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'Pensei que ia morrer', afirma jovem agredido por PMs em Planaltina

Weliton Luiz Maganha, 30 anos, relata ao Correio os momentos de medo que passou ao ser vítima de violência policial. O morador de Planaltina estava em um supermercado da região quando foi abordado por dois militares. A PM apura o caso

Chutes, golpes de cassetetes e pedrada marcaram os momentos de agonia vividos por um vendedor ambulante de 30 anos. Weliton Luiz Maganha, negro e morador de Planaltina, sofreu agressões de dois policiais militares próximo a um supermercado no Setor de Áreas Especiais Norte da cidade, na noite de segunda-feira. Ao Correio, Weliton relatou o ocorrido e busca por justiça. “Pensei que ia morrer”, disse. O episódio de violência causou comoção no Distrito Federal e chama atenção por acontecer num momento em que há protestos contra o racismo em diversos países, após o afro-americano George Floyd ser asfixiado e morto por um policial branco em Minneapolis, Minnesota, nos Estados Unidos.

  



A Corregedoria da Polícia Militar do Distro Federal apura o caso, envolvendo os dois militares lotados no 14º Batalhão da PM. A corporação informou, por meio de nota oficial, que o incidente não se tratou de racismo, mas de violência policial.

Weliton mora com a esposa, a auxiliar de serviços gerais Gildete Corrêa, 44, e trabalha como vendedor de balas em ônibus. Ele conta que, na noite de segunda-feira, foi ao supermercado para fazer compras já que havia recebido a segunda parcela do auxílio-emergencial — valor distribuído às pessoas de baixa renda prejudicados pela pandemia da covid-19. “Quando saí do mercado, dois policiais me abordaram no estacionamento. Até aí, tudo bem. Viram meus documentos e, do nada, um deles me deu um soco na coluna, e eu o questionei: 'O que é isso, senhor?'”

Uma testemunha filmou a abordagem, nela é possível ver que Weliton grita: “Eu não fiz nada de errado”. Mas, os policiais o repreendem: “Fala baixo!” e, em seguida, desferem, pelo menos, quatro golpes de cassetete nas costas da vítima. “Quando caí no chão, jogaram spray de pimenta no meu rosto e me deram uma pedrada na cabeça”, afirmou o vendedor ambulante. Ele disse que sofreu lesões na clavícula e no crânio, além de diversas escoriações pelo corpo. A Polícia Militar do DF informou que os militares foram acionados para atender a uma chamada de perturbação da tranquilidade de ordem pública no local.

Carioca, Weliton se mudou para Brasília há três anos em busca de emprego. O rapaz trabalhou de carteira assinada como repositor de supermercado, aplicador de gesso e ajudante de obras. Sem passagens pela policiais, a vítima não tem dúvidas: foi agredido por ser negro. “Tenho certeza de que se fosse um homem branco, não teriam agido assim. Não entendi nada e pensei: 'Será que estão com preconceito?' Algumas pessoas tentaram justificar falando que eu era morador de rua ou usuário de drogas, mas não é nada disso. Apenas fui comprar comida em um mercado”, desabafou.

Ontem, a vítima procurou o Hospital Regional de Planaltina, onde recebeu atentimento e foi orientado a voltar na próxima terça-feira para uma nova avaliação médica.

Impotência


A reportagem ouviu uma pessoa que presenciou a ação dos PMs. Sem se identificar, ela contou que não conseguiu reagir. “Fiquei paralisado, porque se eu fosse lá confrontar, podia ser eu apanhando. É um sentimento de impotência muito grande”, lamentou.

A testemunha diz que estava no local e viu a agressão do começo. “Parece que o policial ficou com raiva por alguma coisa que ele falou e jogou spray de pimenta no rapaz, que estava rendido. É revoltante. Poderia ser meu avô, meu tio, porque todos somos negros. Isso aconteceu em um momento muito significativo, por toda mobilização contra a morte de George Floyd e pelo menino João Pedro. As pessoas precisam ver que isso acontece em todo lugar, como aconteceu em Planaltina”, afirma.

