Cidades

Grupo terapêutico para quem perdeu alguém na pandemia é criado na UnB

Para a psicóloga Larissa Polejack, é uma oportunidade de compartilhar experiências e mostrar, sobretudo diante do contexto no qual vivemos, que ninguém está sozinho

Correio Braziliense
postado em 21/06/2020 07:02
Bruno Aguiar com o pai, Juraci Araújo Pinheiro Júnior: eles não conseguiram se depedirPensando em oferecer à comunidade um suporte neste momento, a UnB começa, a partir de 6 de julho, com as atividades do grupo Vínculos e reflexões: Grupo terapêutico breve para familiares de vítimas da covid-19. Os enconstros serão acompanhados pela professora Isabela Machado da Silva, do Departamento de Psicologia Clínica. 
 
Para a psicóloga Larissa Polejack, é uma oportunidade de compartilhar experiências e mostrar, sobretudo diante do contexto no qual vivemos, que ninguém está sozinho. “O assunto é urgente. Com esse número de perdas que a gente tem, o impacto não é só para as famílias, é para a sociedade. E a sociedade como um todo também precisa viver esse luto”, comenta.

Neste momento, entra o que o comitê trabalha em todas as iniciativas: a empatia. “As pessoas estão perdendo suas vidas, as famílias estão tendo suas trajetórias modificadas. Então, é muito importante que se fale sobre isso e se mostre para essas pessoas que elas não são invisíveis. Não estamos falando de um número, estamos falando do amor de alguém. Viver isso como grupo, como sociedade, é ser solidário. Atender aos outros é fortalecer nossa rede de cuidado para que o impacto, que é grande, seja minimizado pelo afeto, pela solidariedade e pela escuta. É a oportunidade que temos de quebrar o tabu sobre a morte”, justifica.

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A dor, segundo Larissa, pode ser ressignifica. “Apesar de tudo, a covid tem trazido para a gente, como sociedade, muitas coisas, entre elas a valorização dos afetos. Negar a morte, dizer que não está acontecendo traz mais sofrimento.”

Detalhes

“Ninguém se prepara para perder um pai, um irmão ou um filho. Não poder se despedir foi um agravante, porque a gente fica sem conseguir prestar as homenagens que queria, dar o último adeus. Isso deixou a família mais aflita e triste. Ao mesmo tempo, tem sido um momento de união para que o que aconteceu com ele sirva de exemplo a todos. As pessoas estão minimizando o vírus, mas ele é traiçoeiro. Ninguém está imune”, desabafa o empresário Bruno Aguiar, 30. Em março, ele acompanhou, a distância, a piora do quadro de saúde do pai, Juraci Araújo Pinheiro Júnior, 54, infectado pelo novo coronavírus.

Nascido em Fortaleza, Bruno é o único da família que mora longe. Estava tudo programado para rever os familiares em abril, no casamento da irmã, mas a pandemia alterou os planos. “Os casos no Ceará cresceram muito rápido e cada um estava passando sua quarentena isolado, tentando se ajudar como podia, tentando estar perto mesmo a distância. Meu pai tinha alguns discursos que me preocupavam. Ele sabia que tinha que se proteger, mas precisava trabalhar. Comprou o discurso de que somente os grupos de risco precisavam ficar em casa. Ele era motorista de aplicativo, tomava todos os cuidados, trabalhava de máscara, tinha álcool em gel no carro, mas o serviço dele era colocar pessoas dentro do carro, e acabou se colocando em um alto risco”, lembra o empresário.

Juraci ficou alguns dias com sintomas em casa até que a falta de ar piorou e ele procurou atendimento em uma Unidade de Pronto Atendimento, onde ficou por dois dias até precisar ser entubado e transferido para a UTI de um hospital. “Ele teve muita sorte, porque precisou dessa UTI em um momento em que o sistema de saúde de Fortaleza colapsou, eram as últimas disponíveis. A UPA que ele foi atendido fechou as portas um dia depois de ele dar entrada”, acrescenta o filho.

Com 15 dias de internação e uma infecção no sangue difícil de tratar, Juraci não resistiu. Mesmo diante da dor, da ausência e da distância física, a união tem prevalecido entre os familiares, e o vínculo tem possibilitado acolher os mais vulneráveis. “Temos estado mais presentes, feito mais videochamada, demonstrado mais carinho, mais afeto. Isso fez com que a família cuidasse mais uns dos outros e se fortalecesse nesse momento de luto”, comenta Bruno.

Para o empresário, além do estreitamento de laços, não ter se despedido do pai permitiu que ele guardasse a imagem alegre de Juraci. “São detalhes que podem confortar a gente. Dias antes do início da pandemia, período no qual estávamos muito próximos, falávamos muito ‘eu te amo’. Parecia que, de alguma forma, a gente estava se despedindo, demonstrando muito amor e carinho. Ele partiu no meio dessa atmosfera de amor familiar.”

Para Bruno, não há fórmula nem algo que possa fazer para amenizar a dor. “A gente espera que, em algum momento, a dor se transforme em saudade. E o maior movimento que a gente fez para homenageá-lo é estar mais junto. Hoje, ficam as memórias ligadas ao humor sagaz e inteligente dele, que passou para os filhos. A gente espera que a morte dele não tenha sido em vão. A minha família está de luto, mas outras podem evitar esse luto respeitando a quarentena. O isolamento social é a nossa maior arma para que outros irmãos, outros pais, outros filhos não passem por essa mesma dor.”

"A gente espera que a morte dele não tenha sido em vão. A minha família está de luto, mas outras podem evitar esse luto respeitando a quarentena"
Bruno Aguiar, filho de Juraci Araújo Pinheiro Júnior

 
Serviço: 

Vínculos e reflexões: Grupo terapêutico breve para familiares de vítimas da covid-19

Início 6 de julho, com duração de seis encontros pela plataforma Meet

Segundas-feiras, das 15h às 16h30

As inscrições podem ser feitas pelo site

 

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