A pesquisa, coordenada pela farmacêutica Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, começou há seis anos. Ao buscar novos agentes terapêuticos para inibir a coagulação sanguínea, a equipe da cientista desconfiou que a saliva do carrapato seria um bom ponto de partida para os estudos e experimentos. ;Imaginamos que por ser hematófago, animal que se alimenta de sangue, ele pudesse contar com algum componente eficiente para manter o líquido fluido e poder se alimentar;, explica a pesquisadora.
O grupo, então, partiu para a coleta e análise da glândula salivar do carrapato e da sequência de genes responsáveis pela ação anticoagulante. ;Comparamos essa sequência aos anticoagulantes conhecidos como TFPI, presentes na saliva humana, e concluímos que a proteína presente na glândula do parasita poderia ser sintetizada em laboratório. Uma parte do DNA estudado foi introduzida em bactérias que passaram a secretar a mesma proteína, que, além de ação inibitória para a coagulação, foi capaz de matar células tumorais;, conta Ana Mariza.
Morte programada
A equipe da farmacêutica patenteou a descoberta da capacidade antitumoral e se dedicou a entender o mecanismo pelo qual as moléculas destroem as células cancerígenas. ;Descobrimos que a proteína interfere no ciclo de vida da célula dos tumores induzindo-as a se programarem para morrer. A Amblyomim age diretamente na proteassoma, que é a estrutura responsável pela transcrição gênica e replicação celular. Ficamos muito animados, porque ela é fatal para os tumores e inofensiva para as células saudáveis;, revela a cientista. ;Nos experimentos em camundongos, observamos que, após 42 dias de tratamento, os tumores dos animais desapareceram. As cobaias ficaram em observação por vários meses e permaneceram curadas, o que comprova que as células normais foram preservadas;, acrescenta.
A Amblyomin foi testada em linhagens de tumores de melanoma (câncer de pele), de pâncreas e renais. A descoberta que a proteína não atinge células saudáveis prova o seu potencial para a fabricação de medicamentos. No entanto, a pesquisadora é enfática ao afirmar que um longo caminho deve ser percorrido até que seja comprovada a eficácia da substância para tratar doenças em homens e mulheres. ;Nosso achado precisa passar por uma série de protocolos pré-clínicos que provem a segurança do uso em humanos. É uma etapa crucial, que depende de infraestrutura e investimentos. O Brasil ainda é muito carente deles, embora tenha pesquisadores preparados para a realização de tais ensaios;, lamenta Ana Marisa.
Pesquisa continua
Apesar das dificuldades, o trabalho do grupo continua. Atualmente, os cientistas buscam entender como funciona a ação pró-coagulante de alguns tumores, como o de pâncreas, e a inibição dos mecanismos de divisão celular. ;Também buscamos a implantação de infraestrutura adequada para produzir até 10 litros de proteínas recombinantes. Isso será essencial para fazermos testes de citotoxidade e modelos de coagulação e câncer que possam ser validados por órgãos regulatórios;, enfatiza a farmacêutica.
O estudo dos pesquisadores do Butantan ainda não foi publicado no meio científico, mas recebeu duas menções de destaque no 22; Congresso Internacional da Sociedade de Trombose e Hemostasia, realizado em julho, nos Estados Unidos. O encontro reuniu, em Boston, 7 mil profissionais e expôs 5 mil trabalhos. ;Foi uma honra receber esse reconhecimento, que colocou nossa pesquisa entre as melhores inscritas no encontro. Estamos batalhando para que as relações público-privadas possam acontecer sem o fantasma das inseguranças jurídicas. Ficaremos felizes se a molécula evoluir para um medicamento eficaz desenvolvido no Brasil. Mas, de qualquer forma, se não for possível aqui, que outros países o façam;, aponta.