Aventais descartáveis, protetor facial e desinfecção de todo consultório. Frente à pandemia do novo coronavírus, os dentistas tiveram que acrescentar novas medidas de prevenção e controle de contágio nos atendimentos odontológicos. Como a doença se propaga via gotículas respiratórias, os profissionais estão no topo da classificação de risco de contaminação pela Covid-19. Com a adaptação, a rotina dentro e fora dos consultórios foi alterada. Sem falar nas perdas financeiras.
A dentista Graziane Tabosa não consegue expressar os sentimentos neste período de incertezas. “O protocolo de segurança é difícil de ser feito sozinho, e afeta diretamente o número de atendimentos”, conta. A Clínica dos Dentes, na qual trabalha, passou por diversas modificações neste período. “Pediram para a gente usar uma roupa mais fácil de higienizar, além de aumentar a proteção visual”, explica a odontologista. A vestimenta pode ser reutilizada depois da esterilização.
Para dar conta de todas as recomendações divulgadas em Nota Técnica pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aos profissionais, Graziane conta com uma equipe de cinco funcionários. A higienização pós-consultas também virou um procedimento padrão. “A primeira etapa é o recolhimento de todo o material que não é descartável. A auxiliar de limpeza higieniza os objetos utilizando pano com detergente ou sabão enzimático e, depois, passa outro, úmido, para remover o produto, além de um terceiro para a secagem dos materiais”, explica. “O próximo passo é descartar em lixo cirúrgico os itens que não podem ser reutilizados e, em seguida, passar desinfetante no consultório para combater bactérias, vírus e fungos”, acrescenta.
Depois do procedimento, o consultório fica mais três horas fechado para que as partículas do ar desçam. A finalização é feita com a limpeza do chão, da parede, da maçaneta, entre outros objetos. “Nas consultas com uso de aerossol, procedimento que faz com que a saliva do paciente seja expulsa, a gente faz uma limpeza ainda mais rígida”, relata a dentista. Com a rigorosidade e a prioridade em atendimentos de urgência, o número de pacientes da clínica caiu em 20%. “Agora, no total, consigo atender a dois pacientes pela manhã e dois pela tarde”, contabiliza.
De acordo com o presidente do Conselho Regional de Odontologia do Distrito Federal (CRO-DF), Marco Antônio do Santos, a sugestão é que os dentistas deem preferência para os casos de emergência. “Observando as recomendações da OMS, a gente pede que os dentistas adiem os atendimentos eletivos, com o intuito de evitar a circulação de pacientes e aglomerações”, explica. O presidente também alerta para o uso correto dos materiais de proteção. “Caso o profissional não tenha os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), não deve fazer atendimento, pois pode se contaminar, além de infectar vários pacientes”, alerta.
A previsão é de que os 7.580 inscritos ativos no CRO-DF sejam impactados com a crise. “A pandemia, como em todas as outras profissões, vai trazer consequências negativas na economia, isso é previsto. Uma das preocupações do conselho é conseguir linhas de créditos para esses profissionais. Estamos preocupados com os dois lados: a prevenção da doença e o financeiro do profissional”, explica.
Se não fosse o apoio financeiro dos pais, o odontologista Percival Lopes teria mais dificuldade para reabrir o consultório. Há 25 dias com a clínica Stilo Oral fechada, o especialista em implantodontia, prótese dentária e periodontia conseguiu se organizar para voltar a atender. “Assim que OMS declarou pandemia, eu já estava reduzindo os atendimentos. No dia 20 de março, decidi parar por completo, porque, como tenho um recém-nascido em casa, devo evitar todo tipo de exposição”, relata.
Durante a pausa, o dentista aproveitou para pedir os aparelhos necessários para proteção adequada. “Pedi a roupa impermeável, além da máscara facial”, conta. Outros procedimentos também serão implantados na clínica, como o espaçamento de uma hora entre as consultas e a proibição de acompanhantes. “Também não pretendo fazer os tratamentos eletivos inicialmente”, ressalta. Com a redução de pacientes e o custo extra com os materiais, o impacto financeiro é certo. “A roupa específica é cara e deve ser trocada a cada atendimento. Devo demorar aproximadamente dois anos para me restabelecer”, prevê Percival.
Depoimento
“A angústia ainda existe”
No primeiro dia em que voltei a trabalhar, foi muito angustiante. A sensação era de sufocamento. Era difícil tocar em algo, ficar perto das pessoas. Ir à rua e não ver o movimento de antes foi desesperador. Fiquei sem atender a partir de 20 de março, quando o governador baixou o decreto. Voltei a trabalhar somente em 6 de abril, apenas em procedimentos de emergência, conforme recomendação do governador. Hoje ajo com cuidado e cautela, porém com um pouco mais de tranquilidade. A angústia ainda existe, mas com os cuidados que tenho tomado consigo lidar melhor com tudo.
Nós, da área da saúde, somos habituados com a biossegurança e a higiene de um modo geral. O que fizemos nos consultórios onde atendo foi redobrar os cuidados. Estamos usando capotes cirúrgicos estéreis, que são, na verdade, roupas descartáveis que, geralmente, utilizamos em grandes cirurgias. Trocamos os EPIs a cada paciente, além de usarmos um protetor facial. O paciente fica protegido, pois estamos usando para cada um o que chamamos de campo cirúrgico, que também é estéril, ou seja, um lençol em cada paciente, em que fica de fora somente a boca. Isso nos dá uma sensação de maior segurança. Mesmo assim, o número de pacientes caiu antes mesmo do decreto de fechamento.
Hoje, estamos retornando com os atendimentos de emergência, mas ainda tem aqueles que estão com medo, ou são do grupo de risco ou os que estão sem condições financeiras para bancar o tratamento, pois a pandemia também os afetou. A maioria dos dentistas é profissional liberal. Ganhamos pelo o que produzimos. Então, sem produzir, não recebemos. Se não recebemos, não pagamos contas e funcionários.
» Aline Corrêa,dentista clínica geral