Correio Braziliense
postado em 12/06/2020 19:45

Ana Barbosa Pinto, 56 anos, passou pelas duas unidades de saúde na última semana, com sintomas de covid-19. No entanto, a declaração de óbito dela aponta que a morte ocorreu devido a um quadro cerebral. Segundo familiares, Ana teria recebido a injeção de um medicamento na coxa, e isso teria provocado a redução do fluxo sanguíneo no cérebro, bem como um edema no órgão e acúmulo de ar na cavidade intracraniana.
A família registrou em áudio o momento em que três profissionais do HRSM anunciaram a morte da paciente. Na gravação, um médico admite que o fato resultou de um erro no procedimento, devido a informações que teriam sido prestadas de forma incorreta.

Transferências
Em 29 de maio, Ana foi levada para um hospital municipal de Valparaíso (GO), onde morava, com sintomas respiratórios havia quatro dias, bem como glicemia e pressão altas. Isolada em uma sala para pessoas com covid-19, ela fez o exame PCR, para detecção do novo coronavírus, cujo resultado deu negativo. Mesmo assim, devido ao quadro, a paciente foi transferida para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

O resultado do exame feito no Hran saiu dois dias depois e detectou a doença. Ana passou alguns dias internada no HRSM, sedada, entubada e com quadro associado a problemas respiratórios e nos rins. A equipe do hospital informou à família que ela apresentava leves melhoras com o tempo. Mesmo assim, a paciente não reagiu bem à primeira tentativa de corte dos sedativos.
Após a segunda vez, Ana não acordou mais. “O médico disse que teria de fazer outra tomografia, pois suspeitava de uma lesão no cérebro. Ele perguntou se ela tinha sofrido algum acidente, e eu disse que não. No dia seguinte, ligaram me pedindo para ir ao hospital para conversar. Percebi que minha mãe tinha morrido”, disse Getúlio.
“Um médico, uma psicóloga e uma outra mulher, que não sei se era médica ou enfermeira, falaram que, quando minha mãe foi transferida do Hran, aplicaram uma injeção na coxa dela. E essa injeção foi errada. Deu uma bolha, que subiu para o cérebro. O médico disse que foi um erro e, quando perceberam, o cérebro dela tinha parado”, completou o filho de Ana. “No fim, a psicóloga pediu desculpas e nos disse para procurar nossos direitos.”
Apuração
Na declaração de óbito, além do quadro cerebral, covid-19, insuficiência renal aguda e embolia gasosa constam entre as seis causas da morte. Getúlio acrescentou que, na madrugada de quinta-feira (11/6), o irmão dele visitou a mãe e observou que ela permanecia viva com o auxílio de aparelhos, mas que o cérebro estava parado. “Parou devido a esse erro. A questão é que colocaram na certidão de óbito que a morte aconteceu no dia anterior (quarta-feira, 10/6), às 21h. Então, eles haviam assinado o (atestado de) óbito antes de desligar os aparelhos”, afirmou Getúlio.
Ana morava no Jardim Céu Azul, em Valparaíso — a 37 quilômetros do centro de Brasília —, com o marido, de 69 anos, uma filha e uma neta. Alguns dias antes de Ana ser levada para o hospital municipal, a mãe dela paciente veio da Bahia para cuidar da filha. A família espera que a Justiça possa resolver o caso. “Se nossa mãe viesse a morrer, esperávamos que fosse por uma questão respiratória, ou por diabetes, pressão alta. Mas a causa foi cerebral. Temos muitas provas de que houve um crime. Foi uma morte injusta”, criticou Getúlio.
O delegado-adjunto da 33ª DP Paulo Fortini confirmou que uma ocorrência foi registrada em relação a esse caso e que, agora, a polícia aguarda o laudo do IML para poder traçar a linha de investigação. “Foi instaurado um inquérito policial para analisarmos a procedência (do caso): se houve erro médico ou se foi um fato do dia a dia. A paciente apresentava alguns problemas, tinha algumas comorbidades. Ela estava passando mal, foi internada e o depoente contou a história de que poderia ter havido erro médico. Um inquérito foi instaurado e, por envolver hospital, médicos, enfermeiros, temos de ir com muita cautela”, destacou Fortini.
O investigador disse que ainda não há data para conclusão do laudo da perícia. No entanto, o documento permitirá contrastar informações com base no que consta nos prontuários médicos da paciente no HRSM e no Hran. “Vamos ver as análises médico-hospitalares que foram feitas e verificar se foi, de fato, caso de imprudência ou negligência. Mas não temos como afirmar nada disso ainda”, reforçou o delegado.
Protocolos
Em nota, o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) informou que Ana foi transferida para o Hospital Regional de Santa Maria, em 31 de maio, em estado gravíssimo, com covid-19, insuficiência respiratória, entubada e com auxílio de ventilação mecânica.
“A paciente de 56 anos tinha diversas comorbidades, como doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão e diabetes. Ela recebeu o atendimento adequado no HRSM, mas, em 9 de junho, houve suspeita de morte cerebral e foi iniciado o protocolo de morte encefálica, que confirma com exames e análises clínicas o óbito”, afirmou a instituição gestora do hospital.
Ainda segundo o Iges-DF, a equipe de saúde “seguiu todos os protocolos do Conselho Federal de Medicina (CFM) para os casos de morte encefálica”. “O HRSM está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos à família”, disse o texto.
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) se posicionou a respeito do caso: "A direção do Hospital Regional da Asa Norte esclarece que a paciente em questão fora encaminhada ao HRSM em 31 de maio, com insuficiência respiratória por covid-19, sem nenhum sintoma neurológico. Ela foi entubada e regulada para UTI (unidade de terapia intensiva)".
Além disso, a pasta comunicou que "todas as medicações usadas são padronizadas mundialmente e não houve qualquer intercorrência nos procedimentos invasivos". "Infelizmente a covid-19 pode acometer o sistema nervoso central e ocasionar danos inesperados. Como a possibilidade de morte cerebral só foi aventada em 9 de junho, a equipe do Hran não tem como contribuir sobre o caso", destacou o o texto.
O Correio abriu espaço para que a Secretaria Municipal de Saúde de Valparaíso (GO) também se manifeste, mas ainda não teve retorno.
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