A lojista entrou em contato com a Cigana Milena em junho, após o perfil da acusada surgir nas indicações do Instagram. “Eu estava em um período muito difícil da minha vida, realmente abalada emocional e psicologicamente. Inclusive, prosseguia com tratamento psiquiátrico Então, quando vi o anúncio de que ela poderia ajudar, pensei que seria uma nova saída para a minha condição”, conta.
Na redes sociais da suspeita, pelas postagens, é possível ver que ela se mostra como adepta de religiões de matriz afrobrasileira e espiritualista. Oferece trabalhos de amarração amorosa, cura espiritual e prosperidade financeira. “Ela realmente parece uma pessoa séria. Então, quando eu relatei a minha situação, fui informada que precisava de ajuda, que tinham feito um trabalho (destrutivo) para mim, que precisaria ser desfeito”, relata a vítima.
A Cigana Milena afirmou que o valor do serviço seria de R$ 1 mil. “Eu depositei o valor. Depois, ela passou a me ligar, dizendo que eu tinha um dinheiro na minha conta e que estava amaldiçoado e, por isso, necessitava ser benzido. Fiquei reticente, mas ela foi muito insistente e começou a dizer que, se eu não fizesse esse trabalho, poderia sofrer um acidente de carro que me deixaria tetraplégica ou que resultaria na minha morte”, detalha.
“Como não concordei, as ligações se tornaram ainda mais intensas. Dizendo que, se não fizesse o benzimento, isso custaria a minha vida e da minha família. Como já estava muito desestruturada emocionalmente, fiquei assustada e com medo. Não sabia o que fazer e, então, realizei as transferências para o suposto benzimento. Eu realmente acreditei que o aquelas coisas poderiam ocorrer e que ela ia devolver os valores”, acrescenta a mulher.
Cerca de 14 dias após as transferências bancárias, que totalizaram R$ 82 mil, a suspeita mudou o tratamento com a vítima. “Ela passou a dizer que não poderia me devolver o dinheiro, porque os Orixás não permitiam. Continuei insistindo, mas não consegui recuperar a quantia. E ela postando fotos ostentando com o marido e filhos, sem se importar comigo ou com as demais vítimas, que ficaram sem nada”, lamenta.
Início de um pesadelo
"Foi como se meu chão tivesse caído", afirma a lojista sobre a sensação do momento em que percebeu que tinha sido vítima de um golpe de estelionato. "Não consigo comer ou dormir direito, preocupada com a situação. Fico me perguntando como que pude me deixar ser enganada e me sentir ameaçada por essa mulher. Esse dinheiro sequer era meu, tinha sido um empréstimo para ajudar a minha família financeiramente nesse momento.”
Ao confirmar o golpe, a mulher procurou a 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro) para registrar a ocorrência, em 30 de junho. No local, prestou depoimento e detalhou todo o caso. A reportagem entrou em contato com o delegado-adjunto Zander Pacheco. Por telefone, o investigador informou que, pela suspeita ser oriunda de São Paulo (SP), o caso deverá seguir para apuração no estado da região Sudeste.
O Correio entrou em contato pelas redes sociais com a suspeita de estelionato, mas não obteve retorno até a mais recente atualização desta reportagem.
Perfil espiritualista
Nas redes sociais, Cigana Milena se autointitula uma pessoa espiritualista e realiza postagens relacionadas às religiões afro brasileiras. Em postagem realizada nos stories do Instagram, ainda na terça-feira (14), a acusada realizava a divulgação dos supostos trabalhos religiosos.
“Olá, meus filhos de fé. Faço e desfaço qualquer tipo de trabalho. Sou especialista em união de casais. Trabalho com cartas, búzios e tarot. Se você precisa de auxílio espiritual e necessita de ajuda, se você não vê mais sentido para a sua felicidade, me procure agora mesmo. Eu, Cigana Milena, posso te ajudar a prosperar e recuperar tudo aquilo que você perdeu, e tudo aquilo que você mais quer. Nunca se esqueça, você merece ser feliz e ter uma vida próspera, cheia de amor, alegria e muita prosperidade”, garante a suspeita de estelionato.
No site Reclame Aqui, há seis depoimentos de pessoas que desaprovam o serviço realizado pela Cigana Milena. Os relatos indicando os golpes na plataforma ocorrem desde 21 de maio deste ano. As vítimas são de Campo Bom (RS), Salvador (BA), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), São Luís (MA) e Pau-d'Arco (PA).
A indicação de “cigana” no nome faz referência à entidade que se manifesta na Umbanda, mas também em algumas casas de Candomblé — locais que tratam com seriedade a religiosidade —, e não ao povo cigano.
O Correio entrevistou Rafael Moreira, presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno. Ele destacou que apesar da acusada se auto denominar praticante da religiosidade afro brasileira, “para ser sacerdotisa, não basta se auto intitular. É preciso anos para se tornar um sacerdote, os pais e mães de santo. Pedimos, a quem procurar um atendimento espiritual, que busque a Federação, que indicaremos casas que têm o verdadeiro compromisso com o espiritual. É muito prático alugar uma sala no Setor Comercial Sul, por exemplo, fechar e mudar, após realizar os golpes. O terreiro, não”, explica.
Veja a entrevista na íntegra: