Cidades

Apoio da família é fundamental para idosos em época de isolamento social

Parte do grupo de risco da Covid-19, idosos dão lições de como passar por este momento de pandemia sem deixar a angústia vir à tona. O apoio dos familiares e amigos também é fundamental

Após mais de seis décadas de vida, muita dificuldade já foi superada. Idosos estão no grupo de risco das complicações do novo coronavírus, mas usam a experiência para lidar com sabedoria neste momento sensível. Driblando a ansiedade, muitos moradores do Distrito Federal dão exemplos de como enfrentar a pandemia com calma e esperança. Nessa hora, atividades simples em casa, ligações rápidas para um familiar ou leituras leves se tornam grandes aliadas no combate ao vírus e aos medos provocados por ele. Especialistas dão dicas de como manter uma boa saúde mental neste período, mas alguns acabam ouvindo palavras de conforto dos próprios pacientes.

 

É o que conta Thiago Póvoa, geriatra do DF Star e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do DF. “Mais do que passar, eu recebo tranquilidade dos idosos no consultório. Dizem: ‘Doutor, não se preocupe, isso vai passar’, porque eles já viveram muita coisa na vida e têm a calma que o tempo nos traz. Para quem viveu 70 anos, três meses de distanciamento é algo mais fácil de lidar”, relata.

 

Thiago diz que esse pensamento é importante para todos, principalmente quando aliado aos cuidados médicos necessários para prevenir o coronavírus. “É preciso fazer nossa parte, levar a sério as recomendações dos órgãos de saúde, ficando em casa e mantendo hábitos de higiene para evitar o vírus, mas lembrando que, cedo ou um pouco mais tarde, nós vamos poder abraçar quem amamos”, conforta.

 

Mesmo assim, o especialista crê que é necessário continuar prestando cada vez mais orientações para este período. Uma das primeiras recomendações no consultório tem a ver com os hábitos cotidianos. “Os idosos não devem mudar a alimentação saudável, a boa quantidade de líquido que bebem e a qualidade do sono. É necessário manter uma rotina.”

 

Entre atividades que ajudam a manter uma boa saúde no dia a dia, exercícios simples são primordiais. “Muita coisa básica pode ser feita, como se expor ao sol, nem que seja de uma janela, uma porta, por cerca de 15 minutos. Isso pode garantir que os hormônios tenham mais regularidade. Sentar e levantar de uma cadeira também ajuda a circulação das pernas. Traçar uma linha reta na sala e procurar ir e voltar, se equilibrando, pode deixar nossos músculos mais organizados”, exemplifica.

 

Cabeça ativa

 

Cuidar da mente também é essencial em meio a uma pandemia, e idosos dão bons exemplos de como manter o bem-estar mesmo dentro de casa. Enilde Lins, 71 anos, brinca dizendo que falta tempo dentro das 24 horas do dia para fazer todas as atividades de que gosta. “Gosto de cuidar da casa, deixar limpinha, organizada. Faço o almoço, jantar, invento receita de bolo, pão, sobremesa. Também gosto muito de costurar. Fico o tempo todo ocupada com algo. Se duvidar, falta até espaço no dia”.

 

A aposentada conta que, o fato de não estar só, ajuda a passar por essa fase. “Moro com meu neto, e isso faz bem. Ficamos nós dois em casa, cumprindo a quarentena, mas aproveitamos para assistir à televisão, ver filmes. Apesar de que os filmes a que ele assiste não são muito do meu gosto. Mas gosto muito de ficar com ele, me ajuda demais”, afirma.

 

Palavras de conforto

 

Enilde sente falta de coisas que não pode fazer durante o isolamento, como cuidar de dois netos que via com frequência, mas se apoia na fé e na esperança para não se abalar. “Não me sinto agitada, nervosa ou ansiosa. Tento ter contato com os netos e filhos por telefone, para amenizar a falta, e fico assistindo aos vídeos espíritas de que gosto, conversando com Deus todos os dias.”

