade, impaciência, competitividade, tensão muscular, fala rápida e hostilidade. Juntos, esses fatores também geram o famoso estresse. De acordo com a presidente da ISMA-BR, a psicóloga especialista em estresse Ana Maria Rossi, a Doença da Pressa está associada à necessidade de estar sempre correndo, mesmo quando não há necessidade para isso. "As pessoas ficam condicionadas à correria e nem notam mais. Até em fins de semana e feriados elas correm sem necessidade", reforça.

As pessoas que possuem essa doença tem dificuldade em dizer não, segundo Ana Maria Rossi. "Uma das características básicas é que elas são multi-tarefeiras, fazem muitas coisas ao mesmo tempo. Competem a todo o momento com o tempo, se tornando verdadeiras escravas do relógio", conta.

De acordo com o professor de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Sadi Del Rosso, as consequências da enfermidade estão ligadas ao sistema nervoso. "As pessoas não aguentam o ritmo de tantas atividades e surgem tais problemas, devido às pressões do chefe, do ambiente de trabalho, e podem causar outras complicações de ordem emocional ou mesmo gastrite", esclarece o professor.

Origens
Os motivos para tanta correria são os mais variados, todos inerentes ao ritmo de vida da sociedade moderna, dizem os especialistas. A sensação de que as pessoas estão sempre atrasadas é comum. A aposentada Maria Letícia da Silva conta que vive olhando para o relógio, mesmo sem uma aparente necessidade. "A gente faz tudo correndo hoje em dia, não tem como levar a vida devagar", explica.

O médico psiquiatra e também professor da UnB Raphael Boechat explica que a pressa é característica essencial dos grandes centros urbanos, diferente do que ocorre no meio rural. "Nas cidades os seres humanos impõem padrões próprios de comportamento e fazem com que as pessoas vivam em função do horário", diz.

E o principal culpado pela correria diária, segundo o professor Sadi Del Rosso, é o trabalho. Ele escreveu alguns livros sobre o tema e diz que além do tempo dedicado à profissão, a cobrança no ambiente corporativo hoje em dia é muito grande. "Se você somar as horas que permanece no trabalho com o tempo de deslocamento para ir e voltar dele, isso toma de 40% a 50% do tempo de nossas vidas", ressalta.

Mas aí você pode se perguntar: atualmente as pessoas ficam menos tempo no ambiente de trabalho do que há alguns anos. No século XIX, por exemplo, era comum trabalhar de dez a doze horas por dia. Então hoje ocupamos uma parcela menor da vida com essa dedicação profissional. Sadi Del Rosso explica que a situação é bem diferente. "As cobranças hoje são muito maiores. Você vê qualquer pessoa fazendo três, quatro ou cinco coisas ao mesmo tempo. Essas multi-funções estão aparecendo em todos os locais de trabalho. É uma característica da modernidade. Hoje você produz muito mais em um determinado período de tempo, diferentemente do que acontecia antes", conta o professor especialista em trabalho.

O costume de estar sempre apressado leva muita gente a se orgulhar desse dia a dia. Agenda lotada virou sinônimo de importância para alguns. Mas os problemas de saúde que podem aparecer levam a uma só resposta: é preciso buscar uma vida mais tranquila, na medida do possível. "É importante que a pessoa perceba se está com a doença da pressa para se conscientizar e mudar o próprio comportamento", diz Ana Maria Rossi. Técnicas de relaxamento e a prática de exercícios físicos são recomendados. É fundamental compreender o próprio limite e buscar qualidade de vida.

Desde cedo
Já na infância o estresse está presente. As crianças e adolescentes do mundo moderno são obrigados a desenvolver diversas atividades simultaneamente. Além da escola, há os cursos de inglês, espanhol, a escolinha de esportes, música, o cursinho para o vestibular, a faculdade, e por aí vai. A estudante de Administração Sara Gomes também luta contra o tempo. "Vivo com pressa. Tenho que trabalhar, ir pra faculdade, estudar para provas, então cada cinco minutos são preciosos", diz. De acordo com o psiquiatra Raphael Boechat, isso tudo coloca as pessoas em um ritmo acelerado. "Elas não conseguem desligar, mesmo quando em momentos de lazer", observa o profissional.

Ele explica ainda que a pressa do dia a dia também influencia nos planos futuros da população. Com isso, as pessoas estão pulando etapas. "A gente vê jovens querendo ter o sucesso econômico e profissional que os adultos possuem. Essa cobrança por um lado é positiva, porque os incentiva a estudar e a trabalhar, mas por outro lado, gera uma ansiedade, uma cobrança muito forte. E se essa cobrança não for correspondida, pode gerar quadros depressivos e até suicídio, como acontece muito no Japão, onde o número de mortes de jovens por suicídio é muito alto", explica Boechat.

Pesquisa sobre a Doença da Pressa
A pesquisa foi feita pela Stress Management Association Brasil (ISMA-BR) em 2006 com mil homens e mulheres economicamente ativos de 25 a 65 anos. 30% dos entrevistados disseram apresentar os sintomas da Doença da Pressa. Desses:

- 13% reconheceram o impacto da doença para a qualidade de vida mas ainda não haviam feito nada, estavam buscando alternativas;
- 8% diminuíram o ritmo após a percepção do problema;
- 56% usam medicamentos prescritos para ansiedade ou depressão ou se auto-medicam;
- 48% usam bebibas alcoólicas para tentar relaxar;
- 8% tendem a sofrer mais acidentes de trânsito;

Nas ruas
A equipe de TV do Correio Braziliense foi às ruas de Brasília para entrevistar pessoas sobre o assunto. A maioria delas se recusou a falar com a reportagem. O motivo? A pressa. Confira na videorreportagem abaixo.