Correio Braziliense
postado em 21/07/2020 06:00
Mais de 1 mil moradores do Distrito Federal morreram em decorrência do novo coronavírus. Entre 23 de março e ontem, 1.015 habitantes da capital do país não sobreviveram à covid-19. Para efeito de comparação, o número de mortes em quatro meses é maior do que a soma de vítimas de acidentes de trânsito fatais e homicídios no DF em todo o ano de 2019, quando, no total, houve 692 óbitos em ambas as ocorrências.
A maior parte dos contaminados pela doença é mulher (52,6%), mas a maioria dos mortos pelo vírus é homem, que compõe 57,8% das estatísticas. Pessoas acima de 60 anos e com comorbidades cardíacas aparecem no topo do risco. Ceilândia continua sendo a cidade que mais perdeu moradores, com 232 mortes. Além disso, dados divulgados pela Companhia de Planejamento (Codeplan), no início do mês, mostram que negros correspondem a 53,9% dos pacientes que não sobreviveram no DF. “Quando a minha mãe faleceu, pensei: ‘Amanhã, quando sair o número de mortes pelo coronavírus no jornal, ela estará ali’. E muita gente não consegue perceber o valor dessas estatísticas. Não estão nem aí. Diminuem, dizendo que quem morreu era velho ou tinha comorbidades. Mas ali são pessoas, são famílias inteiras que sofrem”, desabafa Erika Beatriz, 40 anos.
A empresária e a mãe dela, Maria Marta de Farias, 65, são de Taguatinga. A região é a segunda do DF com mais mortes pela covid-19. A paciente morreu há menos de um mês e deixou como marcas a alegria, a energia e a bondade, características ressaltadas por todos que a conheciam. “Ela foi internada no começo de junho, no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), com uma gripe bem forte e baixa saturação. Chegou a ser levada para a unidade de terapia intensiva (UTI) do Núcleo Bandeirante e lutou até o dia 25 (de junho)”, relata Erika.
Sofrimento
Maria Marta tinha hipertensão e doenças pulmonares, mas tinha uma vida ativa antes da pandemia. Participava de atividades na igreja, visitava amigos e passava o tempo com a família. “Quando a gente conversava sobre a morte, eu falava para ela, brincando, que faltaria espaço no cemitério de tanta gente que iria ao enterro. E ela se divertia. Mas tivemos essa perda de uma forma muito diferente, porque perder parente para a covid-19 é muito cruel”, lamenta a filha.
Erika avalia que todo o processo da infecção, desde o estado de saúde grave até o fim trágico, envolve um sentimento diferente de outras doenças ou fatalidades. “É um sofrimento grande do começo ao fim. Fico imaginando o que se passava na cabeça dela no hospital, sozinha, sem poder receber ninguém. Depois, com o falecimento, colocam o corpo dentro de três sacos, lacram o caixão e levam ao cemitério, onde a gente não pode fazer uma missa, colocar flores ou vestir quem amamos com uma roupa especial. É desumano”, lembra Erika.
Nos últimos dias de dona Maria, uma enfermeira pediu para que os familiares enviassem um áudio à paciente pelo celular, para amenizar a distância. Especialistas lembram que não poder ver o ente querido depois da morte dificulta o processo do luto. “Nos casos de mortes pela covid-19, o indivíduo não consegue ver a realidade concreta. Isso pode trazer transtornos psicológicos para os familiares, que estão impedidos daquele ritual típico do velório. Então, há uma dificuldade de entender esse processo natural. Procurar um especialista pode ajudar nesse período doloroso”, recomenda a psicóloga Kátia Araújo.
Outro nome entre os óbitos é o de Hernandes Ribeiro, 45. Funcionário terceirizado da Companhia Energética de Brasília (CEB) e morador de Ceilândia, ele morreu em 4 de julho e deixou mulher e duas filhas. “Ele tinha comorbidades, e a doença evoluiu muito rápido. Com quatro dias no hospital, precisou ser intubado e acabou não resistindo semanas depois”, conta o irmão Daniel Ribeiro, 49.
Para os familiares, não poder se despedir trouxe mais dor. “Só pudemos fazer aquele acompanhamento fúnebre, seguindo o carro com o caixão da capela até o local do enterro. Quando o corpo chega lá, são só cinco minutos que temos para nos despedir, de longe. Isso foi mais um sofrimento para nós”, diz Daniel. Enquanto Hernandes estava internado, a mãe dele, de 77 anos, também lutava contra a doença. “Para ela, está sendo ainda mais difícil, porque ela estava se tratando no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) e só soube do falecimento depois que saiu de lá”, afirma Daniel.
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