Cidades

Crônica da Cidade

Não somos cobaias

Em todos os países, lutar contra o coronavírus é uma batalha descomunal, que precisa ser enfrentada em múltiplas frentes. Mas, se os vírus da desinformação, da ignorância e da irresponsabilidade se intrometem no meio da refrega fica difícil ganhar a guerra. E é isso que está acontecendo no Brasil. Com todo o respeito, mas, academia, manicure e barbearia podem ser consideradas atividades essenciais em meio a uma pandemia?

Alguns reclamam de usurpação das atribuições do Executivo por outros poderes. Mas, na verdade, o Congresso, o STF e o Ministério Público apenas cumprem as suas funções de defender a democracia de excessos dos governantes. A culpa não é da imprensa. Não estamos em uma monarquia, mas, sim, em uma república.

Com mais de 10 mil mortos, o presidente da República queria fazer um churrasco (só recuou depois da repercussão negativa), passeou de jetski e, ao ser indagado sobre o número de mortos, respondeu: “E daí?”

Brasília ainda se encontra em situação razoável em relação a outros estados por causa da acertada medida de adotar o isolamento social antes de todos. Mas, apesar disso, o governador vacilou em vários momentos. Só as coisas cogitadas para serem liberadas no DF são de arrepiar. Especulou-se a possibilidade de trazer os jogos da reta final do campeonato carioca para Brasília, no Mané Garrincha, em plena pandemia.

Quem barrou essas aventuras desrazoadas foi o Ministério Público. Mas, agora, depois de um período em que as decisões eram regidas pelos parâmetros da ciência, somos surpreendidos com a postura da Justiça Federal em liberar uma flexibilização escalonada do comércio. Ela é baseada em que estudo ou análise científica?

Estamos longe do pico de casos da covid-19 no DF. E é como se já tivéssemos superado a pior fase da pandemia. E isso não aconteceu, por tudo que sabemos pelos cientistas, os médicos e os epidemiologistas. A maioria deles considera precipitado esse retorno à suposta normalidade.

Nunca como agora os governantes, as autoridades e os líderes precisaram tanto ser responsáveis, sensatos e corajosos. Os que brincam com a nossa vida serão responsabilizados. É sobre eles que recairão o peso das mortes que poderiam ser evitadas. Em quase todos os países do mundo, o isolamento social é, simultaneamente, uma medida sanitária e econômica.

Os líderes construtivos não podem permanecer omissos. Se não forem barradas as ofensivas insanas, o que se aproxima é um genocídio anunciado. Não somos cobaias. Os principais jornais do mundo estão estarrecidos com o Brasil. Mas nós deveríamos estar ainda mais espantados, pois sofreremos na carne o peso de nossa omissão.