Correio Braziliense
postado em 30/07/2020 06:00
A situação da pandemia do coronavírus no Distrito Federalcontinua a preocupar o Executivo. A chegada ao pico e a estabilização da curva em números altos de novos casos e óbitos mantêm o sinal de alerta ligado. Em entrevista ao Correio, o secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho, reconheceu a gravidade do cenário e destacou que é necessário haver ação conjunta do Executivo e da população para conter o avanço da pandemia e evitar que o problema se agrave.
“O governo fez e faz muito esforço para fazer a parte dele. Não só com a abertura de leitos, mas com contratação de profissionais, campanhas educativas, organização, toda a parte pedagógica. Mas, o mais importante, agora, é a população fazer a parte dela”, argumentou. Ele defendeu que, mesmo com a reabertura do comércio, os brasilienses precisam manter os cuidados. “Você pode ir ao parque adotando todo o protocolo, você pode ir ao restaurante que está aberto e manter o distanciamento e todos aqueles cuidados que são necessários.”
O secretário reforçou os apelos ao comentar os problemas em cidades com maior vulnerabilidade social, como Ceilândia (que registra o maior número de casos). “Neste momento, não tem como mais dizer que se vai fazer outras ações, além do que está pactuado, numa cidade como Ceilândia. A rede tem um limite de atuação e de execução, e ele está chegando. Agora, independentemente de onde more, o cidadão precisa se proteger.”
A curva está se estabilizando, mas em um número diário de casos alto. Isso ainda preocupa muito? Qual a estimativa daqui para a frente e qual a análise do cenário atual?
Preocupa bastante. A covid-19 é um tema novo. Aqui no Brasil, nós estamos convivendo com isso desde março. São cinco meses. Ainda não temos vacina, medicamento. A gente tem, por amostragem — pela vivência em Amazonas, Pernambuco, Ceará —, que a tendência depois do pico é vir a queda. Então, o caminho é: pico, platô e queda. Pela nossa quantidade de leitos, pela movimentação, pelos dados do complexo regulador, nós vimos que chegamos a um ponto em que subiu bastante (o número de novos casos). Nas duas últimas semanas, não tem subido, houve uma estabilização, mas não tem como não se preocupar.
Como essa estabilidade se dá num ponto alto da curva, dá para ter segurança de que, se continuar assim por muito tempo, a estrutura da saúde resista, consiga suprir?
A nossa estrutura foi montada com base nos dados da área epidemiológica, sob a coordenação do Eduardo Hage (subsecretário de Vigilância à Saúde), para uma projeção de pico em julho, como efetivamente nós estamos. Hoje, nós estamos disparados, por 100 mil habitantes, como a unidade da Federação que mais abriu leitos de covid-19. Nós conseguimos avançar bastante nesse quesito. Evidentemente que muitos profissionais de saúde adoeceram, há atestados, baixas, tudo isso faz parte. Há uma preocupação do Brasil com medicamentos — sedativos e relaxantes musculares —, temos feito muito esforço para comprar e temos recebido algo do Ministério da Saúde. Mas a gente espera também que, dentro das projeções, nas próximas semanas, haja uma tendência de quedas e, se não houver queda, que, ao menos, permaneça como está.
Houve a reabertura do comércio. Recentemente, foram liberados bares e restaurantes. Na análise dos dados, é possível ver uma relação, mesmo que indireta, entre o aumento de casos e isso. Existe a possibilidade de que, se o cenário continuar como está ou se se agravar, essas questões sejam revistas?
Eu falei algumas vezes e reitero sempre: o governo fez e faz muito esforço para fazer a parte dele. Não só com a abertura de leitos, mas com contratação de profissionais, campanhas educativas, organização, toda a parte pedagógica. Mas, o mais importante, agora, é a população fazer a parte dela, independentemente do que abra. A gente sabe que houve um grande problema social do ponto de vista de manter as pessoas isoladas. Não adianta você dizer para a pessoa ficar isolada se ela não quer ficar. O governo precisa fazer a sua parte, e a população, também. O importante, agora, é cada cidadão ter cuidado consigo mesmo, com uso da máscara, álcool em gel, distanciamento, não abrir mão da autoproteção. Se vai entrar num ônibus, e ele está lotado, não vá. Evite aglomeração. Você pode ir ao parque adotando todo o protocolo, você pode ir ao restaurante que está aberto e manter o distanciamento e todos aqueles cuidados que são necessários. Eu estou defendendo a vida das pessoas.
