Mesmo com a reabertura de parte do comércio adiada em uma semana, a decisão ainda gera incertezas. Ao mesmo tempo em que empresários sofrem prejuízos financeiros, projeções mostram que a curva de infecções e de mortes pela Covid-19 no DF ainda é ascendente. Enquanto entidades do setor e o Governo do Distrito Federal (GDF) estudam planos para uma retomada gradual e cercada de condições indispensáveis, trabalhadores do ramo e pesquisadores temem as consequências da medida.
Joselândia Nunes, 49 anos, gerencia uma rede de cosméticos no Sudoeste. A loja foi fechada em 6 de abril, mas retornou no dia seguinte, em horário reduzido. Apesar da queda nos lucros durante a pandemia, o estabelecimento aderiu ao serviço de entrega. “Espero que o comércio possa reabrir, claro que tomando os devidos cuidados. Aqui na loja não dispensamos o uso do álcool em gel nem das máscaras. Sabemos quanto são importantes. A esperança é de que tudo volte ao normal”, disse.
Mesmo com a pressão de alguns setores para a retomada, o movimento não deve ser o mesmo. O índice que calcula a Intenção de Consumo das Famílias (ICF) atingiu o segundo menor nível da série histórica do DF — que começou em janeiro de 2010: 86,4 pontos. A taxa só foi menor em julho de 2016, quando o indicador ficou em 84,2. Feito pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio/DF), o levantamento saiu na semana passada e contou com a participação de cerca de 600 famílias, entrevistadas nos últimos 10 dias de março.
O ICF varia de zero a 200, conforme a percepção de insatisfação (zero a 100 pontos) ou de satisfação (100 a 200) dos entrevistados. Os temas das perguntas envolvem emprego, renda e capacidade de consumo. O presidente da Fecomércio/DF, Francisco Maia, avalia que, diante do cenário socioeconômico atual, o mais indicado é que a abertura seja gradativa. “Todo mundo está com medo de sair de casa, e mais gente está deixando de comprar. Os empresários sabem disso. Reabrir o comércio não significa que teremos mais vendas. Mas, aos poucos, elas vão crescendo”, acredita.
Para o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos, a situação de outros países deve servir como exemplo. Ele lembrou que, em vários deles, as quarentenas foram rígidas e só flexibilizadas após a queda no número de infecções. “Se esse processo se sair mal (no DF), podemos ter o que vimos na Itália, Espanha, Inglaterra. O risco é ter de voltar atrás, porque houve descontrole (da situação)”, comenta. “A reabertura pode ser um tiro no pé? Sim, pois muitas pessoas estão com medo de sair e podem se sentir inseguras no sentido de não planejar a longo prazo. Mas, se der certo, ela pode gerar um círculo virtuoso. Não há uma receita, mas é preciso estar seguro (da decisão), pois a vida das pessoas está em jogo”, completa Carlos Alberto.
Reunião
Vendedora de uma loja de alimentos orgânicos, Poliana de Oliveira, 18, é favorável à reabertura gradual do comércio. “Para mim, bares, restaurantes e academias têm maior risco de contaminação. Eles deveriam voltar às atividades só mais para a frente”, defende. Com a possibilidade de os estabelecimentos reabrirem em 11 de maio, Poliana se diz esperançosa, mas admite sentir medo. “A minha expectativa é de que possamos alcançar a meta das vendas. Queremos algo que não piore a economia, mas também devemos nos atentar à saúde. Muitos falam que não houve pico da pandemia, mas acho que o número de pessoas infectadas deve crescer”, relata.
A situação de bares e restaurantes é polêmica. Face às demissões e à diminuição dos lucros, representantes do setor tentam negociar com o governo local, mas não há previsão de que esses estabelecimentos entrem no grupo de serviços liberados. O presidente do Sindicato Patronal de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael Silva, está preocupado com a falta de respostas do governo quanto à reabertura dos estabelecimentos. “Estávamos criando expectativa. Muitos empresários readaptaram os ambientes para receber os clientes, com precaução. O que queremos, enquanto sindicato, é ter um diálogo mais próximo com as autoridades, no sentido de termos uma data concreta e algo planejado. Não dá para ficar apenas prorrogando”, reclama.
