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Relatos e desabafos contam a batalha dos profissionais das UTIs na pandemia

O Correio detalha como funciona e quem são os responsáveis pelo setor reservado para pacientes graves, com risco de morte e em situação instável. Ala bem-equipada e atendimento rápido podem salvar a vida de uma pessoa

O silêncio do ambiente interrompido pelo som de aparelhos, algumas conversas e passos no corredor. O cenário se une à complexidade do trabalho diário nas unidades de terapia intensiva (UTIs). “Geralmente, o que vem na nossa cabeça é que a pessoa na UTI está muito mal, que ela vai morrer. É uma concepção errada. Ali, não é o lugar onde a pessoa deveria passar seus últimos momentos. É um lugar, sim, para o paciente crítico, grave, mas recuperável e onde há uma assistência mais intensa tanto na quantidade maior de equipamentos voltados para esse paciente quanto com uma equipe especializada, com profissionais diferenciados, para um atendimento mais próximo, que traga segurança à pessoa internada”, detalha o presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-DF), Marcos Wesley Feitosa.

Em meio à pandemia do novo coronavírus, os olhares voltaram-se para as unidades de terapia intensiva (UTIs). As medidas de distanciamento e isolamento social, tomadas por governadores e recomendadas por autoridades de saúde, tinham, como um dos principais objetivos, o ganho de tempo para preparar leitos de UTI suficientes para atender aos pacientes graves acometidos da doença. Com o avanço da disseminação e do contágio do novo vírus, as estatísticas de ocupação dos leitos passaram a ser monitoradas diariamente, bem como a cobrança e o anúncio da aquisição de ventiladores e respiradores.

Isso porque, entre os sintomas mais comuns da covid-19, está justamente a dificuldade respiratória. Além disso, de acordo com o médico intensivista e presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira regional DF (Amib/DF), Rodrigo Biondi, apesar de 85% das pessoas desenvolverem uma forma mais leve da covid-19, 5% ficam graves. “E, desses 5%, a mortalidade é relativamente alta”, detalha.



De acordo com dados da sala de situação da Secretaria de Saúde, o DF tem, no total, 627 leitos para pacientes com covid-19 com suporte de ventilação mecânica. Destes, 160 estão vagos, ou seja, 26% do total. Segundo a infectologista Valéria Paes Lima, o mais importante em uma UTI é garantir atendimento imediato ao paciente. “Se ele tiver qualquer piora clínica, isso é percebido rapidamente. Em caso de alguma intercorrência, é possível realizar, em um curto espaço de tempo, o tratamento adequado”, explica. Para isso, são utilizados diversos equipamentos e materiais, que permitem tanto a monitorização contínua do estado de saúde do acamado quanto o uso deles para estabilização do quadro clínico.



Conforme a Resolução nº 7, de 24 de fevereiro de 2010, publicada pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), UTI é uma área crítica, destinada à internação de pacientes graves, que requerem atenção profissional especializada de forma contínua, materiais específicos e tecnologias necessárias ao diagnóstico, monitorização e terapia. Os leitos são a ponta do iceberg, como descreve Farid Buitrago, presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM/DF). “Por trás, tem uma série de suportes para implementar todas as medidas necessárias para a recuperação da saúde do paciente, pessoal qualificado e monitoramento constante para dar suporte de vida à pessoa que está passando por uma situação difícil”, ressalta.

O responsável técnico de uma UTI deve ser especialista em medicina intensiva, como regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em abril. “Diferentemente de outras especialidades, que a gente se dedica a um órgão ou sistema do corpo, estudamos todos os sistemas no paciente grave ou com risco de ficar grave. Nas outras formações, os profissionais cuidam de pessoas não graves, mas também são atentos às situações de prevenção e manutenção da saúde. Enquanto isso, o intensivista foca na fase mais aguda”, revela Biondi. No entanto, o médico intensivista na UTI é como se fosse um maestro dentro de uma equipe multidisciplinar.



Sobrecarga


Enfermeiros preocupados com o melhor cuidado; fisioterapeutas atentos aos parâmetros do respirador e ansiosos para tirar o paciente do leito; farmacêuticos atentos às possíveis interações medicamentosas; nutricionistas empenhados em atingir as metas calóricas do paciente; psicólogos analisando o cenário familiar; fonoaudiólogos analisando os riscos da alimentação; e técnicos em enfermagem com olhar atento à organização do leito. “Turno 24 horas, equipe multidisciplinar com, no mínimo, enfermeiro, fisioterapeuta, técnico de enfermagem, farmacêutico, psicólogo e odontólogo e monitorização são as características mais fortes na medicina intensiva”, conta o médico Rodrigo Biondi.

