Dilacerante humanidade
A morte de George Floyd, em decorrência de asfixia, por um policial branco, em Minesotta, sob o olhar omisso e cúmplice de outros três policiais, feriu a alma dos norte-americanos e convulsionou os Estados Unidos em uma revolta sem precedentes. Expressa a dor profunda de um país. As manifestações explodiram em mais de 150 cidades do país e se espraiaram por várias capitais do mundo que padecem de mazelas semelhantes.
Os Estados Unidos têm a imagem de uma pasárgada capitalista, a nação mais rica do planeta, onde jorra dinheiro, orgia do consumo, oportunidades e prosperidade para todos. Mas a morte covarde de George Floyd escancarou as contradições e as desigualdades raciais e sociais. Eles são, a um só tempo, o Primeiro Mundo e o Terceiro Mundo.
E, segundo os relatos dos repórteres brasileiros que fazem a cobertura dos protestos, a manifestação é, basicamente, dos jovens, com cerca de 60% de brancos e 40% de negros. Em plena pandemia, alguém havia dito que, da mesma maneira que o coronavírus se dissemina velozmente, o vírus da solidariedade também poderia se propagar.
E parece que é isso que está acontecendo. Só uma minoria partiu para a violência e o vandalismo. E, sempre que isso ocorre, a maioria pede: “Não nos envergonhe.” Não sei se vocês repararam na diferença entre as faixas de fatura impecável das manifestações de Brasília contra as instituições democráticas (STF e Congresso Nacional) e os cartazes artesanais dos jovens norte-americanos, precários, pobres e de papelão, mas com mensagens ricas de significado.
Tivemos cenas pungentes. É o caso da protagonizada pela filha de George Floyd, a menina de 6 anos, Gianna, que disse que o pai dela havia mudado o mundo. Ou das muitas vezes em que os manifestantes e alguns policiais se ajoelharam em um gesto de dilacerante humanidade em meio à tragédia social.
Com certeza, as manifestações dos EUA terão ressonância por aqui. Motivos não faltam para a eclosão de um movimento. Basta lembrar a morte recente do menino João Pedro, de 14 anos, em circunstâncias nebulosas.
Mas, neste momento, entendo que passeatas a favor ou contra o governo são insensatas. Só agravaremos a nossa situação dramática, provocada pela gestão desastrosa da pandemia pelo governo, como reconhece até mesmo o comunista Donald Trump. E, no tempo em que as manifestações puderem ocorrer, o caminho da violência deve ser evitado a todo preço.
Emerson Vitalino participou, na semana passada, de ato na avenida Paulista em favor da democracia. Insurgiu-se contra a bandeira da Ucrânia, apropriada como símbolo de um grupo paramilitar nazista. Recebeu xingamentos, levou tapas e chutes, mas não revidou. Ele foi campeão sul-americano de Muay Thai.
É um exemplo a ser seguido, a violência só interessa aos que conspiram contra a democracia. Sempre lembro de uma sequência de A idade da Terra, de Glauber Rocha, em que o Krysto Negro, encarnado por Antonio Pitanga, berra para ninguém no meio do cerrado de Brasília: “Acorda, humanidade! Acorda, humanidade!”