Cidades

Iniciativas oferecem apoio psicológico a profissionais de saúde do DF

Além de manterem a saúde física dos pacientes, médicos e enfermeiros são obrigados a lidar com a pressão e o isolamento e, muitas vezes, deixam o próprio psicológico de lado. Para auxiliá-los, psicólogos e projetos de saúde mental oferecem serviços a esses profissionais

Correio Braziliense
postado em 22/04/2020 06:00

O Hospital Universitário de Brasília criou o Projeto Cuidar, que oferece massagens, dentre outras atividadesHoras ininterruptas de trabalho, falta de equipamentos de proteção e de leitos. Medo do adoecimento e da morte. Uma verdadeira zona de guerra. Essa é a realidade dos profissionais de saúde do Brasil, que buscam gerenciar o caos nas longas horas que passam nos hospitais tentando combater a Covid-19. O momento gera dúvidas, medo e ansiedade nesses profissionais, que, com a série de desafios, precisam manter a saúde mental em dia.

O enfermeiro Thiago Rabelo, da Unidade de Pacientes Críticos do Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB), fala da tensão que é imaginar passar o vírus para familiares. “Eu tenho mãe e avó que têm comorbidades, fico com medo por elas e por mim também, porque também mata pessoas sadias. Sem falar que o tratamento preventivo para esse vírus é a intubação”, diz. O profissional ressalta, ainda, as situações de estresse que podem ocorrer caso o sistema de saúde não aguente toda a demanda de pacientes. “Ficamos com medo de não ter respirador para todos e termos de escolher entre quem vai ficar vivo e quem vai morrer, e isso assusta.”

Ele aposta na fé para não entrar em pânico e manter o otimismo. “Se tentarmos absorver todas as informações que passam, surtamos. É melhor, para quem é da área de saúde, poupar a cabeça e sair um pouco desse ciclo, porque já vivemos nisso.” Tiago diz que participou de uma sessão de terapia e tem procurado outras maneiras de manter a saúde mental. “Temos que sair desse foco. Escutar uma música, ler um livro. Fazer o possível para não ficar focado somente nesse assunto”, aposta o profissional.


O presidente da Associação de Psiquiatria do Brasil (ABP) e da América Latina (Apal), Antônio Geraldo da Silva, explica que o grupo dos profissionais da saúde, provavelmente, apresentará mais Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), depressão e ansiedade. “Alguns periódicos internacionais, como o The Lancet (revista científica do Reino Unido), registraram publicações com relatos de profissionais que trabalharam em outras crises e que apresentaram transtornos psiquiátricos no período de três meses a um ano após”, afirma. 

Ainda segundo o psiquiatra, não é exagero compararmos a atual situação de incertezas para os profissionais de saúde com um período de guerra, e que é necessário cuidarmos do capital mental desses profissionais. “Precisamos zelar pelo conjunto de cognição, emoções e repertório comportamental que usamos nas atribuições do dia a dia. Esse público, especialmente, precisa zelar pelo capital mental e pode fazer isso concentrando-se no horário de trabalho, mas buscando desligar das demandas laborais ao chegar em casa, relaxando e recorrendo a outras atividades”, explica.

 

Ajuda on-line
Enquanto passam a maior parte dos dias cuidando e dando atenção aos pacientes, além de procurar as melhores formas de prevenir a transmissão de doenças aos familiares, os profissionais da saúde também precisam de cuidados de saúde mental. Por isso, o CCM Group, empresa especialista em organizar congressos de medicina no país, criou a plataforma Agir para salvar vidas. A ferramenta permite que médicos, enfermeiros e demais trabalhadores da área se cadastrem e tenham atendimento gratuito a psicólogos e psiquiatras voluntários de todo o país.

Até o momento, quase mil voluntários já se disponibilizaram para ajudar, como afirma o sócio e fundador do grupo, Eduardo Corrêa da Silva. A ideia surgiu pouco depois do início da pandemia, depois que cerca de uma dezena de eventos da empresa foi adiada ou cancelada. “Como conhecemos muitos profissionais de saúde mental, temos uma rede de mais de 18 mil psiquiatras e psicólogos, enviamos e-mail e conseguimos voluntários. Então, criamos a plataforma e ali as pessoas podem se conectar”, explica Eduardo.

Ele contabiliza cerca de 300 atendimentos, mas espera que a procura aumente. “Está todo mundo com medo de infectar a família. Tem gente dormindo em hotel. Todo mundo comparava esse vírus com o da H1N1, mas não dá para comparar. A transmissão é muito mais forte”, alerta. Todos os atendimentos acontecem de forma on-line, em horário combinado.