Como fazer com que as pessoas entendam, mesmo com as reaberturas, que é preciso continuar tomando cuidado e que a situação continua delicada?
A maneira mais eficaz de a população entender é mostrando que a covid mata, que, ao mesmo tempo que a rede de saúde salvou muitas pessoas e cuidou de muitas vidas, também há um índice de óbitos muito grande no país inteiro. Nossa letalidade aqui é baixa, mas há uma quantidade de óbitos ocorrendo. O maior bem que o ser humano tem é a vida. Então, precisamos protegê-la. O Estado se organiza, coloca leitos, faz todos os movimentos para proteger o cidadão, mas, como tudo na vida, há um limite. Então, para esse limite se tornar um pouco maior, é preciso que governo e cidadão façam as suas partes.
O senhor comentou essa dificuldade de ter acesso aos suprimentos. Até chegaram recursos do Ministério da Saúde, mas existe dificuldade para usá-los. Como estão tentando resolver essa questão?
A dificuldade de usar o recurso, basicamente, não existe. O que acontece é que não se usa o recurso de uma vez só. Por exemplo, monta-se um hospital de campanha. Inicia-se parte da obra, que é paga mediante medição. Muitas vezes, a obra termina e não se pagou, ainda. Após a obra, contrata-se uma empresa para fazer administração hospitalar. Essa empresa também recebe mediante a prestação do serviço, o atendimento. Até vi na mídia que o dinheiro (recebido do Ministério da Saúde) não foi utilizado, mas não é assim...
Houve a representação do Ministério Público de Contas dizendo que grande parte dos recursos federais não estavam incorporados ao orçamento…
Você não vai terminar um hospital de campanha que a obra custou R$ 5 milhões, e o serviço, R$ 70 milhões, e pagar de uma vez só. Não é assim. Só é pago mediante o uso.
Então, o dinheiro não está parado e sem ser usado?
Não. Não tem dinheiro parado. Ele é usado de acordo com o serviço prestado e tem de ser dessa forma.
Como está a questão dos leitos? Alguns hospitais estão para ser inaugurados, em que pé estão?
Nós temos hoje o hospital de campanha do Mané Garrincha em pleno funcionamento. Mais de mil pessoas passaram por ali e foram atendidas. No Hospital da PM, nós estamos aguardando um posicionamento do TCDF. E, queira Deus, que o TCDF libere esse hospital para entregarmos logo 84 leitos para a população do DF. Temos um hospital acoplado ao de Ceilândia, que está em funcionamento com 70 leitos. O Hospital da Papuda, nós esperamos que, na semana que vem, essa operação esteja em funcionamento, pelo menos a consolidação da contratação da empresa para fazer a administração, pois a obra está pronta. E estamos em fase de construção do hospital de campanha em Ceilândia, ao lado da UPA.
No DF, infelizmente, a Saúde sempre esteve envolvida em escândalos de corrupção. O que tem sido feito, num momento como esse, para impedir que isso se repita?
Primeiro, transparência total em todos os nossos atos. Nós, em toda a pandemia, o case do DF — isso não é dito por mim, mas pelo Ministério e outras unidades da Federação — tem sido de sucesso. Tudo nosso está disponível no Portal da Transparência. Em toda a pandemia, não tivemos mais do que 20 processos de contratação de hospitais e testes. Uma grande parte deles foi solicitada para análise pelos órgãos de controle e passou pelo nosso controle interno, dentro do que preconiza a lei. Pelos decretos de emergência, utilizamos todo o rigor da lei com esses processos, fazendo por dispensa de licitação. Não tinha como, em meio à pandemia, fazer uma licitação e passar seis meses só nisso. Acabaria a pandemia e muitas pessoas morreriam. Então, o primeiro ponto é transparência. O segundo, o envolvimento total da comunidade. Terceiro, os profissionais que trabalham na Secretaria, todos os meus subsecretários, são profissionais de carreira. Quarto, a determinação do governador Ibaneis (Rocha) é de que o trabalhos sejam feitos respeitando a legalidade.