 

Eldomira Pereira, 73, também conta que a espiritualidade e o contato telefônico diminuem as distâncias criadas pela pandemia. “Tenho um grupo de umas 15 amigas que se reunia toda quinta-feira. Agora, nós paramos de nos encontrar pessoalmente, mas continuamos ligando uma para outra, perguntando como estão e conversando. Outra coisa que me ajuda é ler livros religiosos, que sempre têm palavras de conforto”, relata.

 

A aposentada não se considera “uma pessoa muito agoniada”, mas também não é “daquelas mais paradas”. No meio termo, ela encontra tranquilidade para encarar os problemas da Covid-19. “Fazer coisas manuais ajuda, como crochê. Fico tricotando, faço lençóis, sapatinhos para bebês, cachecóis. Tudo para doação. Tem muito idoso fazendo máscaras também. Isso é legal, ajuda todo mundo”, lembra.

 

Para Eldomira, mesmo sendo um período difícil para todos, surgem boas ações que mostram a bondade da população. “Vejo muita gente tendo mais carinho com os idosos. Agora mais ainda, mas já percebia isso antes. As pessoas que têm idosos na família estão preocupadas. Meus filhos ligam sempre, perguntam se eu estou precisando de algo. E também vejo amor em quem está trabalhando no dia a dia, porque médicos, faxineiros, jornalistas e essas pessoas que precisam estar no serviço estão se sacrificando por quem está em casa, como eu”, avalia.

 

Distanciamento social não é isolamento afetivo

 

O exercício da paciência durante a quarentena fica mais difícil para quem não tem companhia de familiares. Manter a calma em meio às notícias tristes, sem uma pessoa que ama por perto, não é simples. Por isso, cada vez mais especialistas recomendam que parentes busquem ferramentas para não abandonar os idosos. Para Tatiana Casilo, psicóloga clínica especialista em psicanálise, é necessário lembrar que não há receita pronta sobre como manter uma boa saúde mental neste período, nem respostas rápidas quando o assunto são as complexidades do ser, mas há caminhos que podem ser bons começos.

 

“Podemos utilizar a tecnologia a nosso favor neste momento. Se for possível, fazer ligações de vídeo para familiares e amigos, para dar uma amenizada na saudade. O idoso que mora sozinho, e sabe que tem por perto um vizinho mais novo, pode pedir ajuda para compras de itens externos ou para utilizar a tecnologia, lembrando das medidas de higienização”, diz.

 

Abrigados também precisam de uma atenção especial, principalmente com a suspensão das visitas de muitos lares do DF, que atenderam às recomendações médicas. “Acredito que seja um momento em que os cuidadores do local possam pensar em atividades criativas, como uma noite de bingo, ou um karaokê no pátio. Algo que ajude a levantar o astral para que os efeitos negativos gerados pela pandemia não façam morada nos corações desses idosos”, diz Tatiana.

 

Angelina Pereira, 68, mora no Lar dos Velhinhos Bezerra de Menezes, em Sobradinho, e conta com o convívio afetuoso dos cuidadores da casa para diminuir os impactos causados pela distância dos parentes. “Minha família está toda em Mato Grosso. Vim para Brasília há uns 25 anos, para trabalhar, mas, recentemente, tive um problema na perna e hoje estou aqui”, conta. Foi justamente neste momento de distanciamento que ela conseguiu contato com quem ama. “Tenho uma irmã que fazia 40 anos que a gente não se falava, mas, na semana passada, eu recebi uma ligação dela. Ela disse que me encontrou por causa da internet, que me achou no abrigo, pegou o número e ligou. Foi muito especial”, relata.

 

A conversa teve palavras simples, mas gratificantes. “Tivemos muito assunto, foi papo de horas. Ela disse ‘sou feliz por você estar bem’”, contou Angelina. A idosa enxerga contatos como esse como presentes aos moradores do lar. “As visitas fazem muita falta no dia a dia. A gente fica sem ter com quem conversar. Pessoas que têm pais, mães, tios e avós aqui precisam ligar, nem que seja rápido, para dizer um ‘oi’, dizer que vai vir quando tudo isso passar, que vai levar pra passear. Porque é muito duro. Tem idoso que comenta que recebeu uma ligação de alguém, e às vezes o outro não recebeu”, diz.

