Desde o primeiro caso confirmado da covid-19 no Distrito Federal, em 5 de março, mais de mil brasilienses morreram devido à doença. Além disso, a quantidade de infecções, que cresce diariamente, ultrapassa os 90 mil registros. Dados da Secretaria de Saúde mostram que quase 90% das vítimas do novo coronavírus da capital tinham doenças preexistentes, que complicaram o quadro clínico dos pacientes. Cardiopatas e acometidos por distúrbios metabólicos, como a diabetes, são os que mais vieram a óbito. Especialistas ouvidos pelo Correio explicam como o vírus age em conjunto com essas enfermidades e que o controle e o tratamento delas podem evitar mortes.
O Distrito Federal atingiu a marca de 1.133 pessoas mortas pela covid-19 ontem. Dos óbitos registrados, 992 tinham comorbidades, ou seja, 87,6% das vítimas da capital apresentavam doenças preexistentes. A mais comum, segundo monitoramento da Secretaria de Saúde, é a cardiopatia. No total, 701 pacientes que perderam a vida para a covid-19 tinham a enfermidade. Em seguida, estão distúrbios metabólicos (447), pneumopatia (173) e obesidade (130).
André Moraes Nicola, médico e professor de imunologia médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), explica que o coronavírus pode agir diretamente em outras partes do corpo, além dos pulmões. “O vírus tem uma ação direta de infectar as células e atrapalha o funcionamento de outros órgãos. Caso eles estejam doentes, aumentam as chances de eles pararem de funcionar. É o caso de enfermidades cardíacas e pulmonares”, detalhou.
Segundo o especialista, outro motivo que pode provocar a morte de pacientes é a inflamação. “O que mata não é o dano que o vírus causa, mas a resposta do sistema imune, que provoca dano no pulmão e leva a pessoa à morte”, explicou. O médico acrescenta que algumas doenças causam o aumento desse fator no corpo, como a diabetes. “Um diabético tem um nível de inflamação que pode aumentar as chances de a pessoa ter uma resposta muito forte contra a covid-19, o que causa complicações”, alertou.
Nicola comenta que estudos sugerem condições como hipertensão e doenças cardíacas como capazes de aumentar a produção de uma proteína na célula, que é receptora do vírus. “Devido a esse fator, a covid-19 consegue entrar mais rapidamente. É como se fosse uma fechadura em que a chave do vírus se encaixa para entrar na célula”, exemplifica.
Idade
Outro fator de risco para o novo coronavírus é a idade. No Distrito Federal, 823 pessoas — 72% do total de óbitos — tinham mais de 60 anos. O grupo etário que mais registrou mortes é o de pessoas com mais de 85 anos (181). O segundo lugar revela-se de pacientes entre 80 e 84 anos (140), e o terceiro, entre 75 e 79 (138). No total, 62 pessoas com menos de 39 anos faleceram por complicações da covid-19.
O parasitologista do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) Jaime Santana explica que crianças, adolescentes e jovens adultos, dificilmente, têm problemas com o novo coronavírus. De acordo com ele, a covid-19 é uma doença inflamatória e, como qualquer processo desse tipo, o corpo começa a produzir substâncias para destruir o agente invasor e o ambiente onde ele está. “Essa reação natural é importante, porque passa uma informação ao sistema imune para a produção de anticorpos. É como se fosse uma vacina”, comentou.
Entretanto, segundo Jaime, quanto mais avançada a idade, mais processos inflamatórios são encontrados no corpo: as placas de gordura vão se depositando nas placas de artérias e veias, como no coração e nos pulmões. “Esse processo ocorre a partir dos 30 ou 40 anos e vai se agravando. Por exemplo, pessoas entre 70 e 80 anos têm vasos sanguíneos muito entupidos. Quando chega o coronavírus, ele provoca outra reação inflamatória no corpo humano, o que gera uma exacerbação, que pode comprometer os órgãos”, salientou.
Devido a esses riscos, o parasitologista alerta que pessoas com comorbidades devem tratar bem essas doenças. “Apenas evitar a infecção do coronavírus pode não ser o ideal, porque ela pode acontecer a qualquer minuto. As pessoas precisam se preparar e procurar atendimento médico e seguir as orientações”, aconselhou. Segundo o especialista, quanto maior o cuidado com as enfermidades preexistentes menos receptivo o paciente será ao coronavírus.
Superação
Apesar de ter diabetes e estar no grupo etário considerado de risco para o novo coronavírus, o morador da Asa Norte Joel Carreiro dos Santos, 64, superou a doença. Em 7 de maio, ele deu entrada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) com sintomas da covid-19. “Antes de receber o diagnóstico, o protocolo usado foi o do tratamento de pneumonia. Quando testei positivo, fui para a ala específica. Precisei ficar nove dias internado e de oxigênio em um deles. Graças a Deus, o meu quadro evoluiu bem e fui para a UTI (unidade de terapia intensiva)”, lembrou.
Joel conta que precisou ajudar o irmão dele, de 70 anos, também acometido pela doença. Dias depois, ele começou a sentir os sintomas. “Tive dores no corpo, perdi o apetite e, em seguida, começou a febre. O primeiro exame de coronavírus deu negativo e chegaram até a suspeitar de dengue”, contou. Apesar de ter superado a doença, Joel relata que continua tomando cuidados. “A gente não sabe se está imune, então, precisa continuar preservando a saúde. Fui muito bem tratado no hospital e agradeço a Deus por essa bênção”, ressaltou.
Risco
São doenças que podem levar ao aumento de risco de problemas cardiovasculares. Pressão alta, alterações no colesterol, triglicérides e glicemia são alguns exemplos dessa síndrome.