Houve mudança na forma como os testes são feitos em relação ao início da pandemia? A maneira atual é suficiente para a demanda do DF?
Nós testamos mais de 500 mil pessoas. Esses testes, no primeiro momento, foram fundamentais, porque permitiram que nós tivéssemos um mapeamento epidemiológico por região. Isso permitiu, por exemplo, intervenções, que fizemos na Papuda. Os investimentos e as ações que estamos fazendo em Ceilândia também foram por isso. A testagem serviu como amostragem para que a política de Saúde pudesse chegar de maneira mais efetiva. Claro que, depois de testarmos mais de 400 mil pessoas, houve uma série de questionamentos. É muito bom questionar depois do problema. Queria ver atravessar o problema, ter de testar a população, chegar a um lugar sem ter a segurança de estar infectado ou não. O instrumento que tínhamos naquele momento, além do atendimento clínico, era a testagem. Nesta semana, foi liberada pela Justiça, e publicamos a contratação do drive-thru novamente com 100 mil testes. Recebemos doação da Receita Federal de 300 mil unidades. Essa é a nossa realidade, hoje.
Os especialistas defendem que, com os testes, precisa vir o rastreamento, acompanhar as pessoas que estão próximas de quem foi diagnosticado. Isso está sendo feito?
Nós temos dois aplicativos, o Ana e o Gabriela, com que monitoramos em tempo real o cidadão nas suas localidades e no lugar onde vive. Esses também são instrumentos muito importantes para que tenhamos dimensão da pandemia no DF.
O sistema de Saúde do DF enfrentava problemas há muito tempo. Com a forma como ele precisou ser usado na pandemia, o sistema pode sair fortalecido de alguma maneira?
Pela primeira vez na história do país, o Sistema Único de Saúde (SUS), o maior plano de saúde público do mundo, pôde ser visto. Eu não tenho dúvidas de que, a partir agora, o país inteiro enxergará o SUS de forma diferente. A pandemia não separou rico, pobre, preto, branco. Não separou ninguém e chegou em pé de igualdade para todo mundo. Naquele primeiro momento, eu me recordo como se fosse hoje, quem efetivamente salvou a vida da primeira paciente da covid no DF foi o Hran, foi o SUS. O DF sairá, sem sombra de dúvida, muito fortalecido. Em meio à pandemia, nós saímos de 48% de cobertura de Saúde da Família, de atenção básica, e estamos com mais de 93%. Instalamos mais de três tomógrafos na rede pública, seis autoclaves, 250 respiradores, reformamos todos os hospitais, chamamos reserva técnica de todos os concursos, em todos os níveis. Estamos construindo sete UPAs pelo Iges/DF, um hospital oncológico. Esses equipamentos do hospital de campanha vão equipar as setes UPAs. Sairemos disso com o primeiro hospital dentro de um complexo penitenciário como o da Papuda, com 84 leitos no hospital da PMDF. Os profissionais de saúde dedicaram suas vidas para salvar vidas e, com certeza, eles serão vistos com olhar diferente da comunidade.
As regiões com população mais vulnerável economicamente, como Ceilândia, têm números que preocupam muito. O que tem sido feito para evitar que a situação se agrave ainda mais?
Falei antes que a parte pedagógica é muito importante e que o maior bem é a vida. E a vida não distingue quem mora em Ceilândia, no Lago Sul ou no Lago Norte. Por isso, é preciso que a população se proteja. A proteção que o cidadão que mora em uma cidade com vulnerabilidade social maior tem de ter é a mesma que o cidadão de um local com menos vulnerabilidade. Isso é o que pode ser feito. Neste momento, não tem mais como dizer que se vai fazer outras ações, além do que está pactuado, numa cidade como Ceilândia. A rede tem um limite de atuação e de execução, e ele está chegando. Agora, independentemente de onde more, o cidadão precisa se proteger.
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