A expressão "coração partido", velho clichê usado na literatura e na música para identificar o estado das pessoas que passam ou passaram por desilusões amorosas, virou, na década de 1990, termo da medicina. A chamada síndrome do coração partido é um conjunto de sinais e sintomas que acomete indivíduos que sofreram grande estresse físico ou emocional, seja ele decorrente de notícias indesejáveis, como doenças ou mortes de parentes e amigos, ou ainda situações de perigo iminente, como acidentes de carro, assaltos e sustos diversos. O mal tem manifestações que simulam um infarto no miocárdio. Uma das diferenças é que, quando recebem pronto atendimento e tratamento devido, 80% das vítimas se recuperam sem sequelas.
[SAIBAMAIS]Também conhecido como síndrome de Takotsubo, o problema é mais comum em mulheres na pós-menopausa (60 a 75 anos). O cardiologista e coordenador de ensino e pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras (Rio de Janeiro), Sérgio Bozza, explica que normalmente o ventrículo esquerdo é o mais atingido, ficando enrijecido e inativo. Os sintomas são dor no peito e falta de ar. "Parece um ataque cardíaco, só que as coronárias não sofrem qualquer obstrução e a situação é transitória, dura dois ou três dias. Os cuidados médicos são fundamentais para que o paciente sobreviva, pois na fase aguda a síndrome pode ser fatal se não for monitorada por aparelhos das unidades de terapia intensiva", alerta Bozza.
O médico relata que os primeiros casos da síndrome foram identificados no Japão, no início dos anos 90. A causa do mal ainda não foi completamente esclarecida, mas algumas teorias apontam que ela é decorrente da liberação dos hormônios adrenalina e noradrenalina. Hoje, existem registros da síndrome do coração partido em diversos países do ocidente, inclusive no Brasil. "Tenho atendido pacientes que acabam de perder um filho ou filha, passam por processo de separação, foram vítimas de acidentes ou se viram frente a frente com a morte por qualquer motivo. O estresse emocional não é o único fator desencadeador, há casos também de pessoas que sofreram o mal depois de serem submetidas a cirurgias ou que tiveram traumatismo craniano", acrescenta o cardiologista.
Desespero
Uma de suas pacientes, a aposentada Alice Flores*, 66 anos, recebeu alta há um mês. Ela conta que estava em casa sozinha quando se engasgou com um bagaço de laranja. "Passei por momentos de pânico, pois imaginei que morreria sem qualquer chance de socorro. Meu marido estava viajando e eu não conseguia falar para pedir ajuda. Liguei para uma irmã e consegui balbuciar a palavra 'engasgada', mas ela mora em outro bairro e jamais chegaria a tempo. Imaginando que desmaiaria a qualquer momento, me sentei no sofá. Foi quando o bagaço desceu e eu consegui respirar", relata Alice. Minutos depois, as dores no peito foram sentidas. "Liguei para a emergência e fui atendida em poucos minutos. Os médicos do pronto socorro diagnosticaram infarto e indicaram o cateterismo. O doutor Bozza foi chamado e, depois de fazer alguns exames, diagnosticou a síndrome do coração partido. Fiquei cinco dias no hospital para que o coração voltasse ao normal. Sou tranquila, mas passei por maus bocados", conta.
O cardiologista do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal Álvaro Valentim Sarabanda observa que os pacientes acometidos pela síndrome de Takotsubo chegam em estado grave e que o tratamento de suporte, com equipamentos e medicamentos adequados, é importante para monitorar o quadro das vítimas. "Muitos médicos não conseguem identificar o problema. No cateterismo, contudo, fica claro que parte do coração está comprometida. Se não socorrida, a pessoa pode morrer. Tratamos a pressão arterial e medicamos de acordo com o quadro de cada paciente. Alguns ficam internados por uma semana para se recuperar", diz o especialista.
Ainda segundo Sarabanda, de 1% a 2% dos casos de dores no peito e falta de ar são decorrentes da síndrome do coração partido. "Embora tenha sido descrito há pouco tempo pelos japoneses, o problema sempre acometeu as pessoas. Mas, é fato, hoje estamos mais expostos a situações de estresse. Em algumas ocasiões, não há como se preparar. Cada um reage de uma forma. Recentemente, atendi uma paciente de 83 anos que sofreu a síndrome após ser assaltada na rua. Apesar da idade avançada, ela está bem e não apresenta sequelas", comenta. "Também tratamos do caso da mãe de um jovem que sofreu um grave acidente automobilístico. Ela cuidou dele e, quando o filho estava bom, acabou tendo a síndrome. Algumas circunstâncias nunca são esperadas e provocam reações no nosso organismo", explica o médico.