Cleidy Crisóstomo é gerente da equipe de enfermagem do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), unidade de referência no tratamento da covid-19. Ao CB.Saúde, programa exibido na TV Brasília em parceria com o Correio Braziliense, ela contou sobre os desafios de ser uma profissional de saúde durante esta pandemia. “Quebramos a cabeça, sofremos muito, mas hoje o fluxo e os protocolos estão bem montados. É exaustivo cuidar do paciente com a covid-19, mas nós estamos vencendo”, disse. Cleidy contraiu o novo coronavírus e se recuperou, mas segue hospedada em hotel oferecido aos profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate ao vírus pelo Governo do Distrito Federal (GDF). O objetivo da medida é evitar a infecção de familiares. “Tenho filha, pais, família e amigos. É muito desgastante emocionalmente. Tem que ter muito apoio para superar. Os 14 dias (doente) não foram fáceis. Nesse período, eu só saí duas vezes para ir ao Hran fazer exames. Fiquei totalmente isolada no quarto.”
Como foi receber o diagnóstico de covid-19?
Foi assustador, tive medo, mas eu sou muito confiante e tenho fé em Deus. Foi como perder o chão. Eu estava trabalhando e tive perda do paladar, olfato e dor na lombar. Quando fui fazer um exame, o teste deu positivo. Como eu tinha hérnia de disco, fiquei confusa, sem saber se poderia ser a hérnia ou não. Só que, quando amanheci sem paladar, eu testei e confirmei o positivo para covid-19.
Você é gerente da equipe de enfermagem do Hran, hospital referência para covid-19 no DF. Como foi a preparação da equipe para esse momento especial?
No início, nós apanhamos muito. Porém, o Hran participou dos programas de treinamento e montou o comitê de crise. Com esse comitê, nos preparamos para o boom, mesmo sem ele ter chegado. Então, esse momento foi bem organizado. Quebramos a cabeça, sofremos muito, mas, hoje, o fluxo e os protocolos estão bem montados. É exaustivo cuidar do paciente com covid-19, mas nós estamos vencendo.
Você estava no hotel quando recebeu o diagnóstico?
Estava e a parte mais difícil foi o isolamento social. Tenho filha, pais, família e amigos. É muito desgastante emocionalmente. Tem que ter muito apoio para superar. Os 14 dias não foram fáceis. Nesse período, eu só saí duas vezes para ir ao Hran fazer exames, fiquei totalmente isolada no quarto. Fazia as refeições no quarto, e até a limpeza eu que fazia. O hotel me deu todo o suporte.
Quando chegou o diagnóstico, você teve medo?
Sim, a gente não sabe como o organismo vai reagir ao vírus. Eu tive 30% de pneumonia, mas não tive cansaço nem febre e tosse. O paciente com covid-19 reage muito rápido e pode ser intubado. Graças a Deus eu não passei por isso. Mas, tive medo, sim, com certeza.
E como foi quando você teve a chance de rever a sua filha de 10 anos, depois de superar a doença?
Foi muito emocionante. Tanto a Joana (filha) quanto a minha mãe, a quem sou muito ligada. Eu queria ter filmado o momento em que a Joana chorou, mas eu tava com tanta pressa para ver minha filha e minha mãe que eu não tive nem tempo para fazer essa gravação. Foi muito gratificante. Todos os dias eu agradeço a Deus por ter vencido e por estar aqui, na batalha, junto aos meus colegas.
Como está a união dos colegas? Uniu mais a equipe este momento de dificuldade extrema?
Com certeza. A gente fala que, hoje, não tem mais médicos e enfermeiros, quem está no plantão está unido. É um momento em que o mundo nos conheceu profissionalmente. Nós já éramos heróis todo dia, e este momento veio para acrescentar.
Os profissionais de saúde sempre contam com uma gratidão, principalmente de quem é atendido e sai do hospital com lembranças. Na pandemia, esse reconhecimento aumentou. Como vocês recebem isso?
