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A música de Brasília fica mais triste

Integrante de duas grandes bandas, o Mel da Terra e o Oficina Blues, Remy Loeffler morreu ontem, vítima de um tumor no sistema nervoso central. Era um instrumentista refinado, que marcou a história da cidade

 

 

Sexta-feira próxima, o Mel da Terra, banda de grande popularidade na cena musical brasiliense nas décadas de 1970 e 1980, lança nas plataformas digitais o disco de estreia, sem clima para celebração. Isso porque morreu ontem, às 14h, na Rede Sarah, um dos seus principais integrantes, o pianista, tecladista e arranjador Remy Loeffler Portilho, de 56 anos. Segundo o laudo médico, a morte encefálica foi em decorrência de hipertensão intracraniana, causada por tumor embrionário do sistema nervoso central.

 

Remi, que se destacou também no grupo Oficina Blues, foi casado duas vezes — a primeira com Marielle Loyola, vocalista da extinta banda Arte no Escuro — e deixou quatro filhos. O instrumentista começou a conviver com problemas de saúde, que o levou ao óbito, em fevereiro, quando teve paralisia do lado direito do corpo. “Depois de fazer tomografia no Hospital de Base, que constatou o tumor, ele continuou a andar, mas como caiu algumas vezes em casa, e após outros tombos, ficou de cama, movimentando-se apenas com carreira de roda”, conta Helena Watson, 56, a segunda mulher, proprietária de uma pousada em Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros. “Embora tivéssemos separados há vários anos, tínhamos ótima relação. Entre março e maio, estive algumas vezes em Brasília, para visitá-lo”, acrescenta.

 

No Sarah Kubitschek, Remy esteve duas vezes — inicialmente para fazer outra biópsia. Voltou na madrugada de sábado passado, onde permaneceu até o começo de tarde de ontem, quando morreu. O sepultamento está previsto para amanhã, no Campo da Esperança. Filho do segundo casamento do pai, o músico e compositor Bruno Watson Portilho, 30, disse que ele e o pai eram muito amigos. “Tocávamos juntos com alguma frequência. Em janeiro último gravamos algumas composições minhas. Vou sentir muita falta dele, da nossa convivência”, lamenta.

 

O guitarrista Haroldinho Mattos, companheiro de Remy no Mel da Terra e no Oficina Blues, mostra-se muito abatido com a morte do amigo. “Tínhamos uma afinidade musical muito grande. Trocávamos muitas ideias sobre o nosso ofício, inclusive sobre produção. Éramos adolescentes quando nos conhecemos e, como integrantes do Mel, nos tornamos amigos imediatamente”, recorda-se. “Remy tinha grande musicalidade e era um talentoso arranjador. Fui eu quem o convidou para fazer parte do Oficina, que na época contava também com o vocalista Bemol e o baterista Gustavo Vasconcellos”, relata.

 

Ponta de lança

 

Emocionado, ao falar sobre o pianista do Mel da Terra, o baixista Paulo Maciel chegou às lágrimas. “Guardo na memória até hoje o dia que vi o Remy pela primeira vez. Eu era estudante da Escola de Música e fui assistir o Concerto Cabeças. Lá, o vi tocando piano de uma forma que impressionou muito. Tínhamos a mesma idade, 14 anos, quando fui convidado para tocar no Mel, que acabara de ser formado e ensaiava no apartamento dos pais do Remy, na 311 Sul. Foi lá que conversamos pela primeira vez; assim como com o flautista Paulinho Mattos, o vocalista Sérgio Pinheiro e o baterista Beto Escalante”.

 

Paulo continua: “Desde sempre, vi o Remy como o ponta de lança do Mel. Era aquele que nos colocava para cima. Tinha um conhecimento musical muito grande e, com generosidade, passava isso para nós. Quando a banda retomou as atividades em setembro de 2019, fazendo show no Teatro Garagem, ele era um dos mais entusiasmados. Chegamos a começar os ensaios para fazer novas apresentações neste ano, mas aí, infelizmente, ele ficou doente. Não sei como dar continuidade com o Mel sem o Remy. Há a possibilidade de o tecladista Felipe Portilho, filho mais velho dele, assumir o posto”, adianta.

 

Dedicação

 

“O Remy foi um músico extraordinário, com uma sensibilidade a flor da pele. Seu piano era puro amor, um batalhador incansável, com uma força que nos impulsionava além do que podíamos, um exemplo de dedicação e fé na música como ferramenta de construção de um mundo melhor, um grande sonhador com um grande coração. Influenciou muita gente, versátil como poucos, esbanjou talento, tocando blues, rock, MPB ou música clássica”, afirmou o flautista e guitarrista Paulinho Mattos.

 

“Como produtor cultural, presenteou Brasília com grandes produções de artistas nacionais e internacionais, a primeira ópera que tive a oportunidade de assistir ao vivo, em Brasília, foi um espetáculo produzido por ele. Compositor, cantor, arranjador e pianista notável, participou de inúmeros trabalhos importantes pra cidade. Ajudou a construir nossa identidade cultural como poucos. Deixa um legado importantíssimo”, destaca Paulinho.

 

Colaborou José Carlos Vieira