Uma das pessoas que ajuda na iniciativa é a psiquiatra Silvia Marchant, professora voluntária de psiquiatria para médicos residentes do Hospital das Forças Armadas (HFA). “É uma iniciativa maravilhosa, porque é gratuita. Atendo a um profissional de Santa Catarina e a nossa troca tem sido muito boa. É uma intervenção em um momento de crise”, elogia. “Se não estou no front de hospital, posso, com os meus conhecimentos, e sabendo intervir em crises, ajudar.”

Ela explica que, para quem trabalha com saúde, é comum a síndrome de Burnout, também conhecida como estafa. “O ser humano detém consciência e sentimento. No momento em que a gente vê a dor do outro, é impossível não ter compaixão e empatia. Nesse caminho de uma pandemia, é muito normal que a pessoa se veja no outro, tenha medo e ansiedade pelo futuro”, ressalta.

Cuidado
Para minimizar o impacto psicológico nos profissionais da saúde, o Hospital Universitário de Brasília (HUB) criou o Projeto Cuidar. A iniciativa busca auxiliar e dar o devido acolhimento para essas pessoas com atendimento psicológico e psiquiátrico presencial e on-line, massagem, reiki — medicina alternativa, atividades manuais para a reestruturação da rotina, relaxamento e alongamento. Para isso, o programa conta com a ajuda de psiquiatras e psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e profissionais de educação física. Também faz parte do projeto a distribuição, em várias áreas do hospital, de telas de lettering com mensagens motivacionais.

A ação é realizada pela Comissão de Humanização e pela Unidades Psicossocial e de Reabilitação do HUB. A chefe da Unidade Psicossocial, Silvia Furtado, diz que o resultado tem sido positivo. “Os profissionais estão retornando, o que mostra que estão gostando do trabalho. E os atendimentos também contribuem para a nossa saúde mental”, afirma. “É muito gratificante poder ajudar nossos colegas nesse momento tão difícil”, ressalta Silvia. 

A Secretaria de Saúde explicou, em nota oficial, que se preocupa com a saúde dos servidores e, nesse sentido, montou uma espécie de guia para se aproximar desses profissionais, pontuando as dificuldades, os desafios e as dicas para o enfrentamento no âmbito psicológico. Além disso, a pasta reforça que os profissionais podem receber apoio mental nos diversos serviços. “Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) permanecem abertos e podem ser procurados por servidores que sentirem necessidade de atendimento. Os servidores da Gerência de Práticas Integrativas em Saúde (Gerpis) estão fazendo terapias on-line e atendendo profissionais de saúde.”

*Estagiários sob supervisão de Sibele Negromonte

Onde buscar ajuda

 


CAPS
Centros de Atenção Psicossocial permanecem abertos. No DF, existem 18 unidades. São espaços destinados ao cuidado com a saúde mental, de maneira multidisciplinar. Conta com psicólogos, psiquiatras e demais profissionais relacionados ao tema. Acesse: www.saude.df.gov.br/carta-de-servicos-caps/ 

Gerpis
Mais conhecido como Práticas Integrativas em Saúde, eles fazem terapias e atendimentos on-line. Tem foco na prevenção das doenças, promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, na integralidade e humanização do cuidado à saúde e no exercício da clínica ampliada. Para saber mais, basta enviar um e-mail para gerpis.sesdf@gmail.com.

HUB
Para participar do Projeto Cuidar do Hospital Universitário de Brasília, os profissionais precisam agendar um horário para cada atividade. Em caso de crise, o atendimento é imediato. Mais informações no site
www.hub.ebserh.gov.br.

Telegram
O grupo de primeiros socorros psicológicos troca informações, estratégias de manejo de estresse e acolhimento para profissionais de saúde no Brasil. Tem o acolhimento como estratégia para promoção e prevenção de saúde mental. Para entrar no grupo, é preciso acessar https://t.me/sospsicologico.

Agir para salvar vidas
A plataforma está disponível no site www.agirparasalvarvidas.com.br.
Podem se inscrever psiquiatras e psicólogos para ajudar. Do outro lado, para receber o atendimento, cadastram-se médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e demais profissionais envolvidos diariamente no ambiente hospitalar e no combate ao coronavírus.

 

Dicas para profissionais de saúde 

A especialista em impactos da violência na saúde Carolina Alcântara, professora de psicologia do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), dá dicas para manter a saúde mental de quem trabalha na área de saúde. Veja:

» Promover estratégias para relaxar: é importante diminuir os gatilhos mentais. Desligar um pouco a tevê pode ajudar.
» Criar mecanismos para adiar a impulsividade: evitar o uso de produtos como bebidas energéticas, em caso de excesso de trabalho, álcool e cigarros.
» Manter uma rede de apoio, manter vínculos e afetos, apesar da distância: é preciso criar canais de comunicação com a família, entre as equipes e colegas de trabalho.
» Promover treinamento para os equipamentos de proteção individual (EPIs): o uso não deve ser baseado no medo, mas em protocolos estabelecidos.

 

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