Cidades

Hospital de campanha na Papuda deve ser entregue nesta semana

Secretaria de Saúde aplicou quase 5,8 mil testes. Desses, 880 presidiários e 241 servidores tiveram diagnóstico de covid-19 confirmado. A maioria se recuperou, mas o Ministério Público do DF e Territórios recebeu 283 denúncias relacionadas à doença nas unidades prisionais

A covid-19 se espalha rapidamente no sistema carcerário do Distrito Federal. Em um mês, o número de presos infectados pelo novo coronavírus quase dobrou (de 459 para 880) e três pessoas morreram, segundo boletim mais recente da Secretaria de Saúde. O governo tem adotado medidas para evitar a disseminação da doença nas cadeias, como a suspensão das visitas, a desinfecção de celas, além da distribuição de máscaras. Apesar disso, dados obtidos pelo Correio mostram que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) recebeu, desde 11 de março, um total de 329 denúncias relacionadas às unidades prisionais. Dessas, 283 são relacionadas à doença.

 

O número de policiais penais infectados também é expressivo: 241 servidores contraíram o vírus. No entanto, desses, 224 estão recuperados e retornaram ao trabalho. Em relação aos presidiários, dos 880 custodiados que tiveram diagnóstico positivo, 819 estão curados. Um dos presos infectados está internado em unidade de terapia intensiva (UTI) no Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

 

O crescimento acelerado na quantidade de casos nos presídios preocupa os especialistas. Na avaliação de Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública pela Total Florida International, as ações de combate ao contágio pelo coronavírus no sistema carcerário foram tomadas rapidamente, mas ainda não são eficientes. “A preocupação é real. Quem está nesses locais enfrenta a incapacidade do Estado de lidar com as doenças infectocontagiosas em edificações carcerárias. Precisamos reconhecer essa triste realidade”, afirma.

 

De acordo com Sant’Anna, Brasília não tem condições ideais de encarceramento e só não teve piores resultados por causa de uma postura rápida para a interrupção da visitação, da qualidade dos profissionais, bem como da capacitação e do treinamento. “Todos esses fatores colaboraram para a não existência de rebeliões, um dos termômetros de resultado que passamos a ter no Brasil, mesmo com aproximadamente 90 dias sem visitação de familiares aos detentos”, avalia.

 

Medidas

 

O GDF aposta no Hospital de Campanha no Complexo Penitenciário da Papuda para conter a disseminação do vírus nos presídios e para agilizar o atendimento aos detentos infectados. O Secretário de Estado de Administração Penitenciária (Seap), Adval Cardoso, afirma que a unidade de saúde pode ficar pronta esta semana. “Na terça-feira, vamos concluir o asfalto em frente, mas a estrutura está pronta para receber os pacientes. Essa construção será um legado para todo o país e resultará em uma economia grande, uma vez que aqueles internos que estiverem doentes receberão atendimento aqui e, dessa forma, evitaremos o deslocamento de equipes para a escolta e ocupação de leitos”, diz. Até o momento, a Saúde aplicou mais de 5,8 mil testes entre internos e policiais penais.

 

A suspensão das visitas também foi uma alternativa para frear a doença no sistema. A restrição começou em 12 de março e segue sem previsão de volta. “Nós entendemos a situação dos parentes, mas precisamos levar em consideração que, se liberarmos, a possibilidade de uma pessoa levar o vírus para dentro da cadeia é grande. Ainda temos um número alto de contaminação. Não podemos correr o risco”, destaca Adval.

 

A Seap anunciou, em 4 de junho, o projeto-piloto de visita virtual assistida. A princípio, a iniciativa começará na Penitenciária Feminina do DF (PFDF) e, depois, se estenderá às outras unidades prisionais. No primeiro momento, serão atendidas as reeducandas e pacientes da Ala de Tratamento Psiquiátrico. “Na PFDF, não temos nenhum caso de contaminação interna e a lotação é menor, o que facilita testar essa nova tecnologia, mas a ideia é expandir para a Papuda”, acrescentou o secretário.

A população carcerária do DF passa de 16 mil. Para diminuir a superlotação e evitar a proliferação do vírus, a juíza titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Leila Cury, determinou a antecipação da progressão de regime aos sentenciados que alcançariam o benefício até 16 de setembro deste ano em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Desde 23 março, 1.933 presidiários progrediram ao regime aberto. Segundo dados do TJDFT, 77 detentos foram colocados em prisão domiciliar humanitária em razão de problemas de saúde e outros 76 receberam liberdade por outros motivos, como o término da pena, concessão de ordem em habeas corpus, suspensão da ordem de prisão, entre outros. 

 

Vidas por trás das estatísticas

 

Familiares de detentos doentes questionam a falta de comunicação por parte da direção dos presídios. A reportagem conversou com mães de presos que receberam o diagnóstico positivo para a covid-19. Por medo de represálias, elas preferiram não se identificar.
 
Cláudia*, de 52 anos, tem um filho de 25 lotado na Penitenciária do Distrito Federal I (PDF I). Em 29 de maio, ela recebeu, por meio da advogada, a notícia de que o jovem estava infectado pelo vírus. “Ela me disse que há dois dias ele começou a apresentar os sintomas. Estava com febre, dor de cabeça e tosse. O problema foi que a direção do presídio só me avisou sobre o estado dele em 5 de abril. Eles me ligaram e só disseram que ele estava contaminado. Questionei sobre os sintomas e os agentes informaram que qualquer agravo no quadro clínico eu seria comunicada”, conta.
 
O detento precisou ser transferido para o Centro de Detenção Provisória II (CDP II) — unidade recém-inaugurada em que estão sendo abrigados presos com sintomas ou confirmados com o novo coronavírus. Ele ficou nesse local entre 7 e 26 de maio e, após se recuperar, retornou à PDF I. “Em todo esse tempo, não recebi nenhuma notícia dele. Foi um momento muito doloroso, mas de descaso, principalmente pela falha na comunicação. Do lado de fora, sempre ficamos (familiares) preocupados”, afirma.
Viviane* só descobriu que o filho de 24 anos estava internado com a covid-19 no hospital. Segundo ela, no site em que constam as informações dos custodiados, aparecia que o jovem estava lotado em uma cela no CDP II. Contudo, a mãe conta que soube por terceiros que o jovem estava no Hran. “Cheguei lá e pedi para a recepcionista informações do meu filho, mas ela disse que, como ele era do sistema prisional, não me podia passar nada”, relata.
 
O interno faz parte do grupo de risco. Ele sofre de bronquite asmática e usa medicamento para a doença. O jovem se recuperou e recebeu alta ontem. “O governo tem que fazer alguma coisa para melhorar o sistema prisional. Está sem controle e nós, familiares, estamos sofrendo muito. Já que não podemos entrar para vê-los, poderiam permitir ligações ou videoconferência.”

* Nomes fictícios