As aulas presenciais no Distrito Federal estão suspensas desde o dia 12 de março, quando o governo decretou medidas de combate ao coronavírus. A rápida disseminação da covid-19 obrigou ações imediatas, e os professores tiveram que se adaptar em um curto espaço de tempo à nova rotina. Mas, nesse cenário de instabilidades, surgem inovações. Driblando problemas que surgem, educadores da capital usam a criatividade para manter os alunos em contato com a escola, mesmo a distância. Para isso, vale dar aulas em lives, criar páginas no YouTube, utilizar ferramentas de edição para vídeos dinâmicos e até promover atividades em família.
Professores lembram que, antes de iniciar o processo, é preciso entender a realidade dos estudantes. Cristine Hélida dos Santos dá aulas no Centro de Ensino Médio 404, de Santa Maria, e conta que identificou quais as plataformas mais utilizadas pelos alunos para levar o conteúdo até elas. “Como eles são bem antenados no Instagram e no Facebook, procurei utilizar esses meios, porque são alunos de ensino médio, e temos dificuldade de prender a atenção deles. Então, pensei em usar redes que são comuns no cotidiano dos garotos”, explica a professora de informática. Uma das estratégias que mais fazem sucesso é quando Cristine colhe dúvidas que os estudantes mandam pelo WhatsApp, e prepara aulas que são ministradas ao vivo no Instagram.
“Planejo a atividade com uma semana de antecedência, anoto a demanda que chega e elaboro um roteiro. As primeiras interações que fiz foram para ensinar como se faz o pedido de isenção de taxa de inscrição do Enem, e o CEM 404 foi uma das escolas do DF que mais teve isenções”, comemora a professora. Ela acredita que essas experiências vão fazer com que os jovens tenham mais facilidade para utilizar a internet para os estudos, após o período da pandemia. “O uso de ferramentas digitais agora vai dar uma alavancada na nossa educação lá na frente”, acredita.
Acolhimento
Além da preocupação em fornecer conteúdos do programa pedagógico para que os alunos mantenham os estudos, os educadores ainda observam com sensibilidade outras carências dos jovens nesse período. Adriano Francisco da Silva é supervisor pedagógico do Centro de Ensino Fundamental 206, no Recanto das Emas. Ele lembra que a escola não pensa somente nas disciplinas, e essa reflexão deve ser feita também a distância. “Discutimos o que iríamos fazer pensando não só em dar conteúdo, mas em permitir o contato com o aluno. Às vezes, eles querem desabafar devido à situação psicológica que se encontram, às vezes nos procuram porque estão em uma família com vulnerabilidade e precisam de alimentos”, detalha.
Pensando nisso, o CEF 206 abriu canais de comunicação com os estudantes que permitem a interação com os diferentes profissionais da instituição. “Temos uma psicopedagoga, psicóloga, gestores da sala de recursos e orientadores. Todos eles fizeram pastas na plataforma digital da escola e trabalham com elas para acolher nesse momento difícil. Isso tem que ser feito, nós temos que tentar entender a realidade de cada um dos alunos”, avalia.
Interação
Criatividade e conteúdo. Esses são os dois elementos que não faltam no 'Caderninho das Grandes Descobertas', dos alunos da Escola Classe 413 Sul. A iniciativa faz parte do projeto Interagindo com as Famílias. “Assim que as escolas foram liberadas para voltarem às aulas a distância, fizemos uma reunião por teleconferência para definir as atividades que iríamos oferecer aos alunos”, conta a diretora Vera Lúcia Ribeiro. “A gente posta vídeos com várias atividades, toda as terças e quintas, e eles podem acessá-las pelo Youtube, Facebook ou pelo WhatsApp da escola”, conta.
Os exercícios são voltados para os alunos do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental e abordam assuntos do dia a dia. “Esses dias fizemos uma atividade pedindo para que as crianças se vestissem de acordo com a profissão que gostariam de atuar no futuro, e que fizessem uma encenação. O retorno foi bem positivo”, relembra a diretora. “Montamos vídeos e postagens. Cada área é desenvolvida com dicas de jogos, brincadeiras e leituras que podem ser feitas em família. A cada atividade completa, o aluno relata no caderno”, completa Vera.
As postagens são semanais e sempre acompanhadas por mensagens e vídeos de acolhimento e incentivo. “A nossa ideia é, assim que acabar a pandemia, fazer uma exposição dos caderninhos, das descobertas que eles fizeram durante o isolamento social”, declara. A aluna Alice do Nascimento Fernandes Barbosa, 6 anos, já se acostumou com a rotina dos vídeos, mas não vê a hora de voltar para a escola. “Quando eu acordo, tomo café da manhã e depois pego meu caderno das descobertas para fazer as atividades. Eu gosto de fazer os exercícios, porque isso diminui muito a saudade”, relata.
Duas perguntas para Gina Vieira Ponte de Albuquerque - Professora da Secretaria de Estado de Educação do DF há 29 anos, mestre em linguística e especialista em EaD pela Universidade de Brasília (UnB)
Na sua visão, quais as principais dificuldades que os professores estão lidando nessa transição para o ambiente virtual?
