Cidades

Médicos enfrentam o risco da covid-19 para salvar vidas

Uma das carreiras mais disputadas em universidades, a medicina tem mostrado o seu valor na pandemia. No combate ao novo coronavírus, profissionais enfrentam o risco da contaminação para cuidar do próximo

Eles têm uma missão diária: salvar vidas. Quem escolhe cursar medicina sabe que a profissão exige muitas horas de estudo. Porém, esse é apenas o ínicio de tudo. O desafio começa ao entrar em uma unidade de saúde. Atualmente, os médicos lidam com algo que, até então, não estava nos livros. O inimigo é novo, desconhecido e exige muito cuidado. Tratar as pessoas demanda ainda mais atenção. Proteger-se, também, é proteger o paciente do quarto ao lado e a família em casa. Hoje, a série No Front traz um pouco do dia a dia, com receios e vitórias, dos médicos. 

O intensivista e pneumologista Thiago Fuscaldi tem 37 anos, 10 deles dedicado à profissão. “Eu formei-me em 2009, na época do H1N1. Porém, era diferente. Não aconteceu nesta mesma escala, não tinha essa letalidade, nem a questão do isolamento social”, conta. Ter que encarar uma pandemia jamais passou pela cabeça de Thiago. Hoje, ele atua no Hospital Sírio Libanês, diretamente com os pacientes mais graves, internados na unidade de terapia intensiva (UTI). “Paciente em estado crítico é algo desafiador. Quando vejo um melhorando, e a efetividade do nosso trabalho, é uma sensação muito boa”, completa.  



A luta diária com a doença também proporciona novas emoções. Para Thiago, além da demanda nos hospitais ter aumentado, a disseminação da covid-19 trouxe receio. Para evitar a contaminação de parentes, Thiago está sem ver os pais. “Tem três meses que eu não os vejo, pois são do grupo de risco. Minha mãe teve câncer, então é, ainda, mais delicado”, ressalta. Com a esposa e os filhos, os cuidados também foram reforçados. “Tomo banho no hospital, troco de roupa, de sapato. Em casa, tiro essa roupa, tomo um banho, para depois ter contato com os familiares”, diz. 

A situação não é diferente com o médico Luciano Lourenço, coordenador do Pronto-Socorro do Hospital Santa Lúcia. A chegada em casa também precisou de adaptações. Agora, Luciano entra pela área de serviço para poder se higienizar. “Eu isolei a área de serviço. Eu só entro e saio por ela. A intenção é que ninguém passe por lá”, afirma. No hospital, a rotina também precisou se adaptar à pandemia. A equipe da unidade médica dividiu o fluxo dos pacientes do pronto-socorro para evitar o contato entre pessoas que buscam à unidade por motivos comuns e aqueles que possam estar contaminados de pelo novo coronavírus. Para Luciano, ter uma rotina diferenciada faz parte da profissão. 



“Todo médico torna-se médico na infância. A nossa rotina, desde pequeno, é diferente. Eu lembro que enquanto meus amigos estavam jogando bola, eu estava estudando. Enquanto eles viajavam, eu estudava. E, apesar de toda essa tensão e turbulência, a gente tem orgulho de poder usar o nosso conhecimento em prol da vida das pessoas”, destaca Luciano. Para ele, assim como os médicos, qualquer profissional que se destina a salvar vidas trabalha com orgulho e honra de poder ajudar o próximo. “É cansativo. As olheiras ficam mais escuras, mas elas não conseguem esconder o orgulho de sair de casa com a certeza de que as nossas ações estão salvando vidas”, diz. 

Risco diário

Mais de 500 profissionais da rede pública de saúde, entre servidores e terceirizados, testaram positivo para covid-19, segundo a Secretaria de Saúde. Foram 485 diagnósticos em hospitais e 51 nas unidade de atenção primária. Ao todo, a rede pública de saúde conta com 5.259 médicos de diversas especialidades. A pasta informa que o levantamento não traz números específicos sobre a quantidade de resultados positivos ser de médicos, mas, nos corredores, eles lutam para não serem mais um número na estatística. Para isso, a paramentação tornou-se algo crucial no dia a dia dos profissionais. 

“É uma forma de proteção individual e proteção de terceiros. Hoje, vemos muitos profissionais de saúde se contaminando. Nós trabalhamos em etapas, iniciamos com higienização das mãos, roupa privativa (roupas só utilizadas dentro do hospital), máscara N95, óculos, touca, face shield, capote e sapato específico emborrachado. Normalmente, ficamos com duas luvas”, detalha a médica Adriana Mucio, 33, profissional da UTI do Hospital Universitário de Brasília (HUB). 

Estar na linha de frente no combate à covid-19 não é fácil, segundo Adriana. O desafio vai além dos cuidados com os pacientes e proteção. Manter-se bem psicologicamente também é uma das tarefas. “A rotina dos médicos mudou, a carga horária aumentou, a gente trabalha o tempo todo paramentado. Ainda precisamos ficar longe dos familiares por medo da contaminação, e sofremos juntos por cada paciente, cada familiar que fica longe do seu ente querido durante a internação, além de precisar lidar com as perdas. São vários desafios”, cita.

De médico a paciente

O infectologista Werciley Júnior precisou lidar com todas essas dificuldades e ainda sentir na pele a dor que seus pacientes sentiam. Werciley foi contaminado pelo novo coronavírus e ficou intubado por 13 dias. “Eu não imaginei que eu fosse pegar a doença de forma tão grave. Tenho 36 anos, não sou do grupo de risco”, comenta. Werciley é chefe da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Lúcia. Hoje, curado, ele volta aos poucos ao trabalho. “Eu ainda sofro algumas consequências: a falta de força, o cansaço muscular, a fadiga. Estou fazendo a parte administrativa e, cada vez mais, voltando a visitar os pacientes com coronavírus”, conta. Para Werciley, ter vencido a doença fez com que ele se dedicasse ainda mais e procurasse atender aos pacientes da melhor forma possível. “Quando você cuida bem e a pessoa se recupera, é mais um motivo para se dedicar mais. Acaba sendo esse o desafio, de você querer cuidar melhor das pessoas”, diz.