Quando isso tudo passar
Quando isso tudo passar, quero rodar de bicicleta pelos eixos reabertos. Respirar a liberdade das ruas. Mover as articulações por espaços mais amplos que alguns metros quadrados. Derrubar as quatro paredes. Sentir a luz do Sol tocar a pele por mais que poucos minutos. Tocar as plantas no caminho. Sujar os pés de terra. Plantar bananeira no asfalto. Brincar de pique-pega.
Quando isso tudo passar, quero andar pelas calçadas do Plano e revisitar as de Ceilândia. Viver o caos caloroso das feiras. Percorrer o emaranhado de bancas a ofertar produtos diversos. Aproveitar o silêncio das entrequadras ou o barulho das comerciais. Sentir a vida pulsar no centro da cidade. Caminhar será minha meta diária. Dispensarei mais vezes os carros.
Quando isso tudo passar, quero ver o dia nascer na Ermida e a noite chegar na Praça do Cruzeiro. Pedir bênçãos na Catedral. Agradecer àquelas já concedidas. Refletir sobre o que se fez na Esplanada. Mergulhar no Paranoá. Visitar o Vizinhança. Jogar conversa fora com desconhecidos. Rir sem motivo. Contar piadas. Falar besteiras.
Quando isso tudo passar, serei turista de novo. Vou dar a volta ao mundo. Conhecer todos os cantos do Brasil. Praia, pantanal, florestas. Desbravarei o cerrado. Pularei sete ondas no ano-novo do Rio. Farei tours gastronômicos, com visitas aos restaurantes estrelados do guia Michelin e aos quiosques das comidas afetivas mais deliciosas do planeta.
Quando isso tudo passar, vou abraçar, beijar, festejar com as multidões. Bailar de mãos dadas. Sentar à mesa do bar, beber, namorar, rimar, sem medo de ser feliz. Nem a sofrência mais exemplar será capaz de derrubar a alegria de ver gente na rua, sem risco, sem morte. Vou maratonar sessões de cinema. Um filme atrás do outro, sem cessar. Pipoca, guaraná, chocolate, amendoim.
Quando isso tudo passar, vou às ruas. Protestar. Soltar a voz, gritar, a plenos pulmões, as verdades que, há muito, todos deveriam ouvir. Não será mais da janela, do quarto ou da sala de estar. Será no meio do povo, de novo. Sem erro, arrancar as mágoas de dentro do peito. Escancarar a insatisfação. Rebater as incertezas. Mudar de rota. Combater a fome, o desemprego, a tristeza, a angústia.
Quando isso tudo passar, vou te encontrar.