Para atuar em uma unidade de terapia intensiva, é necessário preparo. “Para ser esse maestro, você precisa de um treinamento muito intenso”, comenta Biondi. Além de todos os cuidados com a saúde, o dia a dia envolve decisões críticas. “O ideal é que esses ambientes sejam ocupados por profissionais que estudaram um pouco a mais de forma específica. Mas, na realidade, o que a gente vê não é isso. São profissionais generalistas que vão aprendendo no dia a dia. Não é que seja errado, mas o ideal é que esse serviço fosse ocupado por profissionais especialistas. Esse aprendizado também sobrecarrega quem já atua na área”, complementa o presidente do Coren-DF.

Paixão e desafio

A enfermeira Gláucia Gimenes, 43 anos, não teve dúvidas na área em que se especializaria. “Sempre gostei da terapia intensiva. Na UTI, por ser um ambiente mais crítico, seguro e controlado, é possível fazer um planejamento e direcionar para onde o paciente vai. Consequentemente, isso te dá maior autonomia, e o ambiente é bastante dinâmico”, avalia. Há 18 anos na área, Gláucia não se arrepende da decisão. “Não me vejo fazendo outra coisa. Parece pesado — e é —, mas é onde consigo dar o meu melhor. Como se eu apresentasse a minha melhor versão de quem eu posso ser para o paciente naquela hora”, relata.



Apesar da paixão, lidar com o emocional é um dos desafios. “O peso da responsabilidade é muito grande. Qualquer erro, para mais ou para menos, custa a vida do paciente. Além disso, são vários perfis de tratamento, e o clima de confinamento agrega um pouco mais de peso no emocional. Você lida com o pior e o melhor dia do paciente, que é a entrada e a saída dele. É uma balança emocional muito grande de muitos altos e baixos”, explica Gláucia.

Pollyana Barbosa de Lima, 30, queria ser jornalista desde pequena, mas acabou se formando em fisioterapia e, dentro do curso, nasceu o interesse pelo cuidado intensivo. Desde 2013, quando fez a residência, ela atua na área. “Ver os pacientes mesmo. A vitória deles é a minha vitória. É muito bom participar disso. E, em UTI, é o momento em que estão mais vulneráveis e precisam da gente. Então, cada pequena melhora é um grande ganho”, conta.
 
 

Dentro de uma unidade de terapia intensiva, o papel do fisioterapeuta é, principalmente, promover, restaurar e preservar a funcionalidade ao paciente. Fisioterapia respiratória, cardiovascular e em terapia intensiva são as principais áreas. “Ela visa o tratamento de uma forma integral”, acrescenta Pollyana. Com a equipe médica, ela conduz ajustes nos parâmetros de ventilação mecânica invasiva e não invasiva, atua para evitar o mínimo de lesões possíveis, para que o paciente tenha um retorno mais rápido, o que ajuda, inclusive, na liberação de leitos.

Adaptação

Com a chegada do novo coronavírus, Pollyana percebeu um número maior de casos no hospital onde atua. Lá, a fisioterapeuta não trabalha especificamente com uma estrutura de UTI, mas em um espaço para que o paciente possa ser estabilizado e aguarde uma vaga de leito de UTI. “Com a adaptação de outras unidades hospitalares, como o Estadio Nacional Mané Garrincha, tentamos manter um fluxo de pacientes, mas os da covid não são de resolução rápida. Necessitam de um pouco mais de tempo. Como dependem de oxigênio e ventilação mecânica, não tem como ter uma rotatividade tão alta”, comenta. Sem falar nos pacientes que procuram a unidade de saúde e precisam do atendimento, mas não estão contaminados pelo vírus.

Diante do agente infeccioso novo, os processos vão amadurecendo com o decorrer das dinâmicas de trabalho. “Cada dia a gente vai se adaptando um pouco mais, surgem novas evidências. O princípio básico, de manter a função respiratória com o mínimo de lesão possível, de maneira gentil, se mantém. Mas é um aprendizado contínuo”, diz. 

Arquivo Pessoal - mulher sorrindo
Arquivo Pessoal - mulher com braços cruzados
Arquivo Pessoal - homem com máscara
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