O crânio de 3,8cm de comprimento encontrado na Depressão Bighorn, 160km a leste do Parque Nacional Yellowstone, no estado norte-americano de Wyoming, trouxe à tona uma discussão que promete mudar os conceitos da evolução e da estrutura do cérebro dos primatas. Praticamente intacta, a ossada permaneceu enterrada por 54 milhões de anos e pertencia ao Ignacius graybullianus, da ordem dos plesiadapiformes. O animal pesava apenas 300g e, ao contrário do que os cientistas imaginavam, seu cérebro apresentava maior especialização para o olfato que para a visão.
[SAIBAMAIS]O paleontólogo norte-americano Jonathan Bloch - professor da Universidade da Flórida - explica que o Ignacius era um "primo distante dos ancestrais dos seres humanos". "A predominância dos primatas plesiadapiformes na América do Norte, Europa e Ásia representa os primeiros 10 milhões de anos da evolução dos primatas após a extinção dos dinossauros, 65 milhões de anos atrás", afirmou ao Correio, por e-mail, o co-autor da pesquisa publicada pela revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
Bloch e a antropóloga canadense Mary Silcox, da Universidade de Winnipeg, entenderam o funcionamento do cérebro dos primatas pré-históricos graças à tecnologia. Como o crânio estava bem preservado, os cientistas decidiram submetê-lo a um CT scanner (equipamento de tomografia computadorizada) de alta resolução, a fim de criarem a primeira imagem em 3D do cérebro de um primata primitivo. "Nós tiramos cerca de 1,2 mil chapas bidimensionais de raios X das partes posterior e frontal do crânio. Isolamos a cavidade cerebral do restante da imagem em cada uma das chapas, que foram empilhadas em um programa de computador e 'costuradas', até que formassem a imagem tridimensional", descreve Bloch. O próximo passo foi elaborar um molde do cérebro, façanha obtida com o auxílio de uma impressora especial.
"O cérebro deste primata possuía grandes lobos olfativos, associados ao olfato. O animal Ignacius tinha um lobo temporal limitado, indicando menor ênfase na visão", comenta o paleontólogo da Flórida.
Adaptação
Com base nas observações do molde, Bloch acredita que o alargamento do órgão teria sido uma adaptação a uma especialização da acuidade visual. Segundo ele, a mudança para um cérebro maior e mais "sofisticado" não foi tão dramática. "O fóssil mostra que a evolução do cérebro excepcionalmente grande dos primatas ocorreu em um intervalo de dezenas de milhões de anos". No entanto, os próprios cientistas se surpreenderam com o fato de que o cérebro dessa espécie pré-histórica não era excepcionalmente pequeno.
Ainda de acordo com Bloch,o Ignacius tinha um focinho relativamente longo. "Isso é consistente com a interpretação do cérebro de que o animal era especializado mais no cheiro do que na visão", reforça. Acredita-se que as pequenas órbitas dos olhos e um relativamente grande nervo ótico do Ignacius o levaram a ter hábitos diurnos. Para Bloch, a conclusão de que os primeiros primatas tinham cérebros relativamente reduzidos teve implicações na forma com que eles evoluíram até se tornarem animais especializados.