Cidades

Doar sangue, questão de empatia

Durante a pandamia, houve queda no número de doadores e, consequentemente, nos estoques da Fundação Hemocentro de Brasília. Por outro lado, alguns pacientes com covid-19 têm demandado bolsas de sangue



Com  o isolamento social, a queda nos estoques da Fundação Hemocentro de Brasília foi significativa. De acordo com a gerente do Ciclo do Doador, Anne Rodrigues Ferreira, entre os meses de maio e junho houve uma redução de 15% das doações. “No começo da pandemia, em março e abril, a procura para doar estava boa. Porém, com o isolamento e as limitações impostas por esse período, o número de doadores diminuiu. E o consumo da rede aumentou, pois alguns pacientes com covid-19 também têm demandado as bolsas de sangue”, explica. Segundo ela, os estoques estão, em média, 30% abaixo do nível ideal.

Nesse tempo de pandemia, Elisiane Vieira Souza, moradora de Sobradinho 2, conta que se sentiu mais motivada para doar sangue. “Sabia que o estoque ia ficar baixo, não pensei duas vezes em agendar”, conta a consultora de atendimento, que tomou para si a prática de solidariedade. “Já doei leite, cabelo, e quero me cadastrar para a doação de medula.”Quando eu era pequena, precisei de sangue. Hoje, sinto essa necessidade de retribuir. A gente nunca sabe o dia de amanhã”, destaca. 

Elisiane conta que, quando era bebê, teve boa parte do corpo queimado após um acidente doméstico. “Minha família morava no interior da Bahia, em uma casa de palha. Não tinha energia e usávamos lamparina. Um dia estava ventando muito, e quando a minha mãe foi abrir a porta, o vento levantou labaredas da lamparina que caíram em mim”, relata. Com o incidente, ela foi levada para um hospital no município de Barreiras (BA), onde morava. No entanto, precisou ser transferida para Brasília, onde foi atendida no Hospital de Base.

“Eu precisei passar por cinco cirurgias ao longo da minha infância. Nessas cirurgias precisei do sangue e, desde então, quis doar, também”, conta. Porém, ela que só conseguiu fazer a primeira doação em 2016, quando atingiu o peso ideal acima dos 50kg. “Eu queria, mas era muito magrinha. Depois que tive o primeiro filho, tomei peso e fui ao Hemocentro”, afirma, Elisiane que sempre procura manter uma rotina de doação. Para ela, esse gesto não só representa o ato de ajudar, mas também é um ato de amor ao próximo. “Todo mundo pode precisar um dia, a gente nunca está sozinho. Saber que está ajudando o outro traz um sentimento de gratidão.”

O engenheiro de rede Marcos Vinícius Alves Franco, 26, doou duas vezes. “A primeira vez foi em abril, e essa, agora, em junho. Para mim, é um ato de solidariedade e empatia. Faz bem para o nosso corpo e alma, quero continuar doando para o resto da minha vida”, afirma. Para ele, é superseguro ir doar mesmo na em tempos de pandemia. “Para doar, é preciso agendar o horário, o que evita aglomerações, e aqui (no Hemocentro) todo o processo é tranquilo. Claro, tem que tomar os cuidados necessários, usar máscaras e passar álcool em gel nas mãos”, exemplifica ele, que mora em Sobradinho.





Cuidados

Entre as medidas de segurança para a contenção do novo coronavírus, o Hemocentro de Brasília tornou obrigatório o agendamento para as doações de sangue. Quem quiser doar, é preciso marcar o horário pelos telefones 3327-4447 ou 3327-4413. O horário de atendimento é segunda a sábado, exceto em feriados, das 7h às 18h. Ou no número 160, opção 2. Nesse telefone, o atendimento pode ser feito das 7h às 21h, de segunda a sexta, e aos sábados, domingos e feriados, das 8h às 18h.

No hemocentro, o horário para as doações continua sendo das 7h às 18h, de segunda a sábado, exceto em feriados. Quem estiver com sintomas gripais não poderá doar. Para pessoas que testaram positivo, é necessário esperar 30 dias após cessarem os sintomas. Nos casos assintomáticos, segue o mesmo período de tempo após o diagnóstico. Quem teve contato com alguém que testou positivo, é necessário esperar 14 dias para fazer a doação.

A gerente do Ciclo do Doador, Anne Rodrigues Ferreira, explica que essas orientações são necessárias para resguardar a saúde, tanto do doador quanto de quem receberá. “Não sabemos o impacto do sangue com o vírus ativo pode ter em quem for receber. Até o momento não foi comprovada a transmissão através do sangue, mas, seguimos as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, pontua. Ela ressalta, também, a importância do doador informar, após a doação do sangue, se teve algum sintoma. “Caso apareça algum sintoma até 14 dias depois de doar o sangue, a gente pede que o doador nos informe”, alerta.
Além das mudanças aos doadores, houve, também, adaptações dentro do Hemocentro. Como a colocação de mais pontos de álcool em gel, o distanciamento das cadeiras na sala de espera e a rotina de limpeza dentro da fundação. Para as doações em grupo, foi imposta um limite de 10 pessoas. Antes da pandemia era possível agendar doações para grupos de até 40 integrantes. A redução foi pensada para conseguir manter o distanciamento ideal dentro do transporte do Hemocentro.

Superação

Ana Lúcia Carvalho Fleury, 68, residente no Guará, renasceu através das doações de sangue que recebeu em 2014. Ela conta que precisou fazer duas cirurgias delicadas, em um curto período de tempo. E no meio desse processo, teve dengue hemorrágica durante a internação da primeira cirurgia e precisou das bolsas de sangue para se recuperar. “Eu tinha feito a cirurgia para a retirada do tumor na mama, quando peguei dengue. Meu sangue é raro, O negativo. Não tem coisa pior do que você precisar de sangue e não ter”, relata.