A dificuldade que estamos enfrentando é de uma rede de ensino que não cumpriu a tarefa de promover, gradativamente, antes dessa crise, iniciativas que auxiliassem efetivamente estudantes e docentes a se aproximarem das novas tecnologias. Além dessa lacuna nas gestões, a principal dificuldade, primeiro, é que ainda temos que lidar com muitos estudantes que estão excluídos do mundo digital, não só do ponto de vista de não ter o domínio das novas tecnologias, mas também da dificuldade de acesso. Uma internet de banda larga, de alta velocidade, um computador com um bom processador ainda são bens que não chegam a todas as famílias. O custo de uma boa internet pode chegar a um terço do salário mínimo. A pesquisa realizada no DF, que indicou que 95% dos estudantes têm acesso à internet, precisa ser qualificada. Não basta dizer quantos acessam a internet, mas em que condições fazem isso. Então, para falar em transição para o ambiente virtual de aprendizagem, temos muitas questões a resolver. Não podemos adotar um modelo de atendimento pedagógico que esteja a serviço do aprofundamento das desigualdades sociais. Não podemos tomar como parâmetro para a construção de respostas educacionais, os estudantes que gozam de melhores condições econômicas. O Distrito Federal é um território muito marcado por desigualdades. Se é verdade que temos estudantes de escola pública que acessam internet de banda larga, de seus computadores modernos, também é verdade que temos estudantes que vivem em áreas sem saneamento básico.
Um dos problemas que surgem na educação a distância é a dificuldade de se ter uma pedagogia que não preze somente pela transmissão de conteúdos. Como podemos enfrentar isso?
O que está sendo proposto agora, em caráter emergencial, pode ser chamado de atendimento pedagógico remoto, mediatizado pelas novas tecnologias. O atual contexto da pandemia de covid-19 escancarou o quanto a nossa educação ainda é bancária e instrucionista, ou seja, fundamenta-se na concepção de que educar é depositar conteúdos, é transmitir conhecimento. O problema desta concepção é que ela limita o estudante a espectador. As pesquisas mais recentes na área de educação indicam que, para aprender, o estudante precisa ser parte ativa no processo pedagógico, precisa ter espaço para protagonismo e autoria. Em aulas em que ele é reduzido a espectador, à plateia, o que ocorre, muitas vezes, é uma simples memorização do que é dito, mas não há construção efetiva do conhecimento. Para vencer esse paradigma instrucionista e caminhar para o paradigma da aprendizagem, é imprescindível que os docentes exerçam as suas autorias e estimulem os estudantes a fazer o mesmo. Então, em um momento como este, algo que pode ser pedido para os estudantes é que eles produzam um diário da quarentena, no qual possam falar de suas experiências neste momento, registrando e refletindo sobre elas. Eles podem pensar na produção de telejornais que tragam informações qualificadas para as suas comunidades, podem produzir blogs e vídeos informativos que circulem na comunidade. É importante destacar que há competências anunciadas em nosso currículo que não podem ser desenvolvidas com aulas expositivas ou videoaulas, mas a partir de vivências, de experiências que sejam proporcionadas aos estudantes. Este é um momento muito propício para isso. Qualquer atendimento pedagógico remoto que seja proposto deve ter por principal objetivo manter os vínculos prazerosos dos estudantes com a escola. Mais importante do que enviar videoaulas e planilhas de tarefas, é a escola criar formas de se manter em contato com os estudantes e suas famílias, oferecendo apoio, orientação e acolhimento.
Outros projetos
Alfabetização virtualA professora do ensino fundamental Andrea Rodrigues, da Escola Classe Granja do Torto, trouxe a sala de aula para a casa dela. Por meio de vídeos, ela faz uma revisão das letras do alfabeto de forma virtual. Os objetos encontrados pela casa também auxiliam nas aulas. “Em uma semana ensinei a letra L. Peguei laranja, limão e outros objetos para exemplificar. No começo foi um grande desafio, mas agora já estou buscando outras ferramentas para ter mais contato com os alunos”, conta.
Web recital de clarineta
O professor de clarineta Hugo Macêdo, da Escola de Música de Brasília, convidou os alunos para participarem de aulas on-line com interatividade imediata. Juntos, eles conseguiram fazer o 1º Web Recital. “Lecionar on-line foi entrar num campo desconhecido mas, com o tempo, me adaptei e descobri ferramentas riquíssimas que têm me apoiado nesse trabalho, tão boas que pretendo continuar usando-as quando este confinamento acabar”, declara o docente.
Roda de música on-line
A professora da educação infantil da Escola Classe Granja do Torto Marjorie Martins procurou encurtar a distância dos alunos por meio de vídeos e manter a rotina das rodas de música durante a semana. “Eu faço vídeos cantando as músicas que eles já conhecem. No começo foi difícil, porque não tenho o hábito de gravar nada. Mas não queria deixar as crianças sem esse contato visual, então aceitei o desafio”, relata.
Múltiplas aprendizagens
O Centro Educacional do Lago Sul criou uma plataforma para os alunos chamada Mantendo o Ritmo. Nela, os alunos podem acessar materiais pedagógicos, videoaulas, roteiros de estudo, dicas de organização e estudos individuais, além de outras oportunidades de cursos e recursos. São cerca de 60 salas de aula, de quase todas as disciplinas, e diversos projetos da parte flexível. O professor de matemática Mateus Henrique Becker criou também grupos de WhatsApp para divulgar aos estudantes informações não curriculares. Há ainda um grupo de conversação em inglês, pois a escola pública tem metodologia bilíngue.