Cidades

Longe da família e sob pressão: bombeiros contam como enfrentam a pandemia

Além de atuar no socorro à população e na proteção de patrimônios ambientais e materiais, os bombeiros do DF enfrentam, agora, uma nova emergência: a pandemia da covid-19

Correio Braziliense
postado em 23/07/2020 06:00
Para o tenente-coronel Tempesta, a situação atual pode servir de aprendizadoSalvar vidas, mesmo sob o risco de sacrificar a própria. Essa é a missão dos bombeiros-militares, que fazem juramento de dedicação à segurança da comunidade, previsto na Constituição Brasileira. Eles estão na linha de frente de atuação do combate à covid-19 e se arriscam, cada vez mais, pela proteção da sociedade.

“A gente não sabe o dia de amanhã, a Deus pertence. Então, mesmo com isso tudo, a gente tem que enfrentar dessa forma. Somos nós que estamos aqui dando uma sobrevida e segurança para as pessoas lá fora”, afirma o sargento Bruno Leal, 36 anos, que atua em equipe destinada ao atendimento de pacientes da doença.

A maior preocupação deles é para com o outro. Se infectar e ser potencialmente um vetor do vírus para outras pessoas é o grande receio desses profissionais, que pensam, principalmente, nos familiares. O cabo Cláudio Crisóstomo, 35, por exemplo, não vê o filho, Rafael, de dois meses, há quase 30 dias por temer infectá-lo.

Por não viver com a mãe da criança — ele mora sozinho, no Guará —, Crisóstomo acredita que pode levar o vírus, sem saber, para o bebê e a família. “Isso, com certeza, me deixa triste e chateado. Eu me sinto privado de poder acompanhar o crescimento dele. Mas, ao mesmo tempo, eu sinto que não estou só, isso me conforta um pouco. Pauto meus passos para enxergar de forma otimista um futuro, e fazer o melhor que eu posso para que esse futuro venha”, pondera o militar.

Crisóstomo trabalha como socorrista no 13º Grupamento Bombeiro Militar (GBM), atuando em ambulância, diretamente com pacientes de covid. Ele relata que sua rotina de trabalho mudou devido aos novos protocolos de proteção que deve seguir, adicionados aos já existentes. Além dos equipamentos de proteção individual (EPIs), a higienização das viaturas e dos materiais utilizados foi intensificada.

O EPI deles é composto por um capote, duas luvas, máscara N-95, faceshield e toca. Uma das luvas é destinada ao manuseio do paciente; a outra, é utilizada na higienização da ambulância após a ocorrência. A limpeza das ambulâncias e viaturas, agora, é feita toda vez que o veículo retorna ao quartel. No regresso, todos os profissionais são orientados a deixar a farda do lado de fora do quartel, em área de descontaminação, para evitarem entrar no local carregando o vírus. E, claro, higienizar as mãos com frequência, com água e sabão ou álcool em gel, disponíveis em todos os grupamentos.

Pressão psicológica


Além disso, aumenta a pressão psicológica com que os bombeiros precisam lidar devido à pandemia. Profissão cujo dever é enfrentar emergências, os bombeiros-militares são habituados a situações de risco. A crise sanitária, no entanto, é uma situação atípica, que exige maior cuidado dentro e fora das ocorrências. “Por ter essa exposição a algo que é mortal e invisível, a gente fica muito mais preocupado. E isso gera ansiedade, que faz com que a gente pense, a todo momento, que pode estar contaminado. Isso acomete principalmente quem tem familiares em situação de risco”, explica Crisóstomo.

É o caso do sargento Bruno Leal, que mora com os pais em Taguatinga. Ambos, além de idosos, têm comorbidades que os inserem no grupo de risco. O pai dele, por já ter enfrentado um câncer na hipófise, tem o organismo mais fragilizado; ele também é diabético e tem pressão alta, enquanto que a mãe é fumante. Por causa disso, Leal redobra as medidas de proteção: toma banho toda vez, antes de sair do quartel, e, novamente, ao chegar em casa. “A gente se preocupa em ser o vetor de uma doença que pode causar a morte de um parente muito próximo. Eu tenho que ter muito cuidado e zelo com isso”, justifica.

