Dois dias após ser internado em unidade de terapia intensiva (UTI) por causa de uma picada de cobra naja, o estudante de medicina veterinária Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkuhl, 22 anos, saiu do coma e tornou-se peça-chave de uma investigação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). A suspeita é que o jovem esteja envolvido em um grupo ilegal de pesquisas e estudos de animais exóticos. Por criar a cobra naja em casa — o que é proibido por lei — o jovem foi multado em R$ 2 mil pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ele teria sido atacado pela serpente na própria residência, no Guará 2.
Ontem, o Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) apreendeu 16 cobras em uma chácara no núcleo rural Taquara, em Planaltina, sendo 10 delas exóticas, isto é, vindas do exterior, e seis nativas do Brasil. A suspeita é de que a naja tenha saído do mesmo local. Segundo informações da Polícia Militar, uma denúncia anônima ajudou a encontrar o local.
Todas as cobras estavam em caixas individuais, escondidas em uma baia de cavalo. As serpentes foram levadas para a 14ª Delegacia de Polícia (Gama), unidade que conduz as investigações, e, de lá, para o Zoológico de Brasília. Durante as apreensões, a equipe do BPMA encontrou duas caixas vazias. A suspeita é de que, em uma delas, haveria outra cobra de espécie naja, segundo informou o proprietário da chácara, que também é estudante de medicina veterinária e amigo de Pedro. Aos policiais, o homem informou que outro colega deles estava com as cobras e as levou para a chácara. “São várias espécies muito bonitas, e que não são nativas da fauna brasileira. Isso nos preocupa, porque está havendo algum tipo de contrabando, tanto internamente, vindas do Amazonas, como externamente, de outros países para cá”, declarou o major Elias Costa.
O analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Marco Freitas compareceu à delegacia para identificar as 16 espécies encontradas. Dez delas são norte-americanas, que fazem parte do grupo pinheiro e milho, e seis são nativas do Brasil (três jiboias, duas periquitamboia e uma cascavel). “Basicamente, o maior problema da espécie exótica é que não há predadores naturais. Então, a consequência delas estarem em solo brasileiro é extinguir as espécies nativas, por predação ou competição”, destacou.
Segundo Ricardo Bispo Farias, delegado-adjunto da 14° DP, colegas de Pedro, que também são estudantes de medicina veterinária, prestaram depoimento. “São pessoas que, de acordo com o relato, se identificam em buscar a estudar esses animais. Nesse grupo, inclusive, haveria até um presidente, mas que o proprietário das serpentes seria o Pedro. A partir daí, surgem diversas questões, como o envolvimento de jovens na criação e colocação de animais exóticos em experimentos e pesquisas não autorizadas”, frisou.
A polícia investigará, ainda, se há a participação ou apoio da instituição de ensino onde Pedro estudava, nas supostas pesquisas. O delegado ressaltou que uma das testemunhas relatou acreditar no esquema de venda de animais exóticos. “Precisamos saber quem retornou com essas cobras, se estavam na residência do jovem, quem teria colocado as serpentes na chácara. Tudo isso será investigado”, disse.
Além disso, a apuração segue para saber a procedência dos animais. “Vamos investigar se essas cobras foram introduzidas por traficante de animais ou se há algum criador clandestino instalado”, pontuou.
Contradições
Algumas questões ainda precisam ser esclarecidas. A informação inicial é de que Pedro Henrique teria sido picado em casa, no Guará 2. O veneno da naja, da espécie kaouthia, é capaz de matar um ser humano em 60 minutos. Mesmo assim, o jovem foi levado ao Hospital Maria Auxiliadora, no Gama, a cerca de 40 minutos de onde ele mora.
No entanto, a polícia ainda não conseguiu confirmar o local de ataque. Segundo o delegado, após a repercussão do caso, um colega do jovem teria ido até a chácara, em Planaltina, na mesma noite do ataque, buscar a cobra. Em seguida, ele teria largado o animal nas proximidades do shopping Pier 21 e acionado a polícia. Na deixa, os demais colegas esconderam as outras serpentes na baia de cavalo, na chácara em Planaltina. A polícia desconfia da versão dos amigos. “Durante as diligências, tivemos uma certa dificuldade em localizar o animal, porque houve dificuldades em obter informações, tanto com a família quanto com os amigos”, destacou o investigador.
Recuperação
Na tarde de ontem, Pedro Henrique acordou do coma induzido. O Correio apurou que ele não está mais entubado e já conversa, tendo, inclusive, agradecido à equipe médica pelo trabalho. Ele segue internado em unidade de terapia intensiva (UTI), onde deve permanecer por, pelo menos, mais 48 horas.
Por causa do veneno, ele desenvolveu uma necrose no braço, além de lesões no coração. O tratamento foi feito com soro antiofídico específico da espécie, trazido ao DF diretamente do Instituto Butantan, em São Paulo, uma única dose disponível. Outras dez doses preventivas foram importadas dos Estados Unidos.
O que diz a lei
A legislação brasileira permite a criação de serpentes como animais
de estimação, contanto que não sejam peçonhentas. Cobras
do tipo só podem ser criadas para fins comerciais, no caso de
instituições farmacêuticas, ou com intuito de conservação, ou
seja, quando o animal não pode voltar à natureza. Para isso, o interessado deve solicitar autorização ao órgão ambiental estadual (no Distrito Federal, o Instituto Brasília Ambiental) e seguir regras
para a criação, como mantê-la em local apropriado. Também
é proibido criar, manter e alojar animais selvagens da fauna
exótica (não natural do cerrado) no DF, salvo exceções previstas
em lei. Em 2002, o Ibama proibiu novas autorizações para criadouros comerciais de répteis, anfíbios e invertebrados, com
objetivo de produzir animais de estimação. A decisão baseou-se
nos riscos de intoxicação e ferimentos, bem como abandono e fuga de bichos.