 

Ajuda

O lar reforçou os pedidos de doações, que podem ser feitas por transferência bancária de qualquer valor, com os dados abaixo:

 

Banco do Brasil

Agência: 1226-2

Conta: 90697-2

CNPJ: 00.627.927.0001.56

 

Três perguntas para Ana Paula Caetano, psicóloga

 

De forma geral, quais fatores mais contribuem para que uma pessoa lide bem ou não com este período de quarentena?

Estamos vivenciando um momento muito particular, que nos exigiu uma série de adaptações. Para os idosos, isso não foi diferente. Muitos possuíam uma vida extremamente ativa e independente e hoje se veem mais passivos, precisando de outras pessoas para realizarem atividades rotineiras. Mas somos seres singulares. Por isso, cada indivíduo lida de formas diferentes em situações de crise. Há alguns fatores que contribuem para que a pessoa lide melhor nessa situação, como a percepção que ela tem sobre si e sobre o futuro - se é uma visão mais positiva, uma visão de crescimento acerca dos momentos de crise. Também há a rede de apoio e a qualidade dos relacionamentos intrafamiliares, pois, com isso, o medo, o desamparo e a solidão são minimizados, e a pessoa mantém o sentimento de fazer parte de um grupo. Podemos citar também o autocuidado que ela mantinha mesmo antes da quarentena e fatores econômicos, que também são importantes neste momento, uma vez que, a crise não atingiu apenas a área da saúde, mas também a econômica e diversas outras, gerando uma preocupação ainda maior com a aquisição de insumos básicos para a sobrevivência das famílias. Por fim, estão os fatores socioculturais em que a pessoa está inserida e os comportamentais adquiridos ao longo da vida.

 

Sabemos que não há uma fórmula pronta do que fazer para ter uma boa saúde mental neste período, mas quais atividades do dia a dia podem auxiliar os idosos que estão mais ansiosos?

O primeiro é entender como funciona a rotina do idoso e também compreender seus limites, para evitar frustrações e angústias por não conseguir concluir a tarefa proposta. Dessa forma, algumas atividades são bem interessantes na manutenção da saúde mental dessa população, como exercer suas rotinas religiosas por meio das ferramentas digitais, pois assim conseguimos aumentar o senso de pertencimento e o contato com aquilo que acreditam. Usar das ferramentas digitais para manter o contato com os amigos e familiares, compartilhando experiências, pequenas conquistas do dia e também falando sobre inseguranças, medos e angústias. Caso seja necessário, buscar um acompanhamento psicoterapêutico para contribuir com a saúde mental neste momento de vulnerabilidade. Procurar fazer uma atividade prazerosa ou aprender algo novo interessante, como executar alguma atividade manual, cozinhar, assistir a um filme ou outra coisa que goste de fazer. Procurar movimentar-se, em casa, de acordo com as possibilidades.

 

O que a pessoa que tem idoso na família, mas não pode visitá-lo por conta do isolamento, pode fazer para não deixar o parente de idade abandonado neste período?

Nestes momentos de isolamento social, alguns sentimentos e emoções podem ser delicados, como tristeza, abandono, raiva e insegurança. É muito importante que a família se faça presente aos entes idosos queridos de uma maneira empática e sem minimizar o sofrimento deles. Algumas pessoas têm usado como estratégia as videochamadas, permitindo ao parente ver a família e trocar informações importantes. Também é preciso estar disponível a ajudar nas rotinas diárias, para que essas pessoas não se exponham ao risco desnecessariamente, além de demonstrar carinho e afeto, que pode ser potencializado com um bilhete carinhoso debaixo da porta, uma canção cantada da janela, algo que faça com que os idosos não se sintam sozinhos. É bastante importante olhá-lo com empatia e respeito pelo que está sentindo e ficar atento às mudanças comportamentais que podem surgir, dando sinais de depressão, ansiedade e outras patologias.