Nesta semana, o Distrito Federal chega ao terceiro mês de curva ascendente de casos do novo coronavírus. A confirmação da primeira infecção na capital ocorreu em 5 de março. Desde então, cada vez mais testes foram realizados e cada vez mais moradores, contaminados, assim como vem crescendo a quantidade de óbitos causados pela covid-19. Porém, para especialistas, o pico da doença ainda não chegou.
A Companhia de Planejamento (Codeplan) divulgou pesquisa que mostra que o DF terá crescimento acelerado de casos e mortes nos próximos dias. De acordo com as projeções do estudo, até 23 de junho, a capital terá 25.751 diagnósticos positivos e 659 óbitos. Com base em experiências internacionais, pesquisas alertam ainda que o dado real pode ser até quatro vezes maior do que o divulgado.
As análises de estudiosos e de setores do governo servem como parâmetro para ações da Secretaria de Saúde, que registra, atualmente, uma taxa de 45% de ocupação de unidades de terapia intensiva (UTIs) e tenta evitar a falta de leitos, que começa a ser realidade em vários estados brasileiros. O relatório da Codeplan, por exemplo, levou em consideração dados contabilizados até 24 de maio, e mostrou que a precisão dos números fica sujeita à regularidade da aplicação dos testes rápidos. O estudo ressalta que “mudanças no grau de isolamento podem modificar esse cenário, com consequências sobre a taxa de expansão”.
Para o presidente da Companhia, Jean Lima, não se pode falar que a projeção de 659 mortes nos próximos 22 dias está dentro do que era esperado normalmente. “O mundo todo vive uma situação bem complexa, não há quem tenha controle sobre o vírus, então o que é chamado de ‘esperado’ é muito improvável. Observamos, ainda, detalhes como o comportamento diferente da doença em cada região, temos que levar em conta o grau de isolamento, a quantidade de pessoas com comorbidades, a população mais vulnerável, tudo isso”, pondera.
A projeção da Codeplan mostra que a taxa de crescimento dos casos caiu de 6,5% para 5% entre os dias 17 e 23 de maio, em comparação à semana anterior. Entretanto, indica que essa mudança não foi suficiente para que ocorra uma nova tendência em escala logarítmica. Com a taxa de aumento dos casos em 5%, a pesquisa aponta que o DF levaria entre 14 e 15 dias para dobrar o número de casos confirmados, caso o índice se mantivesse constante. “Isso embasa um pouco do que vamos precisar lá na frente. Se há uma quantidade ‘x’ de contaminados, temos que ter uma quantidade ‘x’ de leitos. Então, levantamos essas análises e passamos para a Secretaria de Saúde, que vai definir ações de controle”, detalha o presidente da Companhia.
Curva e subnotificação
O epidemiologista Mauro Sanchez, da Sala de Situação da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o cenário do Distrito Federal ainda é incerto e que não é possível estimar quando a capital chegará ao pico de contaminações por coronavírus. De acordo com ele, estudos desenvolvidos na UnB mostram que o nível de contaminação é maior do que as notificações da Secretaria de Saúde. “Temos estudos que se baseiam em dados da Coreia do Sul, e fizemos uma projeção em cima disso. Com a subnotificação, hoje, se o DF tem cerca de oito mil casos, nossa estimativa é de que, na verdade, existam quase 32 mil — quatro vezes mais e com uma tendência de subida constante”, ressaltou.
O especialista destacou que a capital ainda tem uma curva ascendente e que não está sob controle de forma nenhuma. “Enquanto ainda não tem um tratamento eficaz ou uma vacina, não há muita conversa. O ideal é aderir ao isolamento social”, alertou. Para Mauro, as flexibilizações das medidas de restrição impostas pelo Executivo, como a abertura dos shoppings na última quarta-feira, ainda são prematuras.
Para o estudioso, o ideal é que seja avaliada a velocidade do contágio, a capacidade hospitalar e a taxa de isolamento social antes de retomar alguma atividade. Ele explica ainda que a cada segmento retomado o ideal é que se espere de 10 a 14 dias para que os impactos sejam avaliados, e só depois haja outra medida nesse sentido. “A taxa de duplicação dos casos, que é o período em que uma região demora para dobrar o número de infectados, já chegou a ficar abaixo dos 10 dias no DF. Teve uma pequena subida nos últimos dias, porém, por outro lado, as internações continuam subindo”, alertou.
Mauro reforçou que a curva de contaminações é instável. “Enquanto não conseguirmos avaliar qualquer mudança na velocidade do crescimento de casos, não podemos dizer se estamos perto do pico”, disse. Para as pessoas que precisam sair às ruas, o estudioso comentou que elas devem obedecer ao uso das máscaras, manter o distanciamento e fazer a higienização das mãos. Além disso, o epidemiologista ponderou que os lados econômico e da saúde devem ser tratados juntos e não como assuntos distintos. “O ideal é que haja o acompanhamento dos dados e que haja auxílio do governo para pessoas de baixa renda, que, muitas vezes, precisam quebrar o isolamento social para levar comida para casa”, frisou.
Isolamento social
Ficar em casa quando possível também é a recomendação de quem está à frente de ações de combate dentro do Governo do Distrito Federal. Eduardo Hage, subsecretário de Vigilância à Saúde, afirma que os dados da capital mostram que há cada vez mais pessoas nas ruas, mesmo para atividades que não são essenciais. “Nas últimas semanas, observamos um isolamento social de 42% no DF, ou seja, quase 60% da população estão fora de casa e não são todos envolvidos em serviços. São pessoas em rodas de amigos, locais abertos de forma clandestina, como bares”, observa Hage. Mesmo com essa dificuldade, o subsecretário avalia que o DF está conseguindo controlar um dos maiores obstáculos de outras regiões.
Ele afirma que o DF tem uma das menores taxas de letalidade pela covid-19 e mantém um bom número de leitos vagos. “O objetivo das projeções é estimar a infraestrutura necessária hoje e ao longo do tempo durante toda a pandemia, para que todos possam ter acesso aos serviços de saúde, evitando, assim, a mortalidade que observamos em outros estados”, explicou o subsecretário. Com os números atuais, a Secretaria de Saúde estima que o pico de casos confirmados aconteça em julho, mas avaliações futuras podem mudar perspectivas. “Fazemos projeções diárias, e as perspectivas variam muito de uma semana para outra. Mas é importante dizer que o DF não tem problema de subnotificação de casos e as flexibilizações de atividades econômicas são fiscalizadas, com o comércio devendo cumprir uma série de medidas de saúde”, defendeu Hage.