Passados mais de três meses desde o primeiro decreto governamental que determinou a reabertura de alguns estabelecimentos comerciais, o número dos casos e de mortes decorrentes do novo coronavírus aumentou em ritmo acelerado no Distrito Federal (veja Em crescimento). Para especialistas, a capital está à beira de um colapso na rede pública. Dados divulgados pela Secretaria de Saúde mostram que 63% dos leitos das unidades de terapia intensiva (UTIs) destinados a pacientes diagnosticados com a covid-19 estão ocupados. No entanto, documento do Ministério Público do DF (MPDFT), enviado à 1ª Vara de Fazenda Pública, revela discrepância no levantamento e aponta taxa de 93%.
Com base na ação civil pública apresentada pelo MP à Justiça na última segunda-feira, promotores pedem que seja determinado ao GDF a divulgação de dados epidemiológicos, “em tempo real, sem omissões e sem distorções da realidade da ocupação dos leitos de UTI no DF”. De acordo com o requerimento, na sexta-feira, a Sala de Situação indicava taxa de 59,84%, contudo, pelos cálculos do Ministério Público, ela estava em 93%.
Para os promotores, o GDF deve divulgar na lista de espera de pacientes para leitos de UTI quantos são confirmados ou suspeitos de covid-19 e realizar, separadamente, a taxa de ocupação para leitos pediátricos, devendo considerar como base de cálculo apenas aqueles efetivamente ativos, disponíveis para serem ocupados imediatamente e com suporte respiratório adequado.
Em nota, a Secretaria de Saúde esclareceu que os dados apresentados na Sala de Situação, painel informativo do GDF sobre a situação dos leitos de UTI, “correspondem à real estrutura montada para o atendimento aos pacientes infectados pelo coronavírus e que necessitam de suporte ventilatório.” A pasta ressaltou que a Central de Regulação do órgão trabalha na distribuição das demandas de internação de pacientes nos leitos disponibilizados em cada unidade hospitalar da rede pública e que esses leitos têm suporte ventilatório, “mas que nem todos estão, obrigatoriamente, cadastrados na Central de Regulação”. Ontem, a Sala de Situação permaneceu fora do ar do fim da manhã até as 20h. A Secretaria de Saúde informou que houve “problemas técnicos”.
Enquanto isso, o governador dor Ibaneis Rocha insiste na retomada do comércio, mesmo decretando, na segunda-feira, estado de calamidade pública. Ao Correio, ontem, o chefe do Buriti considerou “normal” a repercussão da entrevista que deu ao blog CB.Poder, na mesma segunda, na qual afirma que, até agosto, a cidade estará de volta à normalidade com todos os setores abertos, como escolas, salões de beleza, bares, academias e restaurantes. Acrescentou que está convicto de que, agora, a liberação é o caminho certo. O GDF iniciou os estudos que embasarão as datas de reabertura.
Risco
Na avaliação do médico clínico geral Marcos Pontes, a reabertura dos comércios pode comprometer o sistema de saúde. “A situação é delicada e exige calma, conhecimento e tranquilidade para não tomar uma decisão errada. O momento é de pico. Temos visto o alto crescimento no número de casos e temos a certeza de que isso é o reflexo da propagação da doença”, explicou.
Segundo ele, o isolamento social inviabilizou o crescimento acelerado de infectados pela covid-19, mas que, pelo menos até julho, a tendência é piorar. “O vírus vem, se espalha, atinge as pessoas do grupo de risco e as coloca entre a vida e a morte. À medida que isso vai ocorrendo, os leitos vão se ocupando e, assim, geramos uma sobrecarga no sistema”, ressaltou.
A infectologista do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) Ana Helena Germoglio prevê um colapso no sistema de saúde em breve. “Do jeito que caminhamos, parece inevitável. Uma hora vamos ter de escolher quem atender e quem vai receber suporte”, disse. Para a médica, a restrição de movimentação dos cidadãos não somente é o responsável pelo declínio de novos casos, mas também o rastreamento e o isolamento de infectados, o uso adequado em larga escala de equipamentos de proteção individual (EPIs), a manutenção de distância segura em locais públicos e a higiene das mãos. “Medidas preventivas são a estratégia para limitar a disseminação de casos. Triagem, diagnóstico, isolamento e tratamento precoces são ações necessárias”, destacou Ana Helena.
Em nota, a Secretaria de Saúde repudiou a informação de colapso nos hospitais públicos com relação aos leitos de UTI e com suporte de ventilação mecânica disponíveis para atendimento aos casos graves da covid-19. “Não há como fazer afirmação de colapso nos leitos pelo informe da Central de Regulação, pois a mesma não regula todos os leitos disponibilizados, porque são leitos de classificação diferenciada e que fazem parte de regulação específica de cada hospital. Portanto, não procede a informação de 100% de ocupação”, alegou a pasta.
O órgão acrescentou que monitora a evolução das notificações de coronavírus no DF e, pelas projeções, o pico da doença está previsto para o início de julho, mas que “não é esperada uma explosão de casos”.