Gildete Corrêa disse que o esposo chegou machucado em casa e o orientou a procurar um advogado. “Eu estranhei a demora dele no supermercado e achei que pudesse ter ocorrido algo. Isso não se faz com as pessoas. É uma coisa terrível”, protestou. 


Suspeitos estão sob investigação


Os advogados voluntários da vítima, Anderson Tiago Campos e Paulo Henrique de Oliveira, esclareceram que levarão Weliton ao Instituto de Medicina Legal (IML) para exame de corpo delito hoje. “Pretendemos pedir o auxílio da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (OAB) local para acompanhar o caso no âmbito administrativo”, ressaltou Anderson. “Vamos cobrar indenização pelos danos. O vídeo é claro e não deixa dúvidas da utilização da força policial”, acrescentou Paulo.

Por meio de nota oficial, a Polícia Militar confirmou as agressões, informando que “o final da ação foi registrada conforme o vídeo”, mas argumentou que foi chamada após várias denúncias de perturbação e tranquilidade e da ordem pública. A corporação ressaltou que “não há que se falar em atitude racista, mas de excesso na ação policial”, e que os policiais foram ouvidos, no devido processo disciplinar/criminal, pela Corregedoria da PM, para “verificar as circunstâncias do fato com o rigor que o caso requer”. Nas redes sociais, a Polícia Militar de DF publicou que não compactua com desvios de conduta e reforçou que caso não se tratou de racismo. “Somos uma instituição bicentenária multiétnica e consciente da sua responsabilidade junto à sociedade. Os policiais do vídeo estão na Corregedoria e nada será impune aos rigores da lei”, diz o texto.

O secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, emitiu nota oficial, afirmando que atua em conjunto com o comando da PMDF para adotar “todas as providências legais de apuração dos fatos ocorridos”. “Está em curso a instauração de Inquérito Policial Militar. Deixamos claro, desde já, que as atitudes dos policiais em questão em nada correspondem às diretrizes de abordagem e conduta preconizadas pela corporação”, ressaltou o titular da pasta.

A Câmara Legislativa (CLDF) encaminhou, ontem, um ofício à PMDF pedindo a investigação das denúncias de violação dos direitos humanos ou cidadania. Na nota, assinada pelo deputado e presidente da Comissão dos Direitos Humanos, Fábio Felix, a Casa “repudia tal desvio de conduta e expressão do racismo institucional.”

De acordo com o presidente da OAB-DF, Délio Lins, ocorrências como essas são recorrentes. “Sempre que recebemos, prestamos assistência, após fazer uma análise do caso e ver a procedência. Quando se trata de um processo na Corregedoria, nos habilitamos como fiscais. Quando não existe, damos início ao procedimento”, frisou.

O caso também é investigado pela 16ª Delegacia de Polícia (Planaltina). Agentes foram ao supermercado em busca das imagens das câmeras de segurança.

Palavra de especialista

Sombra do passado

“É enganoso pensar que o fato de ser a sede do poder de Estado faria de Brasília um local seguro e protegido para os mais pobres em relação as forças mais violentas que abusam do poder para humilhar e subjugar o outro pela via do horror do racismo, por exemplo. As cenas que vimos em Planaltina expressam a sombra de um passado que nunca deixou de ser presente na capital desde os tempos da Pacheco Fernandes, índio Galdino e tantos outros fatos narrados por diversos personagens sem-nome. No entanto, houve uma mudança hoje. A mudança está no poder de tornar mais ou menos invisível essa violência do cotidiano contra os direitos da população pobre e negra do Distrito Federal”., Perci Coelho de Souza, professor doutor em serviço social do Instituto de Ciências Humanas e do Centro de Estudos Avançados e Multidisciplinares da Universidade de Brasília (Ceam/UnB).