A luta contra o novo coronavírus torna-se ainda mais difícil quando os casos confirmados evoluem e há necessidade de internação na unidade de terapia intensiva (UTI). Esse tem sido o drama de diversas famílias do Distrito Federal, que sofrem, ao mesmo tempo, com a dificuldade de lidar com a doença e com a burocracia pela transferência para leitos adequados. Apenas ontem, em relatório atualizado às 17h pela Secretaria de Saúde, 29 pessoas com suspeita ou confirmação de covid-19 aguardavam vaga de UTI, sendo que 18 estavam em estado grave. Muitas vezes, é preciso recorrer à Justiça para conseguir esse direito. A Defensoria Pública recebeu 61 pedidos de pacientes no mês passado, número crescente desde maio, quando houve 15.
Oito unidades de saúde do DF, entre públicas e particulares, contavam com pelo menos um leito com suporte para hemodiálise ontem, algo necessário em diversos quadros graves. A taxa de ocupação total de leitos de UTI chegou a 85%. Esse cenário fica mais delicado quando as estatísticas se transformam em histórias. O morador de Ceilândia Marcos Alves, 37 anos, perdeu a mãe para o coronavírus após dias de angústia e processos judiciais. “Ela começou a passar muito mal, com aqueles sintomas de como se estivesse gripada e teve perda do olfato. Meus irmãos a levaram ao hospital particular, porque ela tinha um plano de saúde que cobria consultas e exames, mas os médicos disseram que ela estava debilitada e precisava de uma UTI urgente”, conta o agente de operações.
Suporte
Nadir Simplicio, 58, foi intubada, e a família começou a procura por leitos. Na rede pública, Marcos ouviu que precisaria entrar com um pedido de internação pela Defensoria Pública. “Foi uma sensação muito ruim, de impotência. Porque a gente não tinha condição de mantê-la na rede particular, não podia nem ficar perto dela por conta do vírus, os médicos estavam pedindo urgência e a gente em uma correria”, detalha. Quando os familiares foram à Justiça, descobriram que havia 87 pessoas em uma lista de espera para leitos de UTI, segundo Marcos. “A gente via que tinha leito disponível no site da Secretaria de Saúde, mas, na prática, era outra história. Ao mesmo tempo, uma amiga da minha esposa passou pelo mesmo problema com o irmão”, lembra.
Nadir foi transferida, dois dias depois do pedido de urgência, para um leito do Sistema Único de Saúde (SUS) de outra unidade privada. “Essa demora complicou muito. Ela chegou com o coração fraco”, lamentou o filho. “Na semana seguinte, Nadir faleceu. Nessas horas, passa muita coisa pela cabeça. A sensação é de que a minha mãe poderia ter tido outro destino se o procedimento fosse outro. É triste”, desabafa Marcos. Por causa dos dias em que ela passou no primeiro hospital, a família foi cobrada em R$ 21 mil.
Apesar de cada caso ter uma especificidade, especialistas alertam que a demora no atendimento pode ser fatal. “Quanto mais tarde se atende ao paciente, pior será o prognóstico e pior o quadro tende a evoluir”, diz a infectologista Ana Helena Germoglio, do Hospital Brasília. Segundo ela, um leito de UTI não é só uma cama, mas um suporte essencial. “Para pacientes graves, é fundamental, pois envolve toda uma parte física e operacional. Ali, a pessoa recebe a atenção de médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, fisioterapeutas, odontologistas, nutricionistas. Tudo isso é vital”, ressalta.
Pacientes que receberam esse apoio hoje são gratos pela vida. Marcos Antônio Lima, 49, hoje está em casa, em Ceilândia, curado da covid-19, mas também precisou aguardar a liberação de leito. “Dei entrada na emergência em 24 de junho, fui examinado e constatou-se que o meu quadro era gravíssimo. Eu estava com 69% de saturação, febre de mais de 38 graus e vômitos constantes. A indicação era de internação em UTI imediatamente, com risco de morte”, contou o professor. Sem leito disponível, os familiares acionaram a Defensoria Pública. A irmã Marilda Lima, 46, descreve a espera como um “dia de pânico”. “Consegui abrir o pedido pela Defensoria Pública às 17h e só finalizou às 22h. Fiquei a noite inteira acordada, sabendo que ele estava em estado grave e poderia não resistir”, relata.
Até conseguir o leito, Marcos sofreu. “O mundo passou pela minha cabeça. Vida, morte, tudo. Mas o que mais me mantinha na luta era o meu filho, de 11 anos, que ainda precisa muito de mim. Era a principal força da minha vontade de vencer aquele momento”, diz. O leito foi disponibilizado após 26h. O ápice da gravidade surgiu quando Marcos ficou com 75% dos pulmões comprometidos. Mas os cuidados na UTI reverteram o quadro. “Se não fosse isso, eu não estaria contando a minha história. Devo a minha vida a Deus, à minha esposa, à minha irmã, a toda a minha família, amigos, conhecidos e até desconhecidos, que ajudaram a entrar com pedido na Justiça”, agradece.
Critérios
A Secretaria de Saúde informou, em nota, que “os leitos de UTI são regulados pelo Complexo Regulador, que funciona 24 horas, seguindo critérios clínicos, priorizando os casos de acordo com a gravidade”. A pasta acrescenta que “um dos objetivos da central é direcionar o paciente ao leito com suporte necessário o mais breve possível”. A nota ressalta que há pacientes que precisam de leitos específicos, como suporte de hemodiálise.
“A SES tem aumentado, gradativamente, o número de leitos para covid-19 com suporte de ventilação mecânica. O DF conta com 657 leitos, sendo 128 vagos. Também foi feito um acordo com a rede privada, garantindo mais 35 leitos de UTI. Na segunda-feira, foi inaugurado o hospital modular anexo ao HRC, com 73 leitos para a covid-19. Por fim, as obras do hospital de campanha na Ceilândia também tiveram início nesta semana, com prazo de término de 60 dias e 60 leitos”.