Eles estão sempre prontos a estender as mãos e cuidar de quem mais precisa. Na hora do sufoco, são os profissionais da saúde que encaram as rotinas intensas e colocam-se na linha de frente para salvar vidas. Com a chegada do novo coronavírus ao Distrito Federal, médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e tantos outros da área sentem o peso e a responsabilidade de amparar pacientes e familiares. Mas eles também precisam de cuidados e buscam o apoio psicológico para manter a saúde mental equilibrada.
A ajuda de uma assistente social e de uma psiquiatra tem sido fundamental para a enfermeira Renata Oliveira, 35 anos. Há um mês, ela lida quase que diariamente com pacientes de covid-19. “Os cuidados são muito individualizados. Alguns precisam de medicamento o tempo todo”, detalha. De modo geral, ela se diz forte, mas, lidar com a morte e com a forma como os familiares encaram o luto não tem sido fácil.
Um dos casos que a marcou foi o de um homem de 21 anos. “Era um paciente totalmente fora da curva, não era idoso, nem tinha comorbidades. Mas era obeso e, provavelmente, morreu por isso. Não tem outra explicação. Os médicos fizeram tudo que estava ao alcance. Aquilo mexeu comigo”, lembra. Enfermeira por amor à profissão, ela quer continuar ajudando a quem mais precisa, mesmo depois da pandemia. “Quando acabar essa confusão, quero me dedicar aos pacientes que tanto precisam de nós, como os oncológicos. Aqueles acamados e que estão de fora da linha de atenção nesses tempos de covid-19.”
Diante do momento, há uma tendência para que esses profissionais desenvolvam quadros de depressão e ansiedade, como explica o psicólogo Romeu Maia, do Conselho Regional de Psicologia. “É um cenário de incertezas, e existe um nível elevado de estresse que mexe com toda a organização mental e orgânica da pessoa diretamente envolvida”, avalia. “Um dos medos é de ter que decidir a vida e a morte, caso ocorra um colapso do sistema de saúde. Ainda não aconteceu, mas, a ideia de ter de enfrentá-lo vem desde o comecinho da covid-19 no DF.”
Super-heróis
Gradativamente, a pressão do trabalho tem afetado mais quem trabalha diretamente com pacientes de covid-19. Segundo Marli Rodrigues, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (Sindsaúde), o número de profissionais diagnosticados com transtornos mentais triplicou durante a pandemia. “O servidor precisa dar uma resposta para o paciente, mesmo quando não tem condições. Imagine o esforço mental. O sofrimento deles, muitas vezes, é em segredo”, diz.
Vestir a capa de super-herói e esquecer a própria saúde mental é um dos influenciadores dos quadros de transtornos, explica Fábio Aurélio Leite, psiquiatra do hospital Santa Lúcia. “Eles têm de saber a hora de pedir ajuda e conhecer o limite. Não podem ter preconceito de tomar remédio, seja antidepressivos, ansiolíticos ou indutores do sono”, afirma. Fábio tem acompanhado muitos colegas de profissão que estão lidando com depressão e ansiedade. “Médicos são formados para salvar pacientes da morte, só que a situação atual depende muito menos deles e mais dos recursos e estruturas”, acredita.
As incertezas da doença são um fator agravante. No cenário atual, a perspectiva de não conseguir atender a todos é assustadora. “Se a doença sair do controle e o número de casos não parar de subir, o medo é que aconteça o mesmo que ocorreu em alguns países da Europa. Esse é o cenário mais catastrófico”, avalia o cardiologista Carlos Rassi, 37 anos. Chefe do pronto-socorro do hospital Sírio-Libanês, ele não apenas lida diariamente com pessoas infectadas por coronavírus, como foi um dos primeiros casos graves a se recuperar no DF. Após voltar de uma viagem aos Estados Unidos, precisou ser internado por 25 dias, período em que, inclusive, ficou intubado.
Recuperado, ele voltou a atender. “A parte mais difícil é a ansiedade e o medo dos próprios pacientes. A doença está mais próxima das pessoas”, constata. Para cuidar dos profissionais, o hospital aperfeiçoou uma ala de acompanhamento psicológico, com médicos de família para todos os colaboradores. Carlos garante que a iniciativa ajudou. “Estou seguindo a vida normalmente. Como gestor da instituição, entendo que isso é de extrema utilidade para o profissional.”
Apoio
O acompanhamento multidisciplinar desses profissionais da linha de frente tem contribuído para manter a qualidade de vida deles. O Hospital Universitário de Brasília (HUB), por exemplo, criou o projeto Cuidar, em que psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, enfermeiras, dentistas e farmacêuticos atendem às equipes da instituição. “O que mais vemos é a ansiedade e o receio de se contaminar e infectar familiares, além de não saber o que esperar. Isso vai gerando sentimentos, que, se não forem cuidados, podem virar algo patológico”, explica a psicóloga Silvia Furtado, chefe da unidade psicossocial do HUB e coordenadora do projeto.
Ela orienta que cada um busque formas de ocupar a cabeça fora do hospital. Mesmo aqueles que se distanciaram dos familiares, na tentativa de não expô-los, devem procurar companhia. “Tente uma atividade física, ainda que dentro de casa, faça uma atividade que gosta. Para lidar com a solidão, hoje, as redes sociais têm nos ajudado muito. Se, antes atrapalhavam as nossas interações, hoje, vieram para ajudar. O isolamento é físico, não afetivo”, destaca.
A técnica em enfermagem Maria das Graças Oliveira, 53, tem desfrutado do projeto do HUB. “Não sei como estaria hoje, sem esse apoio. A gente só quer desabafar, botar para fora, então, esse apoio é essencial.” Ela trabalha na unidade de manejo de síndrome respiratória aguda e conta que o reconhecimento dos corpos é uma das situações mais difíceis. “Não por morrer de covid-19, mas pela maneira como a família vê. O corpo fica em uma sala, lacrado em um saco, como determina o protocolo. A gente abre, e eles só olham por uma janelinha de vidro, minúscula”, detalha.
Por questão de segurança, ninguém pode se aproximar. “Depois, o saco é fechado, a funerária põe no caixão, lacra e vai embora. Antes da covid-19 chegar, a gente fechava o leito, deixava os familiares se despedirem, e os consolávamos”, lembra. “Agora, não pode, é tudo muito frio. É uma honra cuidar do paciente, porque os parentes viam que, mesmo que a pessoa tivesse morrido, tinha sido cuidada. Agora, a impressão que fica é a de que não tem alma, não tem coração.” Com a assistência que tem recebido dos psicólogos, Maria das Graças aprendeu a lidar melhor com tudo. “Passei a entender que o melhor foi feito e fui superando. Cada um que sai daqui curado é uma festa. Isso renova a minha alma e me faz querer ser um anjo para cada um que passa pela internação.”
Ajuda psicológica
Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS)
• Espaços destinados ao cuidado com a saúde mental, de maneira multidisciplinar. Conta com psicólogos, psiquiatras e demais profissionais relacionados ao tema. No DF, há 18 unidades
Gerpis
• Mais conhecido como práticas integrativas em saúde, fazem terapias e atendimentos on-line. Tem foco na prevenção das doenças, promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, na integralidade e na humanização do cuidado à saúde e no exercício da clínica ampliada. Para saber mais, basta enviar um e-mail para gerpis.sesdf@gmail.com
Agir para salvar vidas
• Uma plataforma on-line em que profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, dentre outros) envolvidos no combate ao coronavírus podem se consultar com psicólogos e psiquiatras voluntários de todo o país. Está disponível, gratuitamente, no site www.agirparasalvarvidas.com.br.