O paciente não tem acompanhante, então ele está muito ligado a nós, profissionais. A enfermagem é amor. Eu sempre falo para os meus colegas de guerra: “A gente trabalha por amor”. Nós não sabíamos o que esta pandemia ia nos trazer. Ela nos uniu para trabalhar. O mundo vê a enfermagem e a saúde com outro olhar. A gente faz, realmente, por amor. Eu sempre cuidei do paciente pensando que poderia ser alguém da minha família. Na verdade, eu escolhi minha profissão graças à minha mãe. Ela foi muito bem-tratada quando esteve no hospital e disse que queria ter uma filha enfermeira. Abracei e amei a causa e estou com ela até hoje.
Como vocês do Hran estão se sentindo em relação à capacidade de atender aos pacientes da covid-19?
É um assunto muito complexo, mas nós, do Hran, temos uma estrutura boa montada. O hospital de campanha veio para nos ajudar e fortalecer. Em termos de leitos, estamos tranquilos, mesmo depois de todo o sofrimento e luta. Exames e altas estão mais rápidos dentro do Hran.
Nessa estrutura que vai desde o pessoal da limpeza até os médicos especialistas e intensivistas de UTI, qual é o principal papel dos enfermeiros e dos técnicos de enfermagem na pandemia?
Todo enfermeiro é meio psicólogo, gestor e educador. O enfermeiro tem um papel muito grande, de ser o professor, o condutor. Nós orientamos as equipes, cuidamos da higienização e da paramentação dos profissionais. Temos que estar focados nisso o tempo todo. Não posso tirar o mérito de ninguém, todos são importantes. Nesta pandemia, tem que ter a equipe completa. A enfermagem está, ali, com a mão na massa, mas a equipe toda é muito importante.
Tem gente que não está com medo da doença. O que você diria para essas pessoas?
Tem que ter medo. Porque não sabemos como a doença vai reagir no organismo de cada um. E, há os pacientes que têm outras patologias. Tem que ter medo, sim, da covid-19, tem que se cuidar, tem que usar máscara, tem que ficar no isolamento, tomar cuidado com a higienização das mãos.
Há alguma dica que você daria de situações vistas no hotel e que as pessoas podem levar para casa?
Como o hotel tem toda uma estrutura montada, nós seguimos a risca o protocolo. Chegar, lavar a mão, não entrar sem máscara e medir a temperatura. No hotel, temos toda essa segurança. Em casa, é preciso continuar lavando as mãos, usando máscara, evitar sair o máximo que der, principalmente os idosos e quem tem alguma doença prévia. A doença é misteriosa e pega muita gente de surpresa. Levou muita gente embora, inclusive um colega meu do Hran.
Exato. Vocês também tiveram perdas na equipe.
Sim. Eu queria muito não perder ninguém da minha equipe, sempre foi o meu objetivo. É minha oração diária. O Hiran (enfermeiro vítima da covid-19) era da minha equipe e foi uma perda muito grande. Trabalhei com ele 10 anos. E, não foram só nós que sofremos perdas. Quantos profissionais morreram, quantas mães, quantos pais, quantos filhos, quantos amores?
Você superou a doença, mas continua se cuidando e se mantendo longe da família. Como tem sido sua experiência de continuar tomando cuidado com a família mesmo depois de ter tido a covid-19?
Eu continuo tomando todos os cuidados, porque não temos nada concreto. Eu posso não ter de novo a doença, mas posso pegar na porta de uma UTI ou na mão de um colega e levar o vírus para alguém. Então, temos esse risco. Por isso, tomo todas as precauções, uso os EPIs (equipamentos de proteção individuais), ando sempre de máscara, fico afastada da família o máximo que consigo, faço testagem a cada 15 dias. Todo o cuidado continua. Quem teve covid-19 não tem essa segurança. Ainda fazemos acompanhamento com o pneumologista do ambulatório.