Segundo ele, 317 empresas do ramo fecharam as portas e mais de 6 mil pessoas foram demitidas. “Precisa-se criar um auxílio para empregador e funcionário, assim como criaram aos desempregados e autônomos. Eles não têm ajuda e como se sobrevive sem receita? Não tem como”, diz.
Decreto
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), adiou oficialmente a retomada da atividade comercial. Fechados desde 19 de março devido ao novo coronavírus, alguns setores de comércio e serviços abririam hoje. Entretanto, o chefe do Executivo decidiu adiar o prazo para 11 de maio, por meio de decreto publicado em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF) de ontem. Um dos motivos que levou o emedebista a mudar a data foi porque 1 milhão de máscaras, que serão doadas para a população, não estavam prontas.
Cautela e risco alto
Para Ana Helena Germoglio, infectologista do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), a reabertura do comércio pode representar um alto risco para a população. “Quando avaliamos a abertura dos estabelecimentos, nos preocupamos com as possíveis repercussões em termos de saúde pública. Invariavelmente, teremos mais pessoas circulando nas ruas, partilhando transportes públicos e se aglomerando em comércios. Isso pode gerar o aumento abrupto de casos da Covid-19 e acabar por sobrecarregar as redes pública e privada de hospitais”, argumenta.
Segundo Ana Helena, independentemente do uso de máscaras, a população do Distrito Federal deve entender que outras medidas de contenção da disseminação do novo coronavírus são importantes para mitigar o efeito da doença sobre o sistema de saúde. “Essas ações de distanciamento social, higienização das mãos, de evitar aglomeração e compartilhamento de objetos, além de aumentar a circulação de ar nos ambientes, são mais importantes do que o uso isolado de máscara”, destaca a especialista do Hran.
GDF
Em nota oficial, o Executivo local informou que a “possível reabertura do comércio a partir de 11 de maio leva em conta avaliações de especialistas, critérios científicos e dados técnicos”. No entanto, a manutenção do funcionamento dos estabelecimentos comerciais dependerá do cumprimento das “medidas que o governo vier a estabelecer para garantir a segurança dos trabalhadores e dos cidadãos”. “O uso obrigatório de máscaras por trabalhadores e clientes, funcionários devidamente testados, álcool em gel e equipamento para aferição de temperatura deverão estar disponíveis em todos os estabelecimentos”, destaca o texto.
Linha do tempo
Confira o histórico dos registros de casos, da primeira morte e das ações adotadas pelo Executivo local diante do avanço do novo coronavírus:
Número do decreto Data Determinação
— 5 de março Confirmação do primeiro caso de Covid-19 no DF
40.509 11 de março Suspensão das aulas por cinco dias
40.520 14 de março Suspensão das aulas por 15 dias
40.528 17 de março Estabelecimento de ponto facultativo em 18, 19 e 20 de março
40.537 18 de março Suspensão do atendimento presencial em agências bancárias
40.539 19 de março Determinação do fechamento dos estabelecimentos comerciais
40.546 20 de março Instituição do teletrabalho no GDF
40.550 23 de março Ampliação dos estabelecimentos comerciais fechados
— 27 de março Primeira morte registrada por Covid-19 no DF
40.570 27 de março Autorização da reabertura de lotéricas e correspondentes bancários e lojas de conveniência
40.583 1º de abril Prolongação da quarentena até 3 de maio e alteração de estabelecimentos comerciais autorizados a funcionar
40.602 7 de abril Autorização da retomada do atendimento ao público em agências bancárias e cooperativas de crédito
40.612 9 de abril Autorização de reabertura de lojas de móveis e eletrodomésticos e o Sistema S
40.622 14 de abril Reabertura de ópticas
40.642 22 de abril Liberação para escritórios de advocacia, contabilidade, engenharia e arquitetura e imobiliárias
40.659 24 de abril Autorização para a reabertura de lojas de tecido, armarinhos e Cine Drive-in, além de realização de celebrações religiosas, desde que os fiéis assistam às missas dentro dos carros
Fonte: Boletim Codeplan Covid-19, de 28 de abril de 2020