Como se sabe, eu sou um usuário, não disso que vocês estão pensando, mas do transporte público do DF. Estava em um ônibus na Rodoviária quando entrou um palhaço. Trajava roupas puídas, furos na calça e sapatos estropiados. É difícil fazer humor nesses tempos tão tensos, dramáticos e apocalípticos. Começou a distribuir pirulitos e a brincar com os passageiros. Era desajeitado, gauche, torto, mas simpático e desembaraçado: “Faço questão de deixar um para o senhor. Opa, e outro para a senhora”.
Algumas moças do fundo do ônibus provocaram em tom malicioso: “Pode chupar?”. No entanto, o palhaço pulou a casca de banana jogada pelas moças com graça e elegância: “Olha, vocês podem fazer o que quiserem. Mas depois não digam que fui eu que mandei. No fim, o palhaço leva a culpa de tudo”. Rapidamente, o palhaço transformou o ônibus em um circo mambembe. Todos entortavam o pescoço para prestar atenção à cena.
Uma passageira virou-se para acompanhar melhor a performance. Atento, o palhaço a mirou em tom interrogativo: “Eu te conheço de algum lugar. Deixa-me ver de onde. Ah, já sei, eu te conheço da penitenciária nos tempos em que nós passamos juntos na Papuda”.
O palhaço tirava as provocações de letra. No entanto, de repente, ele assumiu um ar grave ou falsamente grave e declarou: “Aposto que, quando eu entrei aqui, vocês pensaram: ‘lá vem mais um para pegar o dinheiro da gente’. Pois, se vocês pensaram assim, vocês acertaram”. Risos gerais. “Eu trabalho em uma creche, que depende de doações para funcionar”.
Ainda tocou em ponto delicado: “E, agora, vou falar de uma coisa muito chata. Mas eu adoro: vou pedir dinheiro. Que ninguém fique constrangido, aceito moeda, tíquete, dólar ou euro”. O palhaço recolheu as contribuições no chapéu, agradeceu, se despediu de todos e desapareceu na noite brasiliana.
Mas vamos dar um corte para outro personagem completamente distinto. Certa vez, entrou no ônibus um sujeito com toda a estampa de malandro. Entretanto, ele usou um argumento forte: “Gente, agora são nove e meia da noite e eu ainda não almocei. Será que vocês poderiam me ajudar?”. A fome me convenceu e resolvi colaborar com alguma grana. O rapaz pegou o dinheiro e agradeceu: “Valeu, tio”.
Não gostei, achei o sujeito abusado. Recentemente, ele reapareceu no ônibus. Porém, quando recitava o mesmo discurso sobre a fome, o motorista ignorou tudo e iniciou, com decisão, as manobras para sair da Rodoviária: “Calma, motora, você está com muita pressa. Parece o Ayrton Senna”. O motorista arrancou, o camarada desceu do ônibus rapidamente, mas ainda teve tempo de comentar enquanto desembarcava do veículo em movimento: “Acelera, Ayrton! Acelera, Ayrton!”