O tenente-coronel Bruno Tempesta, 45, é o atual comandante do Comando Especializado do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBM/DF). Há 27 anos na corporação, ele descreve a situação atual como “totalmente excepcional”. De acordo com ele, além de ter estudado o tratamento de outros países, principalmente europeus, à covid-19, o CBM/DF também projetou diferentes cenários para o doença no DF. A maior preocupação da corporação é haver baixa no pessoal. Assim, todos os profissionais, bem como seus dependentes, recebem apoio médico e psicológico, em caso de infecção.

Recuperados 


Segundo o tenente-coronel, a maioria dos bombeiros recupera-se da doença sem a manifestação de sintomas, ou, apenas, com sintomas leves. Há, no entanto, exceções. O sargento Ezio Teixeira Rodrigues, 48, ficou seis dias internado em uma unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital São Francisco. Começou a exibir os sintomas em maio, e, após uma insistente tosse, procurou atendimento médico. A princípio, ele acreditava tratar-se apenas de bronquite. Com os exames, entretanto, foi diagnosticado com covid-19. Ele apresentava pouco oxigênio no sangue e seu quadro evoluiu para pneumonia. Após sair do hospital, precisou ficar, ainda, 10 dias em isolamento em casa, onde mora com a esposa e dois filhos. Todos contraíram a doença, mas apresentaram sintomas leves.

O sargento Ezio Teixeira Rodrigues ficou seis dias internado em UTI. Começou a sentir os sintomas em maio, após uma tosse

Hoje, já recuperado e de volta à ativa, ele ainda lida com as consequências da doença. “Eu uso a bombinha de asma até hoje e a medicação Aerolin, porque com o uso permanente da máscara, a sua respiração não é 100%. Fico sentindo que o pulmão precisa expandir e não expande”, descreve.

Ele destaca o apoio de sua família como elemento crucial na recuperação, em conjunto com o próprio trabalho. “Só o fato de voltar a trabalhar, a cabeça melhora muito. Você volta a sorrir pra vida. A família fica com o pé atrás, relutando bastante. Mas, eu preciso voltar a trabalhar para ajudar na minha recuperação”, pontua.

Números


Desde 13 março, a corporação teve 509 casos de bombeiros-militares com covid-19. Desses, 398 estão curados e já retornaram aos quartéis. Atualmente, 111 estão afastados do serviço devido à suspeita ou diagnóstico da doença. Felizmente, a instituição não registrou nenhum óbito por covid-19 de funcionário da ativa. Ao todo, são 78 militares escalados diariamente nas 26 ambulâncias da corporação. Dessas, seis são exclusivas para o transporte de pacientes de covid-19.

Enquanto não é desenvolvida uma vacina ou medicamento para a doença, o pedido dos bombeiros é para que a população siga as medidas de proteção e, se possível, ficar em casa. “A gente lida com a vida. Porém, não são todos que a gente consegue salvar. A gente tenta, mas fica a reflexão para pensar no próximo também”, apela o sargento Bruno Leal.

Por outro lado, é preciso manter a esperança de que dias melhores virão. O tenente-coronel Tempesta avalia que a situação atual pode servir de aprendizado, tanto para os bombeiros, quanto para a população, em geral. “A gente nunca viveu isso, e está sendo um baita aprendizado. Espero que a nossa sociedade tome alguma lição e saia, de alguma forma, melhor após esse processo”, anseia Tempesta. Enquanto isso, histórias como a de Ezio são uma inspiração em tempos tão difíceis. “Estamos aí, vencemos a covid. Estamos prontos para ajudar sem olhar a quem. Infelizmente, minha vizinha foi à Recife, contraiu a doença, e não voltou mais. Eu faço esse paralelo, estive do outro lado e consegui voltar. Quantos não conseguiram?”, avalia.

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