Na tarde da última quarta-feira (10/6), o deputado distrital Fábio Félix (PSol), presidente da Comissão, enviou um ofício pedindo a apuração da conduta policial à Corregedoria da Polícia Militar e também ao Núcleo de Controle da Atividade Policial do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. A denúncia está sob sigilo.
O Correio conversou com a vítima, que relatou os detalhes da abordagem de militares do 8º Batalhão de Ceilândia. “Era por volta das 16h e tinha pouca gente na rua. Eu estava em frente à farmácia São João, no centro, quando uma viatura da Polícia Militar parou na minha frente. Um dos policiais disse: 'Vaza daí, seu filho da p*.' Nessa hora, perguntei o porquê, e eles responderam que se eu não obedecesse, iria preso”, explica.
“Afirmei que não poderiam fazer isso, pois não tenho nenhum mandado de prisão expedido pela Justiça para limitar o meu direito de ir e vir. Não tenho nenhum problema com a lei e não cometi nenhum crime. Logo em seguida, a equipe desceu da viatura, com armas em punho. Um dos militares colocou o artefato na minha cabeça, e me mandou ficar contra a parede, de costas”, relembra.
O educador social afirmou que obedeceu a ordem, se posicionando com o rosto virado para a parede e com as mãos na cabeça. “Eles continuaram me xingando, mesmo eu sendo um homem sozinho, com um celular e a carteira no bolso. Não reagi à abordagem. Mesmo assim, um dos militares falou no meu ouvido que iria me encher de porrada. Eu respondi, afirmando que, se isso ocorresse, iria processá-los. Foi quando começaram as agressões”, diz.
A vítima disse que o policial que realizava a abordagem deu dois golpes nas costas. "Quando comecei a cair, me deram um mata-leão e me imobilizaram no chão. Além de chutes e pontapés, um dos policiais puxou meus dois braços para trás, enquanto mantinha o pé nas minhas costas. Eu pedi, pelo amor de Deus, que parassem, porque estavam quebrando meu braço.”
Ainda segundo o homem, as agressões continuaram. “Depois, me jogaram dentro da viatura. Eu mostrei o hematoma no meu braço, dizendo que tinham me machucado. Um deles disse: 'Eu quero que você se fod*.' Afirmei que iria processá-los, que já era estudante de direito e conhecia meus direitos. Na delegacia, eles pararam no estacionamento e abriram o cubículo da viatura. A equipe me mandou abrir meu celular e eu questionei o motivo. Ocorreu uma nova ameaça: 'Se você não liberar o acesso, vou quebrar todos os seus dentes'. Eu me neguei”, alega.
“Já dentro da delegacia, me deixaram no canto. Pedi a um agente que eu fosse levado ao hospital, porque estava com muita dor no braço. Um dos militares aproveitou dessa situação e passou a manipular o meu braço, me causando mais dor. Nesse momento, os policiais civis me colocaram numa cela com outro preso. Fiquei ali por cerca de três horas e então, recebi atendimento médico e fui encaminhado ao Instituto de Medicina Legal (IML) para fazer o exame de corpo de delito”, acrescenta o educador.
Versões
Após prestar depoimento e passar pelos procedimentos médicos, a vítima foi liberada. No dia posterior, 1º de junho, ele retornou à 15ª DP para pegar a cópia do boletim de ocorrência. Dois dos policiais militares esclareceram sobre os motivos da abordagem. A versão apresentada é que a equipe tinha sido informada que dois homens tinham resistido a fiscalização de comércio do dia (31/5), chegando a agredir os fiscais. Eles usavam camisas preta e rosa.
“Em patrulhamento, visualizamos um indivíduo com as mesmas informações passadas pelos populares e que decidimos realizar a abordagem. O indivíduo se recusou, afirmando ser estudante de direito. Afirmei que isso não daria imunidade e que era para obedecer a ordem. Assim, diante da segunda recusa, houve uso da força física, forçando-o a deixá-lo na posição de segurança para realizar a abordagem. Nesse momento, o homem xingou a equipe. Por isso, recebeu voz de prisão por desacato, resistência e desobediência. Como ele resistiu novamente, mais uma vez foi necessário o uso da força física para algemá-lo”, relatou um dos policiais em depoimento.
Em nota oficial a Polícia Militar do Distrito Federal confirmou a versão apresentada pela equipe e confirmou recebimento do ofício da Comissão de Direitos Humanos da CLDF. “Na data de 31/05/2020, por volta de 16h, após camelôs terem agredido alguns fiscais da DF Legal e também danificado duas viaturas, uma da Polícia Civil e outra da DF Legal, os policiais receberam a informação de populares de que os dois autores, correm em direção à Feira do Rolo, sendo que um estava de camisa rosa e o outro de camisa preta. O policiamento foi intensificado e um cidadão de camisa preta foi abordado na CNN 1”, informa.
“Foi solicitado que ele colocasse as mão sobre a cabeça e abrisse as pernas para ser abordado. Este de imediato disse que não iria obedecer. Foi explicado que era uma ordem legal e mais uma vez resistiu, tendo xingado a equipe. O abordado recebeu voz de prisão e, em seguida, o cidadão foi conduzido à 15ª DP e apresentado à autoridade de plantão, sendo autuado em Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) por desacato, desobediência e resistência, com compromisso de apresentar-se posteriormente à Justiça. Na delegacia, os policiais foram informados que o abordado tinha passagens pela polícia”, finaliza o texto.
Em conversa com o Correio, o educador social negou que seja vendedor ambulante ou que tivesse qualquer envolvimento na confusão durante a fiscalização da DF Legal. Além disso, frisou que tem passagens por furtos, mas que os crimes foram cometidos em 1999 e que não responde por nenhum delito na Justiça. “Eles não podem embasar o meu espancamento por algo que fiz há mais de vinte anos. Eu não sou mais essa pessoa. Eu errei, paguei e não tenho nenhum envolvimento com o crime. Não devo nada à Justiça”, destaca.
Para Michel Platini, presidente do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (Centro/DH), a denúncia surge em um contexto importante. “O mundo questiona a atuação das polícias nesse exato momento. A luta dessa geração é por uma polícia isonômica e que reconheça a diversidade dessa sociedade. E, em alguns lugares, as normas sofrem mudanças importantes", afirma. "Em todas as situações exigem uma atuação mais humanizada e menos preconceituosa. Oferecer um tratamento desrespeitoso por conta de uma ficha policial mostra despreparo e que alguém deseja julgar e não cuidar da segurança da sociedade, que é o papel da polícia. Todas as pessoas têm o direito de errar e esse erro não pode ser motivador de qualquer violação de direitos.”
A reportagem entrou em contato com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A pasta limitou-se a informar que o ofício enviado pelo deputado Fábio Félix foi recebido pelo Núcleo de Controle da Atividade Policial. Não houve confirmação se o caso é apurado e qual é o posicionamento do MP.