Cidades

Pressão do Entorno sobre a saúde

Do total de pacientes com a covid-19 no Distrito Federal, 7,2% vivem em Goiás. Entre os que não sobreviveram à doença, 9,6% eram de municípios vizinhos. Mesmo assim, esses moradores relatam dificuldades para conseguir atendimento na rede pública da capital


Além da assistência prestada aos brasilienses em ritmo de sobrecarga, o sistema de saúde do Distrito Federal recebe uma demanda considerável de habitantes de estados como Goiás, Minas Gerais e Bahia. Dados do boletim de ontem sobre a situação da covid-19 no DF mostraram que 7.334 (7,2% em relação ao total) dos resultados positivos obtidos na capital são de moradores da parte goiana do Entorno. Entre esses pacientes, 124 (9,6%) morreram.

O Distrito Federal é vizinho a 33 cidades de Goiás e de Minas Gerais que fazem parte da Região Integrada de Desenvolvimento do DF e Entorno (Ride). Juntas, elas poderiam formar uma segunda capital federal, pois contam com 4,6 milhões de habitantes — 1,6 milhão a mais que o total de brasilienses. Boa parte dessa população visita o DF diariamente para trabalhar estudar ou buscar serviços de saúde.

Em 2019, das 221,3 mil pessoas internadas em unidades públicas de atendimento do Distrito Federal, 42,4 mil (19,7%) viviam na Ride. Neste ano, até 30 de junho, a quantidade de pacientes hospitalizados alcançou 16,4 mil. Em bairros como o Jardim Ingá, em Luziânia (GO), moradores encontram obstáculos para acessar a rede de saúde. Diagnosticado com a covid-19, Donizete Silva Júnior, 29 anos, só conseguiu fazer o teste para detecção do novo coronavírus após nove dias de sintomas.

Os sinais da doença apareceram há duas semanas. Donizete teve febre, diarreia, tosse, perda do olfato e do paladar, além de dificuldade para respirar, problema que prevalece. “Deram um termo de isolamento para mim, mas o prazo acabou. Era para eu retornar ao trabalho hoje (ontem), mas ainda estou com a respiração muito ruim e não quiseram me dar outro atestado. Também não fornecem o reteste. Ainda bem que a empresa em que trabalho reconheceu que não melhorei e me deu mais alguns dias (de licença)”, conta o auxiliar de produção.

A mulher de Donizete, Sabrina Pereira Silva, 35, teve reações semelhantes. Ela passou por uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e pelo Hospital Regional do Jardim Ingá, mas não conseguiu fazer o teste devido ao tempo de sintomas. Sabrina conta que o exame RT-PCR — com coleta de amostras do nariz e da garganta — só estava disponível na rede particular. “Eu me sentia mal havia cinco dias, só não tive febre. Mas a doença não provoca os mesmos efeitos em todo mundo. É um descaso com a população, só nos mandar para casa para aguardar”, critica.

Em maio, os governos do Distrito Federal (GDF) e de Goiás assinaram um Termo de Cooperação Técnica Interfederativa para regulamentar o acesso dos moradores da Ride às unidades de saúde da capital do país. O documento previa a adoção de medidas conjuntas de enfrentamento da pandemia, como testagem em massa, além de assistência e controle sanitário. Os valores dos tratamentos seriam repassados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o DF.

A Secretaria de Saúde de Goiás informou que não encaminha pacientes para o DF, pois a rede estadual tem dado conta da demanda. A região dispõe de três hospitais de campanha, em Águas Lindas, Luziânia e Formosa. “O de Águas Lindas conta com 21 leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) e, até a tarde desta quarta-feira, todos estavam ocupados. Outros 110 leitos de enfermaria estão em funcionamento na unidade e, nesta tarde (ontem), 56% estavam ocupados. O hospital ainda pode ser ampliado com mais 19 leitos de UTI e 50 leitos de enfermaria, chegando a 200 leitos”, detalhou nota da pasta. O órgão acrescentou que o atendimento na unidade está dentro do planejado.