No entanto, passar pela quimioterapia fragilizou o coração dela. Cardiopata, o tratamento do câncer piorou o quadro e, pouco tempo depois da primeira cirurgia, precisou fazer outra para desobstruir as artérias do coração. Com o estoque de sangue O negativo em baixa, amigos e familiares se reuniram em rede de solidariedade para doar as bolsas de sangue. “Eu ganhei a vida, se não tivesse recebido as doações, talvez não tivesse sobrevivido. Pessoas que nunca me viram agora fazem parte da minha vida. Isso é muito gratificante”, conta.

Para a estudante Mariana Nunes, 22, o diagnóstico de linfoma — um tipo de câncer no sangue — trouxe uma dualidade. A mulher, moradora de Planaltina, que sempre amou doar sangue, que levantava a bandeira das campanhas de doação e incentivava amigos e familiares, agora se viu do outro lado: o de paciente, que, a qualquer momento, poderá precisar de bolsas de sangue e da doação da medula para continuar viva. “Quando recebi o diagnóstico, chorei por não poder mais doar. Os momentos que eu ia ao Hemocentro eram únicos. Saía de lá supercorajosa, feliz, com sentimento de gratidão por poder salvar uma vida”, expõe.

Prestes em se formar em farmácia, ela procura encarar a vida com otimismo. E sempre que pode, está incentivando outras pessoas a doarem. “Não é por mim, mas um amor de alguém pode estar precisando. Tem gente que realmente perde a vida por falta de bolsa de sangue ou de componentes que são retirada delas. É uma coisa tão simples que pode fazer a diferença”, pontua. Mariana relembra uma colega que conheceu no hospital. “Ela estava fazendo tratamento de leucemia. Teve um dia que ela comentou que não tinha o tipo de sangue dela. E nem uma rede de amigos que pudesse doar. Foi tão triste isso. Pouco tempo depois ela faleceu. Não sei direito os motivos, mas acho que a falta do sangue em um dia do tratamento pode ter contribuído”, relata. Mariana fez um ano de quimioterapia e, atualmente, está em remissão da doença, ou seja, o câncer está controlado.

Para a arquiteta aposentada, Luciana Andrade, 61, a bandeira para a doação de sangue foi impulsionada, infelizmente, por uma tragédia na família. Após perder a filha Rafaela, 26, e a neta Clara, 2, em um acidente de trânsito em 2013, ela criou uma campanha junto ao Hemocentro. “Na época do acidente, minha netinha chegou a precisar de sangue. Mas os estoques estavam baixos. A gente viu de perto o desespero de precisar e não ter. Foi muito difícil. Pouco tempo depois, minha neta faleceu. Teve morte cerebral”, conta a residente no Lago Norte.

Com esse marco triste na vida dela, Luciana iniciou a campanha para a doação de sangue por meio  do Instituto Doando Vida. A ação ocorre sempre na última semana de agosto. O ato foi em homenagem à filha e à neta, mas tem impactado outras pessoas que estão precisando. “Quando a gente doa, estamos salvando uma vida. E essa sensação é inexplicável”, afirma. A rede de solidariedade é feita simultaneamente em Brasília e em uma cidade do Canadá, onde ocorreu o acidente. “Nos unimos para um projeto. Os amigos da minha filha que moram no Canadá abraçaram a ideia. E seguimos há seis anos com a ação”, conta. Segundo ela, no primeiro ano foram mais de 200 pessoas que se disponibilizaram para doar no Hemocentro.


Faça a sua parte

Como doar
Para doar, é necessário fazer agendamento prévio pelos telefones 3327-4447 e 3327-4413 ou no número 160, opção 2. O horário de atendimento para a marcação é segunda a sábado, exceto em feriados, 
das 7h às 18h. Ou no número 160, opção 2

Horário de funcionamento do Hemocentro: 7h às 18h, de segunda a sábado, 
exceto em feriados

Para doar é preciso
» Ter entre 16 e 69 anos de idade (menor de 18 anos deve estar acompanhado do responsável legal e idosos devem ter feito a primeira doação de sangue antes dos 61 anos)
» Pesar mais de 51kg
» Dormir pelo menos seis horas, com qualidade, na noite anterior à doação
» Não ingerir bebida alcoólica nas 12 horas anteriores à doação
» Não fumar duas horas antes da doação
» Se alimentar bem antes de doar


Quatro perguntas para
Andresa Melo, hematologista do Hospital Brasília, que destaca algumas questões sobre a doação de sangue no momento atual

É seguro doar sangue nesse tempo de pandemia?
Em março de 2020 o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica com todas as orientações que os bancos de sangue devem seguir para aumentar a segurança dos doadores durante a pandemia desde o acolhimento, limpeza do espaço até a doação.

Quais os cuidados necessários?
Os principais cuidados são no sentido de garantir o distanciamento social e reduzir risco de aglomerações como, por exemplo, agendamento de doações (disponível em bancos de sangue públicos e privados), lavagem de mãos, uso de álcool em gel e uso de máscaras.

Testei positivo, posso doar?
Candidatos à doação que foram infectados por coronavírus devem aguardar 30 dias e estar assintomáticos e sem sequelas para estarem aptos à doação. Caso o doador tenha tido contato com caso confirmado, deverá aguardar 14 dias e estar sem sintomas para efetuar a doação.

Qual a importância de doar?
Apesar da pandemia, todas as outras doenças continuam existindo normalmente e, a despeito da redução no número de doações, muitos pacientes continuam apresentando outras doenças graves com necessidade de suporte transfusional. Por isso é tão importante que as doações continuem acontecendo a fim de suprir essa demanda.