Por que as doenças lhe interessam?
Não sei... São vários os motivos. Por uma perspectiva pessoal, meu avô ficou paralítico por causa de poliomelite quando era garoto. Mas academicamente, tenho mais interesse em animais que espalham as doenças, do que aqueles que causam dor com suas picadas. Quando você viaja para lugares remotos, encontra doenças infecciosas de impacto profundo nas pessoas.
Você estudou o vírus influenza H1N1, ou gripe suína? O que acha dessa doença?
Essa epidemia pode ser pontecialmente perigosa. Ela não mata os infectados em grandes proporções, mas a maior dificuldade é o fato de que esse vírus se espalha muito depressa. Se ele não for contido, pode significar um grande problema. Outro aspecto, é que ainda não temos nenhuma garantia de que o H1N1 não irá sofrer uma mutação e se tornar realmente perigoso. A preocupação maior é mesmo com o verdadeiro alcance de uma doença como essa. Imagine se fosse um vírus letal, como o H5 ou o N1(1), que pudesse matar mais de 60% das pessoas infectadas, e se espalhar como o influenza HN1, nós estaríamos com um grande problema.
Durante as filmagens, quais foram as doenças encontradas que achou particularmente perigosas?
São duas que me vêm a mente. A primeira é a doença de Chagas, que pode matar 20 mil pessoas por ano. A outra é a leishmaniose, que tem duas formas diferentes e mata, aproximadamente, 60 mil pessoas por ano. Nada tem sido feito para curar esses males.
Por que pessoas ainda morrem por causa da doença de Chagas e leishmaniose?
Eu realmente não sei. A doença de Chagas já é conhecida há muito tempo. O problema é que as companhias farmacêuticas precisam encontrar no mercado uma forma de ganhar dinheiro, com as drogas que curam esses males. Se esses medicamentos não dão lucro, as companhias vão produzir remédios que deem, como pílulas para dormir, ao em vez de medicamentos que possam salvar vidas. É mesmo uma vergonha, mas não se pode culpar os governos por isso. Eu culpo, simplesmente, a economia do mercado.
O que você acha da quebra da patente(2), no caso brasileiro, das drogas contra a Aids?
Em todo o mundo, o Brasil foi visto como um país de muita coragem. O problema é que grandes laboratórios detinham esse registro e as leis de patente do Reino Unido nem sempre são justas. Entretanto, a quebra dessa patente pelo Brasil não irá funcionar a longo prazo, porque os laboratórios internacionais reduziram os preços temporariamente, para que a companhia brasileira não pudesse competir. Se a produção nacional do medicamento contra a Aids parasse, os preços internacionais voltariam a subir. Posso estar errado sobre isso, mas muitas dessas companhias são voltadas para os lucros e não para fazer as pessoas ficarem mais saudáveis.
Existe alguma doença que já lhe apavorou?
Pela perspectiva brasileira, eu achei a raiva 100% fatal. Quando estávamos filmando a cena do morcego, não quis me arriscar em ser mordido e pegar a doença, ou coisa parecida.
O que você achou do Brasil?
Estive aqui para filmar o piloto do programa e adorei. Gostei do povo, do clima e da comida. É um país magnífico. Quero voltar com a família para relaxar.
Você já foi hospitalizado durante as filmagens?
Aqui no Brasil, tive problema com as formigas de fogo. Elas têm uma picada bastante dolorida. Achei que nada mais ia acontecer, mas então sofri um ataque anafilático e fui parar no hospital. Depois ficou tudo bem, mas poderia ter sido pior. Fui hospitalizado outra vez quando nadei em um lago, em Bornéu (ilha localizada na Ásia e que faz parte de três países: Indonésia, Malásia e Brunei) e contraí dois parasitas, que ficaram hospedados no meu intestino. Quando fomos para a Austrália, estava tão quente ; por volta de 40;C ; que fiquei desidratado a ponto de não conseguir manter água no meu corpo. Nós vamos ao limite para tornar o programa interessante, mas não queremos matar o Dr. Mike.
Quais foram as criaturas intrigantes que você encontrou?
Os animais mais curiosos que encontramos foram os menores, alguns eu nem pude me expor, porque poderiam me matar. Um exemplo é o ancilostomídeo, um animal fabuloso que pode alcançar de 11 a 15mm, dentro do corpo humano. Ele pode afetar milhares de pessoas, acho que algo em torno de 1,3 bilhão de pessoas. Também pode matar 15 mil pessoas por ano. Entretanto, o mais impressionante nesse animal, é que você pode andar por um solo contaminado e nem perceber que um desses vermes minúsculos conseguiu passar através da pele do pé, ou, talvez, pelas bochechas ou mãos. Ele viaja pelo sistema sanguíneo até o coração, depois vai para os pulmões e se acasala no intestino, onde coloca milhares de ovos por ano. Esses vermes podem viver até 18 anos. Para mim, nada pode ser mais intrigante que isso. Mais que qualquer cobra ou crocodilo, essa criatura é maravilhosa.
Como é que você filma um verme desses?
O ancilostomídeo pode ser visto rastejando na pele, por onde entra e deixa uma cicatriz. Uma vez que o verme está dentro do corpo, é muito difícil de filmar. Nós filmamos um verme no meu intestino, usando uma câmera do tamanho de uma pílula que engoli. Essa é uma das razões pela qual sou tão entusiasta por essas criaturas. Porque quanto mais fascinantes e intrigantes, mais difíceis são de filmar. Se elas são difíceis, significa que não são filmadas frequentemente.
