Em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail, Weeks explicou que seu laboratório vinha desenvolvendo reações químicas especiais que fornecem informações sobre a estrutura do ácido ribonucleico (RNA) ; responsável pela síntese de proteínas nas células. ;Essas reações possibilitaram que avaliássemos, em um único experimento, a composição de RNAs extensos, como o genoma do RNA do HIV;, afirmou. Segundo o cientista, as moléculas de RNA são construídas a partir de blocos individuais chamados de nucleotídeos. ;Descobrimos que o genoma do HIV-1 é amplo e contém duas tranças de RNA com 10 mil nucleotídeos em cada;, acrescentou.
A tecnologia elaborada por Weeks e seus colegas permitiu analisar a arquitetura do genoma do HIV isolado de culturas contendo trilhões de partículas virais em crescimento, os chamados vírions. De acordo com o autor da pesquisa, antes dessa técnica era extremamente difícil obter uma imagem da estrutura de RNAs extensos. Isso porque as imagens obtidas eram de baixa qualidade e desprovidas de características importantes. ;Agora, temos uma figura completa da estrutura do RNA. Anteriormente, apenas poucas regiões do genoma do RNA haviam sido decifradas;, comentou Weeks. ;O mais importante resultado de nosso estudo é que o genoma do HIV está repleto de estruturas de RNA não conhecidas antes. Muitas delas parecem desempenhar um papel importante na replicação do vírus;, destacou o cientista.
Combate
Conhecer mais sobre o inimigo é um meio de se escolher as armas para combatê-lo. Enquanto todos os seres vivos ; incluindo os humanos, os cães, as flores e os mosquitos ; têm genomas baseados em DNA e muito similares entre si, os vírus podem ser feitos também de RNA. Nesse caso, são quase sempre causadores de graves doenças, como Aids, gripe suína, hepatite C e poliomielite. O que torna os genomas de RNA diferentes entre si é o fato de a molécula se assemelhar a uma fita única, que pode se dobrar e originar objetos tridimensionais. ;A estrutura inteira do genoma do HIV é como um bracelete, no qual vários objetos tridimensionais (semelhantes a talismãs) se conectam a ele, que mantém tudo unido;, explicou Weeks.
Segundo ele, a grande surpresa da pesquisa foi que o genoma contém um grande número desses objetos em 3D. ;Eles parecem ter um papel muito importante na replicação do ciclo do HIV-1;, revelou o especialista. Weeks acredita que muitas das estruturas recém-descobertas do genoma do HIV afetam o modo como o vírus produz as proteínas. ;Essas substâncias são essenciais para a habilidade do HIV de replicar seu genoma, fabricar novos vírions e se agrupar, a fim de entrar nas células humanas;, disse.
Os cientistas agora já sabem que é importante que partes diferentes de proteínas do HIV sejam sintetizadas a taxas distintas. ;Muitas das estruturas do RNA, no genoma do HIV, parecem ter a função de ;redutores de velocidade;, no sentido de desacelerarem o processo de síntese proteica em períodos bastante específicos;, esclareceu o pesquisador norte-americano.
Impacto
Até o momento, os especialistas só estudaram o genoma completo de um único vírus, o HIV. Caso a norma se aplique a outros vírus feitos com RNAs, a ciência poderá entender um novo nível de código genético, jamais compreendido até então. A descoberta de Weeks provavelmente vai causar impacto no tratamento da Aids. De acordo com Weeks, a maior parte das drogas atua por meio da interrupção ou da modulação da função de proteínas essenciais.
Ele exemplifica com a importância dos inibidores de protease do HIV, que se unem a estruturas específicas da protease e barram a ação dessa substância fabricada pelo vírus da Aids. ;No geral, as drogas não têm sido direcionadas contra importantes estruturas do RNA. Uma das razões para isso está no fato de que essas estruturas quase sempre não são compreendidas como estruturas proteicas;, disse. Com a nova pesquisa, Weeks espera que seus métodos e resultados ajudem a ciência a criar novas estratégias para impedir a ação do HIV, ao atingirem diretamente os genomas do RNA.