A técnica de enfermagem Maria da Conceição Morais Marques, 39, chegou a ficar internada nesse hospital de campanha. No entanto, a moradora de Águas Lindas não resistiu às complicações da covid-19 e morreu em 4 de julho. Ela trabalhava na Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Saúde (Coops), acompanhando pacientes em domicílio. “No meu último contato com ela, a gente conversou, ela chorou e disse que não estava podendo falar, porque estava com muita falta de ar. Ali, comecei a ficar muito triste. Vi que ela não estava bem. Comecei a sofrer e senti que algo não ia dar certo”, lamentou a irmã da técnica de enfermagem, Elisângela Maria Morais, 46.

Fechamento
Estudo da Companhia de Planejamento (Codeplan), divulgado na última semana, apresentou levantamento sobre a população da Área Metropolitana de Brasília (AMB), composta por 12 municípios de Goiás. A diretora de Estudos Urbanos e Ambientais do órgão, Renata Florentino, explica que trabalho e atendimento em saúde são os dois principais motivos pelos quais a população dessa região procura o DF. “Na hora em que analisamos dados sobre a capacidade instalada, dá para subentender que pessoas vão em busca de atendimento para situações um pouco mais complexas. Mas essa é uma questão estrutural, que acontece no país inteiro”, observa.

O secretário do Entorno do DF, Paulo Roriz, afirma que o fechamento de alguns municípios da Ride aos fins de semana tem conferido mais rigidez ao controle da pandemia. “Existe uma preocupação dos prefeitos para que esse fechamento permaneça até o fim de agosto, pelo menos. Existe preocupação com uma segunda onda (da pandemia) e havia outra com a de fazer os hospitais de campanha funcionarem na região metropolitana, mas todos estão operando agora”, comenta o secretário.

O Correio questionou a Secretaria de Saúde do DF sobre quantos pacientes da Ride estão hospitalizados no DF com covid-19 e em quais tipos de leitos. No entanto, o órgão informou que, até o fechamento desta edição, a área técnica não conseguiu levantar as informações devido à indisponibilidade nos sistemas do GDF.




Palavra de especialista

“GDF deve estar preparado”

“A linha imaginária que divide DF do Entorno é só imaginária mesmo. Do ponto de vista sanitário, não existe separação. É preciso fazer parte do planejamento do Governo do Distrito Federal (GDF) que moradores de cidades próximas vão procurar atendimento no DF. Não tem sentido um paciente com insuficiência respiratória grave, em vez de ir para os hospitais regionais do Gama ou de Santa Maria, ir para Goiânia para ser atendido. A lógica é totalmente diferente. O GDF deve estar preparado e cobrar as compensações do governo federal se houver desequilíbrio no fluxo. Estamos falando do Sistema Único de Saúde (SUS), não de um sistema único do Distrito Federal ou de Goiás. O SUS é supranacional; por isso, tudo deve estar articulado. Negar atendimento não pode acontecer de forma alguma, nem causar estranheza ou guerra entre DF e Entorno.”

Roberto José Bittencourt, professor e doutor do curso de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB)



Máscaras para doação

A Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil do Distrito Federal recebeu do Serviço Social do Comércio (Sesc) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-DF) 30 mil máscaras de tecido para distribuição à população em situação de vulnerabilidade social. A segunda remessa, entregue na segunda-feira, faz parte de um lote de 100 mil proteções confeccionadas no Senac por voluntários e instrutores do curso de costura. As outras 40 mil máscaras serão distribuídas até 20 de agosto. Segundo o GDF, a distribuição das máscaras é feita de acordo com a evolução dos casos nas regiões administrativas, em locais de grande circulação, entre outros. O trabalho é coordenado pela Secretaria de Governo, em parceria com diversos órgãos e secretarias que se reúnem no Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob), na Secretaria de Segurança Pública.