Usuários mais vulneráveis da via, os que mais morrem e os que mais ficam incapacitados em decorrência de acidentes, os motociclistas e seus veículos têm merecido especial atenção dos estudiosos da saúde e segurança no trânsito.
Ágil e econômica, a motocicleta tornou-se um fenômeno de vendas e mais que duplicou sua frota em poucos anos. Principal meio de transporte na Ásia, veículo de lazer na Europa e nos Estados Unidos, passou a desempenhar importante papel para a mobilidade pessoal e assumiu relevância, também, como ferramenta de trabalho. Motofrete e mototaxista são profissionais incorporados à nomenclatura trabalhista e se firmaram como instrumentos de preservação da mobilidade nas cidades, quão mais importantes quanto mais atravancados pelos engarrafamentos. Em tempos de pandemia, a atividade que executam tornou-se mais do que essencial, imprescindível.
Apesar de sua importância, os motociclistas não têm merecido reconhecimento e respeito proporcionais à sua disponibilidade e ao risco a que estão submetidos. Uma visita às emergências dos hospitais choca pelo número de jovens vítimas de acidentes com motocicletas ocupando os dispendiosos leitos. São acidentes que demandam forte atenção médica multidisciplinar e prolongado tratamento, sendo a completa recuperação rara, quase sempre gerando sequelas incapacitantes definitivas. Não é incomum que percam a autonomia para os autocuidados, muitas vezes condenados a abdicar de vida social própria.
O exponencial aumento da frota de motocicletas e do número de condutores desse tipo de veículo — somado às características de sua engenharia desprovida de habitáculo protetor e com trajetória de geometria instável — torna o usuário desse modal suscetível aos riscos do trânsito. Ele fica sujeito a impactos para os quais a engenharia darwiniana da evolução não dotou o ser humano de proteção, apesar dos equipamentos de proteção individual naturais, o escudo torácico e o capacete ósseo craniano.
A medicina tem se empenhado em estudar os acidentes de trânsito e, hoje, pode afirmar que eles nada têm de fortuitos ou acidentais. Conviver pacificamente no trânsito exige que tenhamos os demais usuários da via como parceiros de uma mesma jornada: a esperança de que a covid-19 nos leve a compartilhar dignamente os caminhos, portando os valores mais elevados: a ética e o respeito.
Manifestações de motociclistas profissionais estão se tornando frequentes e, basicamente, reivindicam a regularização da relação jurídica estabelecida entre eles e as plataformas digitais, inovação disruptiva que modificou substancialmente o mercado, a ponto de fazer com que a relação entre as partes pareça irreal.
Esta precariedade de vínculo tem demonstrado ser nociva para a saúde dos profissionais motociclistas. Movidos pelo sistema que remunera melhor quem se sujeita à lógica da pressa, passam a assumir riscos que contribuem para a ocorrência de eventos indesejados de trânsito, com lesões e mortes como efeito colateral.