Correio Braziliense
postado em 01/07/2020 16:45
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CDH/CLDF) recebeu mais de 300 denúncias de familiares de internos do sistema carcerário. Os relatos expõem que os detentos estão em situação precária dentro dos presídios, sem acesso a produtos de higiene básica, roupas e cobertores para se aquecerem neste período de inverno, com a progressão de regime atrasada e, além disso, sem qualquer contato os parentes. Nesta quarta-feira (1º/7), uma comitiva visitou as instalações do Complexo da Papuda.O Correio teve acesso as situações narradas indicam problemas no Centro de Detenção Provisória (CDP), no Centro de Internamento e Reeducação (CIR), e nas Penitenciárias do Distrito Federal (PDF) 1 e 2. A principal reclamação é a falta de informação sobre os internos, sobretudo, os que foram contaminados pela covid-19. “Meu marido está infectado e não me dão informações sobre o estado de saúde dele. Em 18 de abril, recebi a ligação de um agente, informando que meu companheiro estava com a doença e apresentou piora no quadro de saúde. Quando perguntei mais detalhes, disseram que não podiam informar. Após a ligação, não recebi nenhuma atualização, mesmo buscando contato por e-mail e em mensagens enviadas pelo WhatsApp. Mas, até hoje nunca me responderam”, afirma a mulher de um dos internos do PDF 1.
A angústia de não ter informações sobre os detentos é exposto em cada história compartilhada pelos familiares: “Sou mãe de interno do PDF 1 e estou há quatro meses sem notícias do meu filho. Quero pedir ajuda, porque mando mensagem e até hoje não tive resposta. Estou tomando remédio para dormir, porque estou muito triste e preocupada com essa situação.” Desesperadas, mães expõem a precariedade do sistema e a impossibilidade de ajudar. “Os detentos estão morrendo de frio. Eles dormem no chão, sem cobertor e roupa de frio. Meu filho está com a roupa do corpo, pois foi transferido do CIR para o PDF 2, e não deixaram ele levar nada. Nos ajude, por favor”, pediu.
De acordo com o presidente da Comissão de Direitos humanos, o deputado Fábio Félix (Psol), as denúncias também foram confirmadas pelos internos durante visita na manhã desta quarta-feira (1º). “Muitos reclamaram da falta de contato com os familiares e da precariedade nos atendimentos jurídicos e da defensoria pública. Os detentos explicam que as cartas enviadas aos parentes demoram para serem respondidas e, se há um retorno, as informações repassadas não batem com os questionamentos feitos por eles”, explica.
Além disso, outro ponto destacado pelo representante da CLDF é aglomeração formada ao lado de fora do presídio nos dias em que familiares entregam alimentos e produtos de limpeza para os internos. “Há um grande grupo de pessoas no local, sem que as medidas de segurança sejam respeitadas, como a distância mínima. Não há nenhum servidor que realize o controle. No entanto, a direção da Papuda afirmou que irá solucionar o problema”, esclarece.
A reportagem tentou contato com a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal e com a Vara de Execuções Penais (VEP), vinculada ao Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT). No entanto, até a mais recente atualização desta matéria, não obteve retorno. O espaço está aberto para futuras manifestações.
Comitiva barrada
Para apurar as denúncias de estado de calamidade no Complexo Penitenciário da Papuda, o deputado Fábio Félix montou uma comitiva para fiscalizar o local, integrada por representantes da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF) e do Conselho de Saúde do DF. No entanto, o representante legislativo afirma que a entrada dos demais integrantes do grupo foi impedida pela secretaria.
“Afirmaram que apenas eu poderia entrar no presídio, pois faltava autorização da VEP. Sequer a minha assessoria pode acompanhar a fiscalização e, inclusive, não permitiram que fizéssemos fotos. Tentaram recolher meu celular durante a visita, mas não permiti. Irei levar toda a situação para a vara, pois temos a prerrogativa da fiscalização, que requer provas, como fotografias. Isso é previsto tanto na lei, quanto no regimento interno da CLDF”, frisa.
Por ter sido barrado de entrar no PDF 1, o vice-presidente do Coren-DF, Tiago Pessoa, acompanhou a fiscalização ao lado de fora. “Entramos em contato prévio com a administração da Papuda, avisando que iríamos fazer a visita, mas chegando aqui, só o deputado Fábio Félix teve a entrada permitida. Mesmo assim, conversei com familiares na entrada. Recebemos algumas informações preocupantes”, afirma.
Tiago disse ao Correio que familiares denunciam a ausência de atendimento médico para os detentos que apresentam sintomas ou que testam positivo para a covid-19 e falta de comunicação com o familiar preso. “Como as visitas estão suspensas, só os presos com advogado conseguem se comunicar. Aqueles que não têm os familiares não sabem o que está acontecendo”, salienta.
Sujeira e falta de produtos de higiene
Ao entrar no presídio do PDF 1, na Papuda, o deputado afirma que encontrou “uma situação muito precária, sobretudo quanto às medidas de enfrentamento e combate à superlotação para impedir a disseminação da covid-19. Em celas que são para duas pessoas, tinham 13 internos. Nas que cabem oito, chegava a ter 30 detentos. São 1.584 vagas disponíveis, contudo, são 4.067 internos convivendo no local.”
Ainda segundo Fábio Félix, a disponibilização dos produtos de higiene pessoal também é precária. A cada 15 dias, cada preso recebe uma pasta de dente, um pedaço de sabão ou um sabonete, em tese. “Mas, nos banheiros das celas, era possível ver que havia um ou dois pequenos pedaços de sabonete, quase no fim, para que todos os internos possam utilizar”, afirma.
“Também percebi que o pátio de convivência, onde os detentos tomam banho de sol, e outros pontos, como os corredores, estavam mais sujos. As alas onde há menor movimentação de servidores não estava com a devida higienização. Mas, as partes com mais presença dos policiais penais, me pareceram mais limpas. Outra coisa que me chamou a atenção é que, no Bloco F do PDF 1, tinha um forte cheiro de creolina. Explicaram que a limpeza era realizada com o produto. Iremos verificar se o químico é adequado para a higienização para combater a pandemia”, acrescenta o deputado Fábio Félix.
Progressão de regime
Entre os relatos feitos pelos familiares, está a de internos que teriam direito a progressão do regime fechado para o semiaberto, mas que não foram apreciados nas liberações realizadas após análises da Vara de Execuções Penais (VEP). “Meu filho teve o direito ceifado e continua preso no PDF 1. A progressão para o semiaberto venceu em 22 de março. A defensoria (pública) informou que, devido à pandemia, ele deveria estar na ala do semiaberto. Peço que tomem providências urgentes”, destaca uma das denunciantes.
“Meu filho é (do grupo) de risco e continua preso. Ele tem arritmia cardíaca, dilatação da artéria aorta e bronquite asmática crônica. Ele está incomunicável dentro do presídio, por meio de mandado de prisão. Meu advogado entrou com recurso, mas ele continua detido no PDF 2”, afirma outra mãe.
Na análise do deputado Fábio Félix, a superlotação do sistema carcerário indica um problema que pode gerar uma segunda onda de casos de covid-19 dentro dos presídios. “A única solução é o desencarceramento consciente e responsável, considerando os internos dos grupos de risco e os que já têm o direito à progressão do regime. Assim, diminuiu-se a massa carcerária e se mantém os direitos desses internos”, pontua.
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