Isabela Fialho, 22 anos, não ficou gripada nem sentiu febre ou dificuldade para respirar. Mesmo sem os sintomas clássicos de Covid-19, a publicitária cumpriu as determinações de especialistas em saúde e só saiu de casa quando foi necessário. Mas ela poderia ter sido uma das várias jovens que não se preocuparam com a doença e continuaram levando a vida normalmente, sem seguir as orientações do isolamento social. Se tivesse feito isso, provavelmente haveria transmitido o vírus para mais pessoas. Mesmo assintomática, Isabela descobriu que estava contaminada com coronavírus. Casos como esses servem como alerta para a importância de a população cumprir o isolamento social.
“As pessoas acham que quem tem coronavírus necessariamente sente falta de ar, febre, tosse. Por isso, tem gente que não está com esses sintomas e acaba saindo muito, fazendo reunião em casa de amigo. Mas não é bem assim. A doença pode estar em qualquer um”, diz a jovem. Isabela só descobriu a contaminação quando percebeu uma leve perda no paladar e dificuldade para sentir cheiros. “Achei que era sinusite, mas demorou a passar e fui falar com meu médico. Ele pediu o teste e comprovou a doença.”
Diante do resultado, a jovem sentiu medo e apreensão, principalmente por conta dos parentes que convivem com ela em casa. A publicitária não precisou de internação hospitalar e, agora, cumpre a quarentena domiciliar, sem contato com ninguém.
Isabela diz, ainda, que não sabe como pode ter sido infectada, e acredita que a população deve lembrar dos casos assintomáticos para combater o avanço do coronavírus. “Esse é um momento de parar de pensar só no ‘eu’, mas pensar no ‘nós’. Estamos passando por uma situação difícil como sociedade, e temos que enfrentar juntos, porque basta uma pessoa infectada para infectar várias outras”, afirma.
Incubação e testes
José Eduardo Levi, virologista da Dasa, grupo do Laboratório Exame, explica os perigos do vírus, detalhando o período que todo paciente fica sem sintomas. “Todo mundo passa por uma fase de incubação, que chega a durar cerca de cinco dias. Nesse período, a pessoa está com a doença, mas não tem sintomas. Ou seja, desde o momento em que ela foi contaminada, ela já tem vírus no trato respiratório e pode transmitir.”
Já o nível de impacto da Covid-19 no sistema do paciente varia muito. “Ele recebe a carga viral de alguém infectado, isso entra no corpo e começa a replicar nas células. O contaminado passa a ter sintomas cerca de cinco dias após a infecção, mas tem gente que permanece sempre assintomática, são pessoas que não percebem o vírus e não vão ter quadros graves, apesar de poderem transmitir para outras”, ressalta Levi. Por isso, para o especialista, o cenário preferível a ser seguido pelas autoridades de saúde é o da testagem em massa, ou seja, a realização de exames para coronavírus em grande escala, alcançando até mesmo quem não tem sintomas graves.
“Toda região que pode, que tem recursos para isso, testa mais. A gente vê que os países que realizaram mais exames em um primeiro momento foram os que tiveram o menor número de mortes proporcionalmente ao tamanho da população”, afirma. Porém, é necessário avaliar o contexto atual de cada local. “O teste massivo tem a função de fazer o isolamento de forma técnica. Ou seja, só se isola quem é positivo. A tendência, assim, é que a pessoa que está contaminada respeite mais o isolamento e evite contaminar mais gente. Mas a estratégia hoje é testar os pacientes graves, porque só temos exames suficientes para eles, que, em ordem de prioridade, são os mais importantes”, lembra o virologista.
Transmissões evitadas
Como ressaltou José Eduardo Levi, há pessoas que não vão sentir grandes efeitos do vírus, mas devem tomar cuidado para não se tornarem transmissoras. É esse o caso de Leonardo Ornelas, 27. Jovem e com boa saúde, ele foi surpreendido pelo resultado positivo do exame de coronavírus e segue à risca as recomendações para não propagar a doença. “Eu estava nos Estados Unidos e retornei em 16 de março. Pouco depois, um casal de amigos que estava comigo me avisou que os exames deles apontaram a Covid-19. Eu não tinha sintomas nenhum, mas resolvi fazer o teste para desencargo de consciência, já que ia voltar a trabalhar na semana seguinte, fazendo entregas do meu café”, lembra o empresário.
Leonardo conta que não teve febre, tosse ou dificuldade respiratória, e que havia feito um exame de sangue recentemente com resultados excelentes. O único possível sinal de que algo podia estar errado foi uma perda da sensibilidade do paladar e do olfato. “Fiquei surpreso com o resultado positivo, mesmo não tendo praticamente sintoma nenhum. O único que tive foi ficar sem sentir gosto e cheiro das coisas por pouco mais de uma semana”, explica. Após o isolamento recomendado, ele realizou um novo teste, na última semana, que apontou a recuperação da doença.
Mas, na visão do jovem, é necessário entender que a Covid-19 é perigosa mesmo quando infecta alguém saudável. “Não é uma doença que necessariamente vai levar a óbito, mas pode matar pais, avós, amigos que têm problemas de saúde. O vírus não tem cor nem cheiro, e se espalha mais rápido do que podemos imaginar. Sair de casa agora sem necessidade é um ato de egoísmo que pode prejudicar muita gente”, avalia.
Três perguntas para
Marli Sartori, infectologista do Hospital Santa Lúcia
Três perguntas para
Marli Sartori, infectologista do Hospital Santa Lúcia
Uma pessoa assintomática pode transmitir o coronavírus?
Sim. Em todo contaminado, a doença se instala primeiro, e só depois aparecem — ou não — os sintomas. Mesmo aqueles que vão ter os sintomas clássicos da doença, cerca de dois dias antes, segundo estudos, já estão transmitindo o vírus. Por isso a comunidade precisa manter os cuidados, ter uma boa higienização das mãos, evitar aglomerações e usar máscaras como as de tecido, por exemplo, lavando por turno — manhã, tarde e noite.
Como o vírus age no organismo?
Temos pacientes assintomáticos que, geralmente, têm cargas virais menores; pacientes com quadros leves, que podem não apresentar febre, tosse ou falta de ar, mas não sentem gostos e cheiros; e pacientes graves. Vai depender muito de pessoa para pessoa. A recomendação dos órgãos de saúde é que só procure uma unidade hospitalar quem tem dificuldades respiratórias. Para quem teve contato com alguém contaminado, a orientação é manter a quarentena de 14 dias completamente isolado. E, para quem não tem sintomas nem teve contato com infectado, seguir a recomendação de só sair de casa para atividades essenciais.
Por que o isolamento social é importante neste momento?
Pedimos muito para que as pessoas mantenham o isolamento social porque isso resguarda a todos. As pessoas passaram a relaxar mais, têm saído mais e criado aglomerações, mas precisamos ter consciência de que se isolar garante um cuidado maior. Caso contrário, os serviços de saúde ficam sobrecarregados, é mais provável que falte equipamentos e leitos, e o número de contaminados pode subir muito em pouco tempo.