A Justiça acatou ontem à noite recurso apresentado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) e derrubou liminar que suspendia a reabertura de escolas, bares, restaurantes e salões de beleza na capital federal. Ao analisar a ação, o desembargador do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) Eustáquio de Castro considerou que “não se vislumbra vício no elemento motivo do ato impugnado, pois, embora decretado o estado de calamidade pública, tal situação não retira do administrador a capacidade de decidir os aspectos técnicos da saída do cerco sanitário”. Com isso, a retomada das atividades segue o que determinava o Decreto nº 40.939, liberando novamente escolas, em 27 de julho (rede particular) e em 3 de agosto (pública); bares e restaurantes, em 15 de julho; e, desde já, academias e salões de beleza.
Na avaliação do magistrado, a situação de calamidade tem como objetivo dar ao governo mais “recursos e flexibilizações fiscais para garantir a ampliação do serviço público de saúde”. “Assim, em resumo, concluo pela impossibilidade de o Poder Judiciário interferir no mérito da abertura das atividades econômicas e demais medidas para criação de isolamento social, cabendo ao chefe do Executivo sobre elas decidir, arcando com as suas responsabilidades”, determinou.
Castro continua a sentença, dizendo que a “interferência judicial provoca insegurança jurídica, desorientação na população e, embora fundada na alegação de atendimento ao bem comum, pode justamente feri-lo”. Esclareceu ainda que, ao acatar o recurso, não julgou se a reabertura do comércio e de parques, por exemplo, é adequada ou responsável. Apontou apenas a competência do governador para decidir sobre as questões, “arcando com seu custo político”.
Disputa
A derrubada da liminar, às 21h20 de ontem, é mais um capítulo da guerra travada entre o GDF e a Justiça. As ações de combate ao novo coronavírus no Distrito Federal seguem em atualizações constantes diante de impasses por decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública do DF. Salões de beleza e academias, que retomaram as atividades na terça-feira, por exemplo, não puderam reabrir as portas na quinta-feira. Os parques, fechados ontem pela manhã, voltaram a ser liberados com um decreto no mesmo dia, assinado à tarde.
Para especialistas, esse é um momento em que conflitos entre setores, e até entre a população, vão na contramão do que é preciso ser feito para combater o avanço da pandemia. “O caso do DF tem de ser tomado com um cuidado social grande, porque há embates entre órgãos, que geram uma polarização nociva para a própria população. Só se controla uma epidemia com ações conjuntas, que envolvem todos”, avalia Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
O pesquisador também faz um paralelo entre reaberturas e a curva de contaminação, lembrando quais são as determinações específicas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a liberação de atividades comerciais. “A OMS só recomenda abertura com indicadores de casos, internações e óbitos controlados, caindo por, no mínimo, três semanas. Assim que países europeus estão saindo do isolamento. O que fazemos aqui é uma quarentena, meia boca, que salvou muitos, mas não foi suficiente para conter a pandemia”, opina.
Alguns infectologistas defendem, ainda, o equilíbrio entre o isolamento total e as retomadas imediatas, como Alexandre Cunha, vice-presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal. “O ideal seria um meio termo, com circulação moderada de pessoas e de vírus, suficiente para o sistema de saúde absorver, de modo que a imunidade coletiva fosse se desenvolvendo sem colapsar esse sistema”, pontua. Alexandre lembra que, quanto mais intensa for a circulação de pessoas nos comércios, maior será o número de infectados. E, se esse aumento de casos for rápido demais, o sistema de saúde pode entrar em colapso. “Temos de ter um balanceamento entre o distanciamento total, que demoraria muito para gerar a imunidade de rebanho e perpetuaria essa situação indefinidamente, e uma liberação muito extensa”, ressalta.
Leitos
Sobre a retomada dos setores, a Secretaria de Saúde informou ao Correio que “não se espera um impacto significativo dessa abertura na curva epidêmica, pois ela pode ocorrer em um período em que a transmissão deve estar em um nível muito inferior ao atualmente registrado”, destacando que esse monitoramento é dinâmico e pode causar mudanças, como o fechamento em Ceilândia e Sol Nascente (leia reportagem na página 18). Quanto a volta às aulas, a rede pública deve retornar em 3 de agosto, mas apenas para reunião de professores e planejamento de atividades pedagógicas. Os colégios privados deverão seguir os próprios cronogramas, a partir de 27 de julho.
A Secretaria de Saúde esclareceu, ainda, que realiza monitoramentos diários da pandemia desde março, com o estudo de cenários e projeções, e que a oferta de leitos analisada é maior do que a estimativa de pacientes que precisam desses cuidados. “O pico da pandemia iniciou a partir do último fim de semana, atingindo um platô, que vem tendo continuidade durante esta semana, como ocorrido em outras unidades da Federação. Essas projeções têm indicado que o número de pacientes que demandariam atendimento hospitalar, incluindo em leitos com suporte ventilatório, seria inferior à projeção da oferta de leitos na rede pública e privada para esta fase”, informou, em nota.
A pasta acrescentou que o DF atravessa o auge da pandemia com taxa de ocupação em leitos com suporte ventilatório em torno de 80%, mas que o número está dentro de um limite esperado, pois o total de óbitos em relação ao de casos tem sido um dos menores do país, entre 1,2 e 1,3%, “embora sempre a ocorrência das mortes nesta pandemia seja um fato que deve ser lamentado”.
Principais normas
Principais normas
11 de março
» O Decreto nº 40.509 suspendeu as aulas das redes pública e privada. Também proibiu eventos, como shows e competições esportivas. Bares e restaurantes devem manter distância de dois metros entre as mesas
18 de março
» O de nº 40.529 fechou parques, zoológico, casas noturnas e suspendeu atendimento ao público em shoppings
19 de março
» O de nº 40.539 suspendeu, até 5 de abril, atividades em bares, restaurantes, lojas de conveniência e afins, podendo funcionar apenas por delivery. Proibição de cultos, missas e eventos religiosos
23 de abril
» O de nº 40.648 determinou o uso obrigatório de máscaras no DF, medida válida a partir de 11 de maio
16 de maio
» O de nº 40.777 autorizou a reabertura de lojas de roupas, calçados, extintores e serviços de corte e costura
22 de maio
» O de nº 40.817 liberou a reabertura de shoppings e boa parte dos estabelecimentos comerciais, sob horário restrito
30 de maio
» O de nº 40.847 autorizou a reabertura dos parques, assim como cultos, missas, e rituais religiosos
3 de junho
» O de nº 40.851 libertou atividades culturais coletivas em estacionamentos, desde que as pessoas permaneçam nos veículos
14 de junho
» O de nº 40.882 autorizou a reabertura de feiras permanentes, feiras livres, feiras populares e afins, a partir de 17 de junho
26 de junho
» O de nº 40.924 declarou estado de calamidade pública no Distrito Federal
2 de julho
» O de nº 40.939 liberou toda atividade comercial, industrial e educacional presencial. Academias, salões de beleza, barbearias, esmalterias e centros estéticos também foram autorizados a funcionar a partir de 7 de julho; bares e restaurantes, a partir de 15 de julho; e escolas, a partir de 27 de julho
8 de julho
» Suspensão do Decreto nº 40.939 e vigência do de nº 40.817. Por decisão liminar da Justiça do DF, foi determinada a suspensão de atividades educacionais presenciais, academias, salões de beleza, barbearias, esmalterias e centros estéticos, além do retorno de bares e restaurantes