Você afirma que, hoje, tem o trabalho perfeito. Por quê?
É fantástico. Muitas pessoas dizem que sou maluco, que esste deve ser um trabalho horrível. Imagine você na minha posição? Meu interesse acadêmico é sobre doenças infeciosas, pelo modo como se espalham. O que eu gostaria mesmo de fazer, seria impedir que essas doenças acontecessem, mas não estou em posição de fazer isso e nem tenho o poder. Mostrar esse tema para o público pode ajudar de alguma forma, mesmo que seja para o conhecimento geral, ou para pressionar pessoas que podem realmente fazer a diferença. É verdade que as mordidas e picadas podem ser doloridas, mas, para mim, é absolutamente o trabalho perfeito.
O que sua mulher pensa do seu trabalho?
Minha esposa? Ela não pensa muita coisa boa sobre isso. No entanto, o lado bom disso tudo é que sou pago para fazer o que faço. Sabe, eu tenho uma esposa que faz o trabalho mais importante de todos, que é cuidar de nossas duas filhas. Por isso, ela não reclama muito sobre minhas viagens.
Já ficou envergonhado em alguma viagem?
Sim! (risos). Durante minha viagem pela Índia, eu tive uma incontinência fecal enquanto estava na traseira de um trator. O veículo passou por uma lombada e não pude me conter. Antes, no mesmo dia, eu já tinha ficado coberto de cocô de vaca e passei o resto desse dia coberto com meu próprio, porque não tinha roupa sobressalente. Fiquei com muita vergonha nesse dia. E você é o primeiro jornalista para quem eu conto isso...
1 - PERIGO
O Influenza é um vírus que sofre mutações genéticas com facilidade. O vírus usa as proteínas H e N para infectar as células. Essas proteínas se recombinam com muita facilidade, criando mutações da gripe, às quais a maioria das pessoas não têm imunidade. Por isso, a gripe aviária é muito perigosa. Essas mutações podem acontecer após uma pessoa ser contaminada e depois contrair uma gripe comum, que pode criar um novo tipo de doença, transmissível pelo ar.
2 - CORAGEM
O Brasil anunciou a quebra da patente de certos remédios usados no tratamento da Aids, em 2001. Em 2005, o país iniciou o processo para quebrar o resgistro de outros medicamentos, e passou a usar o termo licenciamento compulsório. O laboratório Farmanguinhos, da FioCruz, produz os medicamentos para consumo exclusivo do Sistema Único de Saúde (SUS).
; Males mundiais
Doença de Chagas, também conhecida como chaguismo
Transmissão: picada do barbeiro, que transmite o protozoário Trypanossoma cruzi
Sintomas: algumas pessoas não desenvolvem a doença até o caso crônico, que se manifesta após 20 anos depois da transmissão. Pode matar, se diagnosticada tardiamente
Incidência: a doença aparece na América do Sul, Central e no México
Tratamento: na fase inicial, existem medicamentos que curam a doença. Não há cura para a fase crônica, já que o coração e o sistema nervoso foram permanentemente danificados
Leishmaniose, também é conhecida como leishmaníase, calazar ou úlcera de Bauru
Transmissão: pelo protozoário chamado Leishmania, transmitido pela picada dos mosquitos flebotomíneos, conhecidos como palha ou birigui
Sintomas: se o sistema imunológico não destruir o parasita nos primeiros dias, a doença pode se desenvolver em dois tipos distintos. Na manifestação viceral, ocorre uma incubação de vários meses ou anos, depois causa febre, diarréia, mal-estar, fadiga e manchas pretas na pele. No tipo cutâneo, a incubação é de semanas ou meses, e também aparecem manchas escuras, que se transformam em feridas. Os dois tipos da doença matam se não forem tratados devidamente
Incidência: presente em países como Bangladesh, Índia, Etiópia, Quênia e Sudão, além do Brasil
Tratamento: com medicamentos
Oncocercose, chamada de cegueira dos rios ou mal de garimpeiro
Transmissão: o parasita Oncocherca volvulus é transmitido pelo mosquito do gênero Simulium, conhecido no Brasil como borrachudo ou piúm
Sintomas: não mata, mas é a principal causa de cegueira no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Após um ano de infecção, ocorrem sintomas como conjutivite e fotofobia, até evoluir para uma cegueira absoluta
Incidência: 99% dos casos acontecem em países da África, mas também ocorrem incidências no México e Brasil. Segundo a OMS, são 37 milhões de pessoas infectadas
Tratamento: feito com um medicamento chamado Ivermectina
Ancilostomose ou amarelão
Transmissão: pelos parasitas Ancylostoma duodenale e Necator americanus, conhecidos em inglês como hookworm, que significa verme gancho. Os parasitas entram pela pele do indivíduo e depositam milhares de ovos no intestino da vítima. Podem viver por cerca de 14 anos no órgão
Sintomas: assim que penetram na pele do hospedeiro, as larvas podem provocar, no local da penetração, lesões traumáticas. O período de incubação até surgirem os sintomas intestinais é de um ou dois meses e podem durar anos. A pessoa desenvolve anemia, afecções pulmonares e sente indisposição física.
Incidência: mais comum na África, Ásia, Europa e Oceania. No continente americano predomina no Chile, Peru e Brasil
Tratamento: com vermífugos, após acompanhamento médico