Cidades

Referência no combate à covid-19 no DF, Hran opera no limite

Servidores da saúde relatam deficit de profissionais, falta de testes - inclusive o de tipo RT-PCR para pacientes -, de pontos de oxigênio, entre outros fatores que provocam a sobrecarga no sistema. Secretaria nega que faltem insumos ou equipamentos

Correio Braziliense
postado em 18/06/2020 14:42
Servidores da saúde relatam deficit de profissionais, falta de testes - inclusive o de tipo RT-PCR para pacientes -, de pontos de oxigênio, entre outros fatores que provocam a sobrecarga no sistema. Secretaria nega que faltem insumos ou equipamentosPrimeiro hospital de Brasília a ser reestruturado para atendimento de pacientes com covid-19, o Hospital Regional da Asa Norte (Hran) opera no limite quatro meses após a internação da primeira paciente contaminada no DF. Ao Correio, servidores da saúde relatam deficit de profissionais, falta de testes - inclusive o de tipo RT-PCR para pacientes -, de pontos de oxigênio, entre outros fatores que provocam a sobrecarga no sistema.
 
A direção da unidade de saúde, por meio da assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde do DF (SES/DF), reconhece que atua em capacidade máxima de recursos humanos "para o melhor atendimentos aos pacientes". Contudo, nega que faltem insumos ou equipamentos de proteção individual (EPIs). 

O DF registra, nesta quinta-feira (18/6), mais de 27 mil casos confirmados do novo coronavírus. Entre os 10,2 mil ativos, 50 estão em estado grave e 158, moderados. Projeções da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) estimam que o mês de junho chegará ao fim com mais de 39 mil casos. 

A realidade numérica vai de encontro com o cenário vivido e relatado pelos profissionais da saúde. Durante o último plantão, uma médica descreveu à reportagem um difícil cenário com pacientes sendo internados em cadeiras no Pronto-Socorro e uma servidora tendo chegado ao ponto de escolher qual  socorrer, pela falta de ventilador.
 
"Estávamos sem triagem de enfermagem. Os pacientes eram atendidos por ordem de chegada. Também não tinha teste do tipo RT-PCR. Cinco servidores foram afastados, porque testaram positivo. Uma ala com 20 pacientes, inclusive com paciente entubado, estava apenas com um técnico de enfermagem, quando, na verdade, são cinco. Uma colega precisou escolher qual paciente entubar, porque não tinha ventilador. Isso é desumano. A gente forma para salvar as pessoas", desabafa. 

Diante da situação, os funcionários relataram o ocorrido para os responsáveis. Uma quantidade de ventiladores chegou a ser providenciada, assim como os exames RT-PCR. Contudo, em número insuficiente. Questionada, a secretaria nega o ocorrido e informa que há equipamentos sobressalentes.
 
"Atualmente, a unidade conta com 22 respiradores, 136 bombas, 16 monitores sobressalentes", informou. No caso dos exames, ela esclarece que os mesmos são distribuídos de acordo com uma previsão sobre a necessidade de cada tipo de atendimento e destinação. Também informa que, nesta terça-feira (17/6), o GDF publicou no Diário Oficial o aviso de abertura de pregão eletrônico para a compra de um milhão de testes rápidos para diagnosticar o novo coronavírus. 

Sobre a ausência de ponto de oxigênio e ar comprimido, a pasta comunica que há momentos em que, devido à grande chegada de pacientes, "pode ocorrer falta pontual de pontos de oxigênio e ar comprimido, até que estes pacientes possam ser remanejados para o atendimento necessário ou que haja a liberação de algum ponto no pronto-socorro". 

Protocolo de triagem

Quando o paciente chega ao Pronto-Socorro do Hran, ele passa pelo processo de triagem, no qual realiza exames e, dependendo da análise de alguns parâmetros, como frequência cardíaca, respiratória, saturação e febre, pode ser levado direto para o box de emergência, espaço que funciona como uma semi-UTI e onde começam os primeiros atendimentos dos casos graves. 

Em outras situações, no próprio Pronto-Socorro, é possível realizar o atendimento do paciente e orientá-lo, por exemplo, a retornar para casa. Se for necessária uma internação, ele aguarda para ser levado à enfermaria. "Os pacientes acabam ficando no PS não é por falta de leito em si, mas por falta de profissionais suficientes para dar assistência", detalhou à reportagem outra servidora. 

Além disso, para dar vazão à triagem, médicos de outras especialidades foram remanejados para o Pronto-Socorro. Entretanto, pela falta de experiência na vivência da clínica geral, acaba ocorrendo uma sobrecarga de trabalho. Por mais que o Hran tenha, dos 26 leitos de UTI disponíveis para coronavírus, oito vagos, e 123 de enfermaria, o sistema está tensionado ao limite. 

A gestão da unidade, por meio da assessoria de comunicação da SES/DF, afirma que organiza, sempre que necessário, contingenciamento de servidores de outros setores e remanejamento. "Para o enfrentamento à Covid-19, a Secretaria de Saúde está reforçando as equipes que estão sofrendo baixas em decorrência de afastamentos por motivo de saúde. A pasta está finalizando a instrução processual para a realização de um processo seletivo simplificado para contratação temporária de 900 profissionais de saúde. Além disso, já tramita um processo para a realização de concurso público para as diversas áreas de saúde", informa.

Ainda de acordo com os depoimentos, os funcionários foram orientados a reutilizar os capotes, aventais descartáveis, para não correr risco de faltar, e a trocar as máscaras N95 somente depois de 15 plantões. 

Número elevado de afastamentos

Em constante contato com pacientes infectados e atuando na linha de frente do combate ao vírus, os profissionais relatam o elevado número de servidores infectados e afastados, o que também contribui para a sobrecarga do sistema. A direção do Hran confirma que seis servidores tiveram a covid-19 diagnosticada só nesta semana e estão em quarentena. 

Sobre a realização dos exames e a retestagem dos servidores, a secretaria informa que a Lei nº 6.554 prevê a testagem a “cada 15 dias ou com a frequência que melhor atenda aos melhores critérios e padrões de biossegurança". Contudo, não está previsto em que condições clínicas o teste deve ser feito nem se deve ser realizado também em assintomáticos.
 
"Ela estabelece que os servidores deverão passar por teste que indique se há infecção, portanto, como o teste indica a infecção somente após o surgimento dos sintomas, seja para PCR (após 3 dias) seja para TR (após o7-8 dia), é recomendada a indicação dos testes para servidores que estejam em atividade e contato com possíveis portadores do agente infeccioso, obedecendo os critérios. Já para a retestagem, serão priorizados os servidores sintomáticos, para atendimento dos melhores critérios e padrões de biossegurança." 

OAB/DF e comissão da CLDF apuram denúncias

A Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional DF (OAB/DF) acompanha as condições de trabalho e atendimento na unidade de saúde. O grupo recebeu denúncias da falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), a não reposição de profissionais afastados por conta da contaminação pelo vírus e, quando há reposição, os servidores estão assumindo sem treinamento.
 
Também chegam informações da superlotação dos leitos e, em caso de leitos disponíveis, eles não podem receber pacientes por falta de recursos humanos. Na última vistoria, dos 20 leitos, quatro estavam sem assistência dos servidores. Os relatórios das visitas, bem como as informações colhidas são encaminhadas para o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e à Secretaria de Saúde. 

Relatos semelhantes também estão sendo registrados no canal da central da covid-19 da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Legislativa. Pacientes internados em cadeiras, plantões desfalcados em razão dos profissionais doentes afastados, entre outras queixas.  

No fim de maio, a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde do MPDFT solicitou informações à chefia da UTI do Hran sobre a quantidade total de leitos exclusivos para tratamento do novo coronavírus, com a especificação de quantos estão ocupados e quantos estão bloqueados ou reservados, assim como a justificativa para os bloqueios. De acordo com a secretaria de comunicação do MPDFT, a unidade de saúde enviou as informações solicitadas, que estão sendo analisadas pela força-tarefa. 

Em nota, o SindSaúde-DF informou que tem acompanhado o trabalho em todas as unidades de saúde do DF durante o enfrentamento do novo coronavírus, assim como a saúde dos servidores da pasta ao longo da pandemia. "Portanto, a diretoria do sindicato se reunirá para uma nova visita ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran) para averiguar a situação do hospital. Se as denúncias forem confirmadas, vamos cobrar das autoridades a resolução dos problemas", destacou, em nota